É bom estar apaixonado por esta Snu
Respiramos de alívio: o filme sobre o romance de Snu Abecassis e Francisco Sá Carneiro não é nem uma amostra de telemóvel de luxo nem um telefilme esticado no grande ecrã. Snu tem cinema e uma respiração própria, precisamente o que não tinha Jogo de Damas, filme de boas vontades da mesma realizadora, Patrícia Sequeira, alguém que tem feito carreira na televisão e que não vem com os padrinhos certos na Sétima Arte.
Mais do que relatar o princípio (e o fim) da famosa história de amor entre o líder do PPD/PSD ) e uma editora de origem dinamarquesa, o que está aqui em causa é filmar um imaginário português de uma época e de como um romance conseguiu abanar a moral de um país. Na visão de Patrícia Sequeira, este caso de amor viria a mudar a mentalidade dos portugueses, como se saíssemos de uma espécie de Idade Média e entrássemos numa certa modernidade.
O argumento insiste no drama de Sá Carneiro para poder assumir o seu amor, mesmo sendo casado e não conseguindo o divórcio com a sua mulher, mas mostra também o lado de Snu, uma mulher livre que, depois de se separar, lutou com resistências sociais e foi discriminada no campo político (não falta o episódio da visita do Presidente Jimmy Carter, onde vemos Manuela Eanes a fazer questão de lembrar que o protocolo a impedia de estar presente com as outras mulheres dos convidados).
Mas o mais importante acaba mesmo por ser a química que os atraiu. Entre o jogo de olhar e o duelo de charme, Snu é uma história de puro amor e, em última instância, de podermos ser livres, sem falsas morais. Quem acreditar nesta atração, entra no filme. E Patrícia Sequeira nunca perde a mão naquilo que é a chama pura deste grande amor, mesmo quando também relata os bastidores das pressões que Sá Carneiro enfrentou por assumir a "amante" ou a maneira adulta como Snu se separou do marido e fez questão de ajudar o seu amor nas campanhas políticas.
Mas como as maiores histórias de amor surgem de impulsos e das mais recônditas portas da nossa intimidade, as explicações não entram aqui. Filmar a paixão de Snu e Sá Carneiro é deixar-se ir pela corrente, coisa que a câmara de Patrícia Sequeira faz com verdadeira coesão romântica e com uma simplicidade de processos que tornam o quadro credível. Depois, há opções estéticas que resultam: um cuidado em décors que são filmados com "design" e a própria inserção do som de Surma, que em mãos erradas seria apenas um detalhe fútil de anacronismo. A música discreta e com classe da jovem que concorreu ao Festival da Canção tem a ver com a delicadeza deste amor.
Snu, mesmo com toda a sua simplicidade de processos (percebemos que é também uma produção sem grandes meios, mas nunca isso é limitação...), sabe sempre gerir uma pose iconográfica, sobretudo do lado de uma apropriação da essência do charme desta mulher. São pequenos gestos femininos que talvez só uma realizadora conseguisse encenar com tamanha elegância. Nesse sentido, é um filme que não se retrai no prazer do fascínio pelas suas personagens. E além de Sá Carneiro (que não é nada secundário) e Snu, aqui e ali há também figuras históricas com um bom tratamento, mesmo quando não têm grande espaço, como são os casos de Natália Correia, que é quem promove o encontro entre os dois, e Mário Soares, descrito aqui como alguém que terá traído uma amizade em nome do combate político.
Grande parte da simpatia que o projeto convoca nasce também da entrega sensorial de Inês Castel- Branco, atriz que já merecia um papel assim. O seu olhar triste é perfeito para esta Snu que descobre o verdadeiro amor quando não estava à espera. É um trabalho de mil e uma subtilezas que chega a comover.
Dê por onde der, Snu é "apenas" uma história de amor, ponto. Só que é também uma história de amor com revolução. Bom exemplo de entretenimento sem os simplismos habituais que encontramos no cinema português que quer ser "mainstream".
*** Razoável