Eis os primeiros resultados da vacina russa: sem efeitos adversos graves e resposta imunitária aceitável
Já são conhecidos os primeiros resultados dos testes da vacina russa contra a covid-19, publicados nesta sexta-feira na revista médica The Lancet. Depois de Putin ter revelado ao mundo que a Rússia estava a desenvolver uma vacina segura e eficaz para estar pronta ainda este ano, o que levantou muitas críticas, as primeiras conclusões surgem agora através de cientistas russos independentes. E as notícias são animadoras.
De acordo com a pesquisa que apresenta resultados relativos às fases 1 e 2, a Sputnik V parece segura, não causa efeitos adversos relevantes e é capaz de dar uma resposta imunitária aceitável (produção de anticorpos) no organismo dos voluntários. O estudo, no entanto, aponta algumas limitações e os cientistas admitem que são necessários mais testes para a comprovação de sua eficácia.
A vacina foi testada em 76 voluntários em dois hospitais da Rússia. Nos ensaios participaram adultos saudáveis entre os 18 e os 60 anos, que estiveram isolados nos hospitais durante 28 dias, para que fossem vigiados de forma intensiva relativamente a efeitos adversos.
A vacina, segundo os investigadores, revelou-se segura e portou-se de forma aceitável durante os 42 dias que demorou o estudo. Não foram detetadas situações graves e os efeitos secundários mais comuns foram dores no lugar da injeção, alguma febre, dores de cabeça, fadiga e dores musculares. A vacina mostrou também, após os 42 dias, que as pessoas que receberam o tratamento com os dois vetores de adenovírus - tipo 26 (rAd26-S) e tipo 5 (rAd5-S) - mostraram uma boa resposta de imunidade às células T.
Para Natalia Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, citada pelo jornal O Globo, os resultados são promissores mas ainda preliminares. "Eles fizeram uma boa fase 1. Usaram uma estratégia interessante, com dois adenovírus diferentes. Funcionou bem, eles conseguiram uma boa resposta de anticorpos compatível com pessoas que já tiveram a doença. Investigaram também linfócitos T e tiveram uma boa resposta", referiu a microbiologista.
A especialista ressalvou, contudo, que a fase 1 teve um número pequeno de participantes, a maioria jovens do sexo masculino, e que as próximas fases precisam de mais diversidade. "Por enquanto são resultados promissores. A vacina não deu efeitos colaterais graves, deu uma boa resposta, bons marcadores de imunidade", resumiu Natalia.
Julio Croda, infectologista da Fiocruz e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), no Brasil, adiantou ao Globo que este estudo mostrou que a vacina é segura, produz anticorpos e gera uma resposta imune, apesar de a amostra ser bem limitada.
"Estudos prévios mostram que uma imunidade duradoura está mais relacionada à imunidade celular, e não ao anticorpo que circula no sangue. Isso não é um fato novo desta vacina, mas prova que ela gera essa imunidade celular", avaliou Croda.
Há uns dias, Marta Temido, ministra da Saúde, partilhou das mesmas reservas da Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto à vacina para a covid-19 anunciada pela Rússia, afirmando que não se pode sacrificar "segurança e eficácia" em nome da rapidez. A vacina russa, anunciada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, não está entre as seis que a OMS disse estarem mais avançadas.
"É muito importante acelerar o processo de investigação em relação à descoberta de uma vacina eficaz, mas não podemos, nesse processo, sacrificar nem a segurança nem a eficácia terapêutica", declarou Marta Temido. A ministra indicou que relativamente à vacina Sputnik V, a primeira para a covid-19 a ser anunciada, "há factos que têm sido referidos, que a fase 3 [de testagem na comunidade] não terá sido, eventualmente, totalmente realizada".
O estudo foi feito da seguinte maneira:
Foram feitos dois estudos com 38 voluntários cada (76 no total) e, segundo os investigadores, não foram verificados efeitos colaterais sérios até 42 dias depois.
A Sputnik V usa dois vetores de adenovírus - tipo 26 (rAd26-S) e tipo 5 (rAd5-S)-, que funcionam como um "veículo de lançamento" do coronavírus no organismo humano.
Em cada um dos estudos, nove pacientes foram testados com o tipo 26, outros nove com o tipo 5 e os 20 restantes, com os dois.
Como são usadas formas enfraquecidas do adenovírus, ele não é capaz de se replicar no corpo humano e, consequentemente, não causa doenças. O adenovírus geralmente causa a constipação comum.
Os participantes foram testados entre 18 de junho e 23 de agosto e todos desenvolveram anticorpos para o coronavírus.