É, sem mais nem menos, que hoje vão outra vez dizê-lo cantando a toda a gente

Quase quatro anos após a última reunião, o Trovante volta a juntar-se. O concerto é hoje à noite na baía de Cascais. A pretexto deste encontro, o DN sentou-se à mesa com os músicos Luís Represas e Manuel Faria. Já muito perto do fim, José Salgueiro juntou-se à conversa
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No livro que escreveu sobre o percurso do Trovante - Por Detrás do Palco (2003) -, o Manuel Faria diz que, se tivesse de mostrar aos netos apenas um momento da história do grupo, escolheria as filmagens do tema Timor, ao vivo, no Pavilhão Atlântico, em maio de 1999. Concorda, Luís?

Luís Represas (LR): Essas são sempre questões muito pessoais. Não é obrigatório que os principais momentos sejam os mesmos para todos nós. O que eu senti ao cantar o Timor na catedral de Díli, completamente cheia, não terá sido nem mais nem menos do que o Manuel sentiu no Atlântico. A nossa relação com Timor foi de uma intensidade fortíssima.

Manuel Faria (MF): O Luís tem razão quando diz que é uma resposta difícil e pessoal. Mas, para mim, aqueles minutos foram uma espécie de Evereste da banda. Para mostrar aos meus filhos a importância que o grupo teve, julgo que esse seria o momento mais emblemático.

LR: Nesse aspeto estou de acordo com o Manuel.

Conheceram-se na escola primária, certo?

LR: Nós os dois? Sim. Não éramos da mesma turma, mas no recreio estava sempre tudo à molhada e vivíamos ao lado um do outro.

MF: Mas só nos aproximámos já no liceu, no Pedro Nunes, através da música e do bilhar.

Sei que o Luís tinha um dom muito invejado entre os seus colegas adolescentes...

LR: Eu? Qual? Fazer batota ao bilhar?

Vou citar o que o Manuel escreve no livro: "dominava a arte de mandar, a grande distância, uma cuspidela por entre os dois dentes da frente".

LR: Pois era... São as javardices próprias da adolescência. E também havia aqueles capazes de dar os puns mais fedorentos. A adolescência, entre os rapazes, é sempre marcada por momentos bastante javardos.

Escatologias à parte, durante o liceu, os dois militavam em barricadas políticas diferentes, não era?

LR: Não, porque eu ainda não tinha barricada. Nem sequer consciência política. Para mim era completamente indiferente o Manuel fazer parte do MAEESL [Movimento Associativo dos Estudantes do Ensino Secundário de Lisboa]. Não deixei de ser amigo dele nem de ninguém por causa disso. Eu queria era montar a cavalo e fazer as minhas coisas.

E ao Manuel fazia confusão que o Luís andasse na Mocidade Portuguesa?

MF: Fazia, mas não discutíamos isso porque éramos muito amigos. E depois, a seguir ao 25 de Abril, deu-se uma explosão de informação e de discussão política e, de repente, estávamos do mesmo lado. Que eu me lembre nunca lhe cobrei nada.

LR: Não havia nada a cobrar. O que poderia haver - e o Manuel contava-me isso - era uma certa inveja da boa porque eu, ao abrigo daquela farda e daquela instituição, fazia uma data de atividades, como equitação, espeleologia, mergulho...

MF: Que eu adoraria fazer e não conseguia. Infelizmente, a seguir ao 25 de Abril, essas atividades, que eram uma coisa boa da Mocidade Portuguesa, desapareceram por completo. Os governos provisórios destruíram tudo e substituíram por zero.

A música, como algo partilhado entre os dois, aparece ainda antes do 25 de Abril?

LR: Muito antes. O Manuel teve uma escola mais clássica e mais académica, enquanto que eu tive uma escola mais de praia. Mas essas duas coisas conjugaram-se bem. E depois fomos apanhados no mesmo caldeirão. Tivemos a sorte de ter professores que souberam criar nas nossas mentalidades uma atitude perante a música muito diferente daquela que era habitual nos cantos corais das escolas.

MF: Às vezes, nas férias, íamos à noite para o pontão na Costa de Caparica e imaginávamos que estávamos a tocar lá em cima, com o povo todo lá em baixo a aplaudir.

LR: Eram sonhos de adolescentes. Julgo que nenhum de nós tinha na cabeça esse objetivo como uma coisa concreta. Gosto de dizer, porque o sinto assim, que a música se sentou no nosso colo. Foi ela que se foi apoderando de nós até se transformar numa camisa de sete varas da qual já não era possível fugir.

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