Ao meio-dia de 20 de janeiro de 2021, Joe Biden tomará posse como presidente dos Estados Unidos e trará com ele um governo de proporções históricas. Da equipa que escolheu constam a primeira secretária nativa-americana, Deb Haaland, o primeiro secretário abertamente gay, Pete Buttigieg, a primeira mulher secretária do Tesouro, Janet Yellen, o primeiro afro-americano como secretário da Defesa, Lloyd Austin, e o primeiro hispânico na Segurança Interna, Alejandro Mayorkas. Vão juntar-se à primeira mulher a ocupar a vice-presidência, Kamala Harris, que é também multirracial..A diversidade de género e etnias salta à vista na futura administração, mas a equipa escolhida por Biden tem também outra característica. É em simultâneo progressista e centrista, incluindo escolhas pioneiras entre nomes que estariam na reunião de velhos colegas da administração de Barack Obama.."Biden está a tentar encontrar um equilíbrio entre aquilo com que se sente confortável e aquilo que o Partido Democrata quer", explicou ao DN Shannon Jenkins, professora de Ciência Política e reitora associada interina da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Massachusetts Dartmouth. "Penso que está a fazer um bom trabalho de equilíbrio entre essas duas forças. Não poderá deixar toda a gente contente, mas será difícil para a ala progressista do partido barafustar quando há tantas nomeações históricas", afirmou. "É difícil para os democratas queixarem-se do que Biden está a fazer.".Segundo a cientista política, a composição da administração "reflete as prioridades do Partido Democrata, que tem um chapéu muito grande em termos de diversidade"..A professora de governo no Connecticut College, MaryAnne Borrelli, chamou, no entanto, a atenção para o facto de esta diversificação ter um histórico nas presidências modernas.."Este governo é mais diversificado do que vimos durante a atual administração, mas se olharmos mais para trás, em especial desde Clinton e até recuando a Nixon, houve um processo de integração de raça e género nos governos", disse ao DN. "Houve uma interrupção e agora Biden está a retomar práticas que vimos em Obama, Bush, Clinton.".Isto apesar de serem notórios os aspetos históricos da futura administração. "Não há dúvida de que Biden está a fazer algumas coisas que são pioneiras neste momento e vai ser muito interessante", afirmou a docente, destacando Deb Haaland, que irá chefiar a Secretaria do Interior. "O Interior é uma pasta de grande importância, por isso ter uma mulher nativa nessa posição é enorme." Borrelli indicou também que a nomeação de Janet Yellen para o Tesouro "é de grande importância", tendo ela "um sentido profundo do que significa ser mulher numa posição de decisão económica"..Há 15 pastas que compõem o governo propriamente dito, as várias secretarias que equivalem a ministérios, e depois há uma série de posições de relevo que têm equiparação a membros do governo, como a chefia do Gabinete da Casa Branca e a direção do gabinete de Gestão e Orçamento. Também aqui é visível o esforço de chegar a uma administração paritária..Para as secretarias, Shannon Jenkins também destaca a nomeação de Deb Haaland. "É importante tanto pelo reconhecimento da importância da comunidade nativa, mas também pelo seu empenho quanto à justiça ambiental", descreveu. "Assinala, de facto, uma abordagem completamente diferente às questões com que a Secretaria do Interior tem de lidar." A docente sublinhou ainda a escolha de Michael Regan para liderar a Agência do Ambiente (EPA, na sigla inglesa). "A equipa de ambiente do Biden assinala um compromisso para endereçar seriamente as alterações climáticas e os problemas de justiça ambiental.".Todas as nomeações para as secretarias têm de ser confirmadas pelo Senado, e isso deixa dúvidas quanto à concretização destas posses históricas. O partido republicano tem uma maioria na câmara alta do Congresso e a sua composição definitiva vai ser decidida a 5 de janeiro, quando se der a segunda volta das eleições dos senadores pelo estado da Geórgia. Os resultados de 3 de novembro não determinaram vencedores e os eleitores vão ser chamados a decidir entre David Perdue (republicano incumbente) e Jon Ossoff (democrata) e Kelly Loeffler (republicana incumbente) e Raphael Warnock (democrata)..Se os democratas vencerem os dois lugares, vão empatar com os republicanos e passarão a controlar o Senado, porque o desempate é feito pelo vice-presidente, que neste caso será democrata. Qualquer outro cenário deixa o controlo na mão dos republicanos, o que