"É um produto barato e acessível"

Entrevista a João Curto, Presidente da Associação Portuguesa de Adictologia
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No ano passado morreram 44 pessoas com overdose alcoólica, com maior prevalência entre os 45 e os 54 anos. É um número surpreendente?

Não esperávamos tantas intoxicações tão agudas. O consumo de álcool tornou-se mais violento do que se esperava. Entre as pessoas mais novas está muito ligado à aventura. Nas pessoas mais velhas não sei se poderá estar associado a uma certa angústia dos últimos anos. Talvez tenha contribuído o desalento desta geração que é nova demais para deixar de trabalhar e velha para procurar trabalho. Nos últimos anos houve uma mudança de padrão, em que já não há um trabalho para a vida. Isso cria uma instabilidade que não é favorável a um estado de espírito tranquilo. As pessoas recorrem ao álcool que é um produto barato e acessível.

Este tipo de consumo continua a ser demasiado bem aceite culturalmente?

Está enraizado no convívio social. É preciso trabalhar melhor a informação para que ela seja captada sobre o que é o consumo excessivo. Não é verdade que o consumo num jantar ou numa festa não é nocivo. Está provado que o consumo de grandes quantidades em poucas horas tem consequências, tantas ou mais graves do que o consumo em permanência. Há uma alteração de valores para desculpar o consumo. Há um esclarecimento que deve ser feito mais profundamente: o álcool invade todo o organismo. Atinge os sistemas pulmonar, digestivo, cardíaco, cerebral, na capacidade de concentração.

A aposta no futuro deve ser na passagem desta informação?

As pessoas estão muito ligadas ao álcool como prótese para se relacionarem e os mais novos aprendem isso com os adultos. Falta formação na educação para aprenderem a fazer boas escolhas. Há outra questão que é fundamental: a densificação de locais onde se consome. As câmaras têm de ponderar esta questão e repartir estes espaços por diferentes locais da cidade. A concentração leva à competitividade que pode estimular o consumo de álcool.

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