Existem sabores a frutas, pastilhas elásticas, donuts, algodão-doce, bolos de manga, pastéis de natal, atabacados. São dezenas de sabores diferentes para uma enorme variedade de cigarros eletrónicos, dispostos em estantes com um design moderno. Vendidos em frascos coloridos, os líquidos têm diferentes aromas, aos quais pode ou não ser adicionada nicotina. Na grande maioria dos casos, é. Embora seja proibida a entrada a menores de 18 anos, muitos tentam a sua sorte. Querem "vapear", um fenómeno que desperta a curiosidade de cada vez mais adolescentes portugueses e que, segundos os médicos, está fora de controlo nos EUA.."É um produto procurado por menores de 18 anos, mas a entrada na loja é proibida a menores. Eles já sabem que chegam e não entram", assegura Fábio Oliveira, sócio da Vapor Land, loja de cigarros eletrónicos, que abriu há dois anos em Aveiro. Na maioria dos casos, refere, são jovens que "já fumavam tabaco convencional aos 16 anos". "Como é que obtêm os cigarros?", questiona. Para os mais novos, considera que os cigarros eletrónicos "são vistos como uma brincadeira", enquanto "para os mais velhos são considerados uma alternativa mais saudável e menos dispendiosa do que o tabaco". Há muitos casos, prossegue, em que jovens adultos que não fumam tabaco convencional compram e-cigarros "e levam líquidos sem nicotina"..Na Why Not Vapor, em Lisboa, João Rebelo também já teve de negar várias vezes a venda de cigarros eletrónicos a menores de 18 anos. No entanto, admite que os adolescentes possam arranjar formas de ter estes produtos, nomeadamente pedindo a colegas mais velhos que os comprem. "Tal como acontece com o álcool", frisa. Assegurando que só vende e-cigarros e os produtos relacionados a partir da idade legal, diz que, mesmo no grupo logo acima dos 18 anos, é muito raro pedirem sem nicotina..Apesar de a venda ser proibida a menores de 18 anos, a procura é muito elevada. Quem o diz é Emanuel Esteves, presidente do conselho executivo da Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo (COPPT): "Os adolescentes assediam constantemente os comerciantes para que lhes facilitem estes dispositivos. Há muitos comerciantes honestos, mas não temos a certeza de que o panorama seja generalizado." Em Portugal, o consumo dos cigarros eletrónicos é "mais significativo na população entre os 30 e os 45 anos, sendo que nos jovens dos 18 aos 25 o consumo é escasso". Há, contudo, o problema da curiosidade que o produto desperta nos adolescentes.."Há, efetivamente, muita curiosidade. Mas não temosa certeza se haverá um consumo elevado por parte dos nossos adolescentes", refere Emanuel Esteves. Entre as características que tornam o produto atrativo, o presidente da COPPT destaca o facto de ser um dispositivo tecnológico e com um design apelativo, de as embalagens dos líquidos serem coloridas e de existir uma enorme variedade de sabores. "Na adolescência, está enraizada a ideia de que estas formas de tabaco não são prejudiciais à saúde. Não há a noção de que estão a brincar com uma bomba que pode rebentar a qualquer momento. Para além dos riscos inerentes à sua utilização, há o de indução ao consumo do tabaco tradicional", afirma, destacando que há vários estudos que relacionam o uso destes dispositivos com a adoção posterior de hábitos tabágicos..Problema fora do controlo nos EUA.Apesar de existir uma curiosidade cada vez maior por parte dos adolescentes em Portugal, o fenómeno andará muito longe do que se passa nos EUA. "A situação nos EUA está fora do controlo. Houve uma explosão de vendas, de experimentação. Neste momento, o cigarro eletrónico é o produto de tabaco mais utilizado por adolescentes", adianta José Pedro Boléo-Tomé, coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia. Esta é uma realidade que "levanta muitas preocupações, porque uma das alegações da indústria é que este produto se destina a fumadores adultos. Estes miúdos não são adultos nem eram fumadores". Segundo o responsável, "80% dos sabores destes cigarros são de guloseimas e sobremesas, o que os torna muito apelativos para os jovens"..A FDA (Food and Drugs Administriation), entidade que regula a comercialização de medicamentos, alimentos e produtos de tabaco nos EUA, considera que o país está perante uma "epidemia" entre os adolescentes. Boléo-Tomé conta que há um cigarro eletrónico - o Juul - que se tornou muito popular entre os estudantes dos liceus e escolas secundárias. "É semelhante a uma pen e é uma loucura de vendas. Mas o Juul fornece altas doses de nicotina. É muito fácil ficarem viciados. Há relatos de miúdos que dormem com ele debaixo da almofada, e a primeira coisa que fazem de manhã é vapear.".Em Portugal, não existem dados recentes sobre a utilização destes dispositivos. Em 2014, o país estava no fundo da tabela no que diz respeito à percentagem de habitantes que consumia este produto de tabaco: 6% tinham experimentado e 2% vapeavam regularmente. "Neste momento, acredito que os números sejam maiores", refere o coordenador da Comissão de Tabagismo. Relativamente aos adolescentes, "começa a ver-se que experimentam cada vez mais, o que pode levar a um uso mais regular e, posteriormente, à experimentação de outras coisas". Investigações feitas sobre o tema concluíram que "os adolescentes que experimentam cigarros eletrónicos têm mais probabilidades de experimentar cigarros, canábis, álcool e pastilhas"..A situação em Portugal é, no entender do pneumologista Boléo-Tomé, preocupante, porque, apesar de existir uma diminuição das taxas de tabagismo, "existem produtos de tabaco que estão a aumentar as vendas e na população que nunca fumou". Entre os mais jovens, sublinha, "há a ideia generalizada de que não é cigarro e, portanto, não faz mal à saúde"..Faz menos mal do que o cigarro?.Fabricantes e vendedores consideram que esta é uma alternativa mais saudável do que o cigarro convencional. "As pessoas sentem-se melhor ao vaporizar do que a fumar tabaco convencional. Existe um outro produto que tenha conseguido fazer tanta gente deixar de fumar? Vaporizar não faz bem à saúde, é a realidade, mas, se compararmos com o tabaco convencional, faz muito melhor. E quem o diz são as próprias pessoas que vaporizam", frisa Fábio Oliveira. Uma opinião partilhada por João Rebelo: "Há cinco anos, as pessoas procuravam os cigarros eletrónicos para poupar, mas agora é mais por uma questão de saúde." Como vantagens, refere "a ausência de componentes químicos" e o facto de "não existir combustão"..Mas os médicos têm uma opinião diferente. "Não se pode dizer que faz menos mal do que o cigarro convencional. É muito duvidoso dizê-lo. Há componentes que estão em menor concentração, outros mais ou menos parecidos e há outros químicos que surgem em concentrações maiores", refere José Pedro Boléo-Tomé. Relativamente ao risco de cancro, o responsável lembra que "ainda não passou tempo suficiente para aparecerem doentes com cancro provocado pelos cigarros eletrónicos, mas sabe-se que têm substâncias carcinogénicas". "É um produto perigoso", alerta, destacando que a presença de nicotina está, desde logo, associada à adição..Emanuel Esteves refere também o risco cardiovascular. "Que continua de pé com estes produtos. Não há uma redução do risco", indica. Quanto ao papel dos e-cigarros na cessação tabágica, os especialistas dizem que não está provado que ajudem a deixar de fumar. "Não podemos transmitir uma mensagem de perdão aos maus efeitos deste produto, e é um risco utilizá-lo na cessação tabágica. A nicotina é veneno, uma droga perigosa, que mata.".Vapear canabidiol.Durante a visita do DN à loja de e-cigarros, surgiu um homem à procura de líquidos para "o stress, para acalmar as pessoas muito nervosas". Refere-se ao CBD, o óleo de canabidiol, que se encontra em muitas destas lojas em Portugal, tanto físicas como online. Segundo João Rebelo, é procurado sobretudo "por doentes oncológicos, pessoas que sofrem de stress e ansiedade alta". Não costuma ser comprado por jovens, "mas por pessoas mais velhas, e para fins terapêuticos"..Este é um derivado da canábis, que, segundo João Goulão, presidente do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD), "não consta da lista de substâncias controladas". Como tal, prossegue, "em princípio é legal". Mas, adverte, há uma questão que se levanta: "Será que os extratos que estão à venda têm apenas CBD, ou também têm THC [tetraidrocanabinol]?".Relativamente ao CBD, João Goulão afirma que "parece haver algum potencial terapêutico em algumas condições clínicas, nomeadamente na redução de espasmos, mas não há evidências científicas sólidas para que possamos ser perentórios acerca da sua utilização". Para fins recreativos, sublinha, "a utilização do canabidiol parece fazer pouco sentido". Segundo o presidente do SICAD, "os efeitos psicoativos, que são os que preocupam, parecem não estar presentes"..Quanto aos riscos, são "os que decorrem da utilização de produtos pela via inalatória, nomeadamente ao nível das vias respiratórias". Como os efeitos desta substância são desprezíveis, este não é um tema que o SICAD acompanhe de perto. No entanto, adverte João Goulão, o consumo desta substância para fins recreativos "é um preditor de que haverá apetência para experimentar substâncias com real efeito psicoativo".