lhes dará o poder de vetar as nomeações.."Não penso que os republicanos vão bloquear todos os nomeados, mas suspeito de que irão tomar posições nalguns para mostrar que estão a fazer frente a Joe Biden", disse Shannon Jenkins. "Suspeito de que haverá alguns nomeados que não vão ser confirmados.".MaryAnne Borrelli sublinhou que muito do processo de contactos e lóbi para obter apoios na confirmação é feito pelo nomeado, pelo que este processo surge como uma espécie de teste inicial. "Se nem conseguirem ser confirmados, como é que irão conseguir concretizar políticas?", interrogou a professora..Por outro lado, indicou, até os nomeados experientes poderão ter dificuldades. "Mesmo os que já estiveram no governo antes, como Tom Vilsack, que foi secretário da Agricultura por oito anos e tem relações estabelecidas, ainda não lidaram com o robusto populismo republicano que vemos agora.".A professora calcula que os nomeados vão defender a sua confirmação com base na seriedade do momento, com uma crise de saúde pública, uma recessão económica e uma sucessão de desastres naturais.."Será um caminho difícil. Biden está a escolher pessoas que conseguem perceber o ambiente na sala", analisou Borrelli. "Podem dizer que são veteranos de Washington e uma reciclagem da administração Obama. Mas ele está a escolher pessoas muito estrategicamente, que vão redirecionar a política de uma certa forma. Torna-se uma mudança previsível, após a volatilidade.".A posse de Kamala Harris como vice-presidente será igualmente histórica e consequente, por vários motivos. Segundo a pesquisa conduzida por Christina Wolbrecht na Universidade de Notre Dame, a proeminência de candidatas viáveis a cargos políticos tem um impacto grande nas gerações mais novas.."A pesquisa demonstra que há um efeito de modelo a seguir quando mulheres e mulheres de cor se candidatam e vencem cargos proeminentes", frisou Shannon Jenkins. "Tende a inspirar maior confiança no governo e aspirações mais elevadas em particular para raparigas. Quando se fala de representação descritiva a pesquisa é muito clara", disse. "Cria mais afinidade e sentimento positivo em relação ao governo.".No caso de Kamala Harris, o seu perfil e extenso currículo deverão determinar um mandato muito ativo. Jenkins lembra que os vice-presidentes têm um portfólio limitado, mas Harris deverá alargar ao máximo as suas competências. "Biden tinha uma relação muito próxima com Obama e será expectável que siga um modelo presidencial similar ao que teve com Obama.".Por outro lado, é a primeira vez que uma pessoa com estas características assume este poder e isso deverá também refletir-se na sua ação. "Outro motivo pelo qual a representação descritiva é importante é que as mulheres e as pessoas de cor muitas vezes trazem questões diferentes para cima da mesa", disse Jenkins. "Pensam de forma diferente, com base nas suas experiências, por isso prevejo que Harris faça luz sobre problemas que não teriam sido trazidos à discussão se ela não fosse uma mulher de cor e filha de imigrantes.".Segundo MaryAnne Borrelli, Harris irá fazer uso da sua experiência como ex-procuradora-geral da Califórnia, um estado com o tamanho de um país - quase 40 milhões de habitantes - e que está na linha da frente numa série de questões de política doméstica.."Penso que a sua área distintiva de expertise será política doméstica interestadual", afirmou. "Isto era difícil de explicar às pessoas até termos uma pandemia em que metade dos governadores dos estados se sentiram abandonados. Alguém que tem esta experiência pode chegar e começar a construir pontes, e é alguém que representa as comunidades de cor que se sentem sub-representadas.".Além de um foco nas relações intergovernamentais, Borrelli também acredita que a reforma do sistema legal e políticas associadas estarão no topo da agenda de Harris, que vai enfrentar "um escrutínio muito elevado". O seu perfil como mulher negra no poder vai ser importante no relacionamento com os estados fortemente republicanos, onde há grandes clivagens raciais.."O partido republicano tem um problema em mãos, porque por vezes escolheu e noutras padronizou-se como um partido de brancos", assinalou Borrelli. Muitos destes governadores terão de escolher como se relacionam com uma nova Casa Branca com que terão grandes diferenças, por exemplo em termos do sistema de saúde. "Se eles não quiserem lidar com Harris, o backup é Xavier Becerra", disse Borrelli, referindo-se ao hispânico que foi nomeado para secretário da Saúde. Chegou a hora do acerto de contas.
Ao meio-dia de 20 de janeiro de 2021, Joe Biden tomará posse como presidente dos Estados Unidos e trará com ele um governo de proporções históricas. Da equipa que escolheu constam a primeira secretária nativa-americana, Deb Haaland, o primeiro secretário abertamente gay, Pete Buttigieg, a primeira mulher secretária do Tesouro, Janet Yellen, o primeiro afro-americano como secretário da Defesa, Lloyd Austin, e o primeiro hispânico na Segurança Interna, Alejandro Mayorkas. Vão juntar-se à primeira mulher a ocupar a vice-presidência, Kamala Harris, que é também multirracial..A diversidade de género e etnias salta à vista na futura administração, mas a equipa escolhida por Biden tem também outra característica. É em simultâneo progressista e centrista, incluindo escolhas pioneiras entre nomes que estariam na reunião de velhos colegas da administração de Barack Obama.."Biden está a tentar encontrar um equilíbrio entre aquilo com que se sente confortável e aquilo que o Partido Democrata quer", explicou ao DN Shannon Jenkins, professora de Ciência Política e reitora associada interina da Faculdade de Artes e Ciências da Universidade de Massachusetts Dartmouth. "Penso que está a fazer um bom trabalho de equilíbrio entre essas duas forças. Não poderá deixar toda a gente contente, mas será difícil para a ala progressista do partido barafustar quando há tantas nomeações históricas", afirmou. "É difícil para os democratas queixarem-se do que Biden está a fazer.".Segundo a cientista política, a composição da administração "reflete as prioridades do Partido Democrata, que tem um chapéu muito grande em termos de diversidade"..A professora de governo no Connecticut College, MaryAnne Borrelli, chamou, no entanto, a atenção para o facto de esta diversificação ter um histórico nas presidências modernas.."Este governo é mais diversificado do que vimos durante a atual administração, mas se olharmos mais para trás, em especial desde Clinton e até recuando a Nixon, houve um processo de integração de raça e género nos governos", disse ao DN. "Houve uma interrupção e agora Biden está a retomar práticas que vimos em Obama, Bush, Clinton.".Isto apesar de serem notórios os aspetos históricos da futura administração. "Não há dúvida de que Biden está a fazer algumas coisas que são pioneiras neste momento e vai ser muito interessante", afirmou a docente, destacando Deb Haaland, que irá chefiar a Secretaria do Interior. "O Interior é uma pasta de grande importância, por isso ter uma mulher nativa nessa posição é enorme." Borrelli indicou também que a nomeação de Janet Yellen para o Tesouro "é de grande importância", tendo ela "um sentido profundo do que significa ser mulher numa posição de decisão económica"..Há 15 pastas que compõem o governo propriamente dito, as várias secretarias que equivalem a ministérios, e depois há uma série de posições de relevo que têm equiparação a membros do governo, como a chefia do Gabinete da Casa Branca e a direção do gabinete de Gestão e Orçamento. Também aqui é visível o esforço de chegar a uma administração paritária..Para as secretarias, Shannon Jenkins também destaca a nomeação de Deb Haaland. "É importante tanto pelo reconhecimento da importância da comunidade nativa, mas também pelo seu empenho quanto à justiça ambiental", descreveu. "Assinala, de facto, uma abordagem completamente diferente às questões com que a Secretaria do Interior tem de lidar." A docente sublinhou ainda a escolha de Michael Regan para liderar a Agência do Ambiente (EPA, na sigla inglesa). "A equipa de ambiente do Biden assinala um compromisso para endereçar seriamente as alterações climáticas e os problemas de justiça ambiental.".Todas as nomeações para as secretarias têm de ser confirmadas pelo Senado, e isso deixa dúvidas quanto à concretização destas posses históricas. O partido republicano tem uma maioria na câmara alta do Congresso e a sua composição definitiva vai ser decidida a 5 de janeiro, quando se der a segunda volta das eleições dos senadores pelo estado da Geórgia. Os resultados de 3 de novembro não determinaram vencedores e os eleitores vão ser chamados a decidir entre David Perdue (republicano incumbente) e Jon Ossoff (democrata) e Kelly Loeffler (republicana incumbente) e Raphael Warnock (democrata)..Se os democratas vencerem os dois lugares, vão empatar com os republicanos e passarão a controlar o Senado, porque o desempate é feito pelo vice-presidente, que neste caso será democrata. Qualquer outro cenário deixa o controlo na mão dos republicanos, o que lhes