Depois de semanas a rejeitar essa possibilidade, e a dias das presidenciais de domingo, o governo polaco acabou por decidir na quarta-feira adiar as eleições. Mas não será por muito tempo e o que é pior, segundo os críticos do executivo nacionalista do Lei e Justiça (PiS, na sigla original), é que foi dada luz verde ao voto por correio.."O governo nacionalista quer fazer estas eleições a bem ou a mal, a qualquer custo, porque o que lhe interessa desde há dois meses não é a pandemia do coronavírus ou limitar o custo económico que já sabem que vai ser enorme, mas manter o poder", disse ao DN o jornalista polaco Maciej Stasinski, do jornal Gazeta Wyborcza. E para isso é preciso reeleger Andrzej Duda..O presidente, um antigo advogado e deputado de 47 anos, goza de uma popularidade elevada, graças às políticas de apoios sociais do governo do PiS, liderado por Mateusz Morawiecki (que muitos acusam de ser uma marioneta do ex-chefe de Estado e líder do partido Jarosław Kaczyński, gémeo do falecido presidente Lech Kaczynski)..Em fevereiro, Duda era o político em quem os polacos mais confiavam, gozando de 60% de popularidade. A sondagem Ewybory dava-lhe, em abril, mais de 40% de intenções de voto (em março esteve nos 50%), 20 pontos à frente dos adversários - o independente Szymon Hołownia tem vindo a ganhar terreno, seguido da liberal Małgorzata Kidawa-Blońska, da Plataforma Cívica, e do social-democrata Władysław Kosiniak-Kamysz do Partido Popular da Polónia..Mas, a popularidade não é tudo: o predecessor de Duda na presidência, Bronisław Komorowski, era ainda mais popular e não conseguiu a reeleição há cinco anos. Além disso, em outubro, o PiS perdeu o controlo do Senado - apesar de manter a maioria no Sejm (a câmara baixa do Parlamento). Caso não vencesse à primeira volta, os analistas previam uma disputa complicada na segunda, 15 dias depois. O coronavírus veio trazer mais incerteza ao governo.."Em três meses, a Polónia vai ter uma crise social e económica como todos os países, logo se esperassem para fazer umas eleições honestas e limpas, este presidente iria perder. Quanto mais tarde as eleições, pior para o regime. Por isso querem faze-las já", referiu Stasinski. Não há ainda nova data para o escrutínio, mas Duda disse esperar que possam realizar-se o mais rapidamente possível e fala-se que poderá ser a 12 de julho - o mandato atual do presidente termina a 5 de agosto..O jornalista polaco alerta para o risco de uma "caricatura" de eleições em plena pandemia sem garantias de que sejam honestas, limpas, transparentes e secretas, ainda para mais depois de ter sido aprovado o voto por correio. Até aqui o governo sempre insistiu que havia condições para votar..A Polónia tem mais de 15 mil casos confirmados de covid-19, tendo já registado 756 mortes. Stasinski indicou que o país é o quinto da Europa que faz menos testes: "Não os querem fazer, porque se veria que o alcance da pandemia é muito maior do que querem fazer parecer." Para não adiar as eleições, o governo rejeitou até declarar o estado de desastre natural (o mais baixo dos estados de emergência). Tudo porque este dura 30 dias (pode ser alargado pelo Sejm) e depois não pode haver eleições no prazo de três meses. Várias vozes mostraram-se contra a realização do escrutínio, incluindo o ex-primeiro-ministro e ex-líder do Conselho Europeu, Donald Tusk, assim como os antigos presidentes Lech Walesa ou Aleksander Kwasniewski..As sondagens indicavam que só 30% dos polacos estavam dispostos a votar. "Seria uma caricatura de eleições", disse o jornalista polaco ao DN, acrescentando que "o governo não se importava com isso, já que não há um mínimo de participação eleitoral e, se Duda for eleito, terão o presidente por mais cinco anos. Que é o que lhes interessa." Para Stasinski, a elevada abstenção podia até beneficiar o presidente, já que o PiS tem um eleitorado muito disciplinado, que iria votar independentemente das condições. Já os eleitores que queriam votar noutros partidos podiam preferir ficar em casa..Adiar eleições.A decisão de adiar as eleições só foi tomada na quarta-feira, face ao risco de o primeiro-ministro perder o apoio do parceiro no governo. O Porozumienie (Acordo) do ex-vice-primeiro-ministro Jaroslaw Gowin, que se demitiu em abril precisamente por ser contra a realização das presidenciais por correio, tem 18 deputados que garantem a maioria do governo no Sejm. Uma maioria necessária para ultrapassar qualquer voto negativo no Senado. "Depois de perder o Senado, perder a presidência da República seria absolutamente mortal. Porque o presidente, ao contrário do Senado, tem o poder de veto e o veto do presidente não se pode derrotar com uma maioria simples no Sejm, mas apenas com uma maioria qualificada. E os nacionalistas não a têm", explicou Stasinski..Mas a oposição, que cancelou a campanha por causa do coronavírus (Duda continua a aparecer diariamente na televisão pública), nem sequer teve tempo de celebrar a pequena vitória do adiar das presidenciais - o primeiro recuo em anos da parte do PiS. Não só porque não é clara a data do novo escrutínio (defendiam que devia ser adiada por um ano ou dois, aceitando que Duda continuasse na presidência até lá), como porque, logo na quinta-feira, os deputados aprovaram a realização das eleições por correio.."É uma absoluta burla da democracia na Polónia, primeiro porque nunca se fez e segundo porque é ilegal mudar as regras eleitorais no espaço de seis meses antes das eleições", como aconteceu, explicou Stasinski. "É ilegal e é inviável, porque desaparecem os colégios eleitorais, não há mesas eleitorais. E tudo será controlado pelo governo. É irrisório", acrescentou, comparando a situação a um quase golpe de Estado. Além disso, apesar de a lei só ter sido aprovada na quinta-feira, há muito que os boletins tinham começado a ser impressos. "Foram impressos ilegalmente, sem base legal, porque a lei ainda não estava vigente. Mais, depois de serem impressos, acabaram nas ruas, estão em todo o lado, nos caixotes do lixo", denunciou..Adiar as eleições vai evitