"Esperar o melhor, preparar para o pior." Benjamin Disraeli, primeiro-ministro inglês (1804-1881).É bom e compreensível que este dia 1 de Outubro possa representar um "Dia da Esperança", esperança por um final próximo deste flagelo que nos assola desde o dia 11 de Março de 2020 e que só em Portugal contabiliza um valor próximo dos 18 mil óbitos. Já o "Dia da Libertação", que evoca o fim da Segunda Guerra Mundial (8 de Maio de 1945), deve ser reservado para o fim oficial da pandemia que apenas pode ser decretado pela Organização Mundial da Saúde, quando a mesma assim entender por bem..É legítimo e desejável que as medidas de desconfinamento e abertura da sociedade traduzam uma nova realidade no combate à pandemia, que passa pelo facto de que, residindo em Portugal cerca de 10,3 milhões de pessoas (Censos 2021) e considerando que cerca de 1,050 milhões representam crianças com idade a inferior a 12 anos (isto é, sem indicação para a vacinação contra a covid-19), na prática a taxa de cobertura vacinal representa, em território nacional, cerca de 95% da população elegível para ser vacinada..É também verdade que, quer em Portugal quer noutros países com elevada cobertura vacinal, os recentes aumentos de actividade associados à variante Delta a que assistimos no Verão (nota: em Portugal tivemos um pico de 4376 novos casos em 21 de Julho e de 968 internamentos a 2 de Agosto), e que foram controlados sem medidas extraordinárias, sugerem que, mesmo sem imunidade de grupo, o impacto da covid-19 possa ser abordado como uma doença endémica..Esperança advém, por fim, de novas terapêuticas já disponíveis ou previsivelmente para breve, que reforçam a importância do conhecimento e da ciência como a fonte da melhor solução. Referimo-nos a anticorpos monoclonais, a imunomodeladores e, em particular, a novos fármacos antivíricos, ainda numa fase inicial de desenvolvimento, com indicação profiláctica e terapêutica e a possibilidade de mudar em definitivo o rumo da pandemia..Não esqueçamos, todavia, que apesar das vitórias a que temos assistido sobretudo nos últimos meses no combate à pandemia, a verdade inescapável é que o martírio não chegou ao fim. E numa fase decisiva como a que agora se aproxima, baixar a guarda ou subestimar o inimigo pode ser um passo em falso e comprometer muito do que já se conseguiu para chegarmos aqui..Lembremos, antes de mais, que nenhum país ou região está isolado ou imune ao que se passa no resto do mundo. A referida variante Delta, que se tornou dominante a nível global, veio provar a dificuldade ou mesmo a impossibilidade na obtenção da imunidade de grupo. A título de exemplo, se menos de 5% da população residente no continente africano apresenta esquema vacinal completo, todo este continente é, sem dúvida, o maior incubador de variantes e a certeza de que a segurança de todos depende mais de vacinar os não vacinados, onde quer que eles estejam, do que de reforços nos vacinados..Salientem-se, igualmente, duas ameaças à recuperação da pandemia que nos obrigam a manter uma esperança prudente e realista, a saber: i) a emergência de uma nova e significativa variante mais transmissível, com maior capacidade de infectar os vacinados ou associada a mais hospitalizações e óbitos e ii) a diminuição progressiva da imunidade natural ou induzida pela vacina, em particular nos mais vulneráveis..Mais, o Outono e sobretudo o Inverno que se aproximam representam novos desafios. A diminuição da exposição solar, o frio, a chuva e a circulação de outros vírus respiratórios, nomeadamente o vírus sincicial respiratório e o vírus influenza, da gripe, são aliados do SARS-CoV-2 e da sua sobrevivência, transmissibilidade e gravidade. Acresce o Inverno do nosso descontentamento e certamente do contentamento do vírus pandémico. Um Inverno, igualmente, de maior exigência para o Serviço Nacional de Saúde pressionado pela pandemia, na forma de doença aguda ou de "covid de longa duração" (long covid) e pelo regresso da gripe e dos outros microrganismos respiratórios, a par da recuperação dos doentes não-covid que se acumularam ao longo da pandemia e da actividade assistencial habitual neste período..Em conclusão, vamos entrar numa nova fase da pandemia. Se a esperança é legítima, a única certeza é a necessidade de nos mantermos diligentes, coesos e sobretudo muito atentos à evolução nacional e global. Como diria um conhecido jogador de futebol: "Prognósticos só no fim do jogo!".Patricia Akester é fundadora de GPI/IPO, Gabinete de Jurisconsultoria e associate de CIPIL, University of Cambridge.Filipe Froes é pneumologista, consultor da DGS, coordenador do Gabinete de Crise Covid-19 da Ordem dos Médicos e membro do Conselho Nacional de Saúde Pública.Os autores escrevem de acordo com a antiga ortografia