dará o poder de vetar as nomeações.."Não penso que os republicanos vão bloquear todos os nomeados, mas suspeito de que irão tomar posições nalguns para mostrar que estão a fazer frente a Joe Biden", disse Shannon Jenkins. "Suspeito de que haverá alguns nomeados que não vão ser confirmados.".MaryAnne Borrelli sublinhou que muito do processo de contactos e lóbi para obter apoios na confirmação é feito pelo nomeado, pelo que este processo surge como uma espécie de teste inicial. "Se nem conseguirem ser confirmados, como é que irão conseguir concretizar políticas?", interrogou a professora..Por outro lado, indicou, até os nomeados experientes poderão ter dificuldades. "Mesmo os que já estiveram no governo antes, como Tom Vilsack, que foi secretário da Agricultura por oito anos e tem relações estabelecidas, ainda não lidaram com o robusto populismo republicano que vemos agora.".A professora calcula que os nomeados vão defender a sua confirmação com base na seriedade do momento, com uma crise de saúde pública, uma recessão económica e uma sucessão de desastres naturais.."Será um caminho difícil. Biden está a escolher pessoas que conseguem perceber o ambiente na sala", analisou Borrelli. "Podem dizer que são veteranos de Washington e uma reciclagem da administração Obama. Mas ele está a escolher pessoas muito estrategicamente, que vão redirecionar a política de uma certa forma. Torna-se uma mudança previsível, após a volatilidade.".A posse de Kamala Harris como vice-presidente será igualmente histórica e consequente, por vários motivos. Segundo a pesquisa conduzida por Christina Wolbrecht na Universidade de Notre Dame, a proeminência de candidatas viáveis a cargos políticos tem um impacto grande nas gerações mais novas.."A pesquisa demonstra que há um efeito de modelo a seguir quando mulheres e mulheres de cor se candidatam e vencem cargos proeminentes", frisou Shannon Jenkins. "Tende a inspirar maior confiança no governo e aspirações mais elevadas em particular para raparigas. Quando se fala de representação descritiva a pesquisa é muito clara", disse. "Cria mais afinidade e sentimento positivo em relação ao governo.".No caso de Kamala Harris, o seu perfil e extenso currículo deverão determinar um mandato muito ativo. Jenkins lembra que os vice-presidentes têm um portfólio limitado, mas Harris deverá alargar ao máximo as suas competências. "Biden tinha uma relação muito próxima com Obama e será expectável que siga um modelo presidencial similar ao que teve com Obama.".Por outro lado, é a primeira vez que uma pessoa com estas características assume este poder e isso deverá também refletir-se na sua ação. "Outro motivo pelo qual a representação descritiva é importante é que as mulheres e as pessoas de cor muitas vezes trazem questões diferentes para cima da mesa", disse Jenkins. "Pensam de forma diferente, com base nas suas experiências, por isso prevejo que Harris faça luz sobre problemas que não teriam sido trazidos à discussão se ela não fosse uma mulher de cor e filha de imigrantes.".Segundo MaryAnne Borrelli, Harris irá fazer uso da sua experiência como ex-procuradora-geral da Califórnia, um estado com o tamanho de um país - quase 40 milhões de habitantes - e que está na linha da frente numa série de questões de política doméstica.."Penso que a sua área distintiva de expertise será política doméstica interestadual", afirmou. "Isto era difícil de explicar às pessoas até termos uma pandemia em que metade dos governadores dos estados se sentiram abandonados. Alguém que tem esta experiência pode chegar e começar a construir pontes, e é alguém que representa as comunidades de cor que se sentem sub-representadas.".Além de um foco nas relações intergovernamentais, Borrelli também acredita que a reforma do sistema legal e políticas associadas estarão no topo da agenda de Harris, que vai enfrentar "um escrutínio muito elevado". O seu perfil como mulher negra no poder vai ser importante no relacionamento com os estados fortemente republicanos, onde há grandes clivagens raciais.."O partido republicano tem um problema em mãos, porque por vezes escolheu e noutras padronizou-se como um partido de brancos", assinalou Borrelli. Muitos destes governadores terão de escolher como se relacionam com uma nova Casa Branca com que terão grandes diferenças, por exemplo em termos do sistema de saúde. "Se eles não quiserem lidar com Harris, o backup é Xavier Becerra", disse Borrelli, referindo-se ao hispânico que foi nomeado para secretário da Saúde. Chegou a hora do acerto de contas.