Economista sul-coreano avisa países africanos mais pobres para risco do livre-comércio

Moscovo, 20 jun 2019 (Lusa) -- O economista sul-coreano Ha-Joon Chang avisou hoje os governantes dos países africanos mais pobres e em vias de desenvolvimento para o risco do livre-comércio entre economias desiguais, que favorecem os mais ricos.
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No contexto de aumento dos populismos e dos nacionalismos que defendem um reforço do protecionismo económico, "o sistema de multilateralismo está sob forte ataque" e "não é preciso ser um génio para ver que os países mais pobres preferem o multilateralismo", porque lhes dá mais força.

"O multilateralismo é amigo dos países mais fracos" em vez de acordos bilaterais que favorecem os parceiros mais fortes, afirmou Ha-Joon Chang, nas jornadas em Moscovo do Afreximbank, o banco pan-africano com sede no Cairo que tem como principal foco o financiamento e promoção do comércio e investimento no continente.

"O livre-comércio entre países com níveis diferentes de desenvolvimento prejudica os países mais pobres porque potencia indústrias que os menos desenvolvidos não conseguem acompanhar", como as tecnologias da informação ou a automação.

Por isso, avisou o economista aos representantes africanos: "Se abrirem completamente a vossa economia, vão fazer o que sempre fizeram, não vão crescer. Vão fazer o que as vossas potências coloniais vos colocaram a fazer".

Num discurso muito aplaudido, o professor da Universidade de Cambridge salientou que os países menos desenvolvidos têm aumentado o seu peso na economia global, passando a representar 42 por cento das trocas comerciais do mundo (sem contar com a China).

Para o investigador, "a China é a parte mais importante desta história" das tarifas alfandegárias, num contexto em que os países mais ricos estão a repudiar a política de abertura das fronteiras promovida pela Organização Mundial do Comércio.

"Agora que a china está a crescer, os países desenvolvidos estão a abandonar o multilateralismo", preferindo "negociações bilaterais e regionais", com é o caso da Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês) e do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (Nafta, na sigla inglesa) no caso dos EUA e do acordo África-Caraibas-Pacífico (ACP) no caso da União Europeia.

Ha-Joon Chang deu mesmo o exemplo das negociações da UE: "Em vez de negociar com os 90 países da ACP", a Europa dividiu-os em sete grupos para ter uma posição negocial mais forte.

A defesa das patentes e dos direitos de autor, hoje defendida pelos países mais desenvolvidos, é outros dos argumentos para impedir o investimento dos países mais pobres.

"Ao longo da sua história, todos os países violaram direitos de autor" e adotaram medidas protecionistas para estarem ao nível dos parceiros, recordou o economista, criticando a ideologia dominante que defende um livre-comércio entre países que não são iguais nem estão no mesmo patamar de desenvolvimento.

E deu o exemplo do desporto, onde "há categorias por peso, idades e género para favorecer a competição de iguais".

Mas, o que sucede hoje, na economia, é a defesa, por parte dos mais fortes, de uma competição que "não é entre iguais".

No seu entender, o "livre-comércio é a melhor opção a longo-prazo", mas são necessárias "políticas de curto-prazo que promovam competição entre iguais".

Nesse sentido, comentando a entrada em vigor de um tratado de livre-comércio entre africanos, Ha-Joon Chang pediu à União Africana que promova políticas de compensação para os países mais pobres, para permitir um "terreno equilibrado comum" para a competição económica dentro do continente.

Com a ratificação do acordo de eliminação das barreiras alfandegárias por parte de 22 dos 54 países da União Africana, o tratado entrou em vigor no dia 30 de maio.

Nenhum dos países de língua portuguesa ratificou o tratado de livre-comércio e a Guiné-Bissau nem sequer assinou o documento, à semelhança de outros países como a Nigéria ou a Zâmbia.

Três semanas depois de ter entrado em vigor o acordo de livre-comércio continental, que inclui 24 países, o Afreximbank discute a diminuição das barreiras alfandegárias no contexto global e apela à abertura para combater o crescente nacionalismo.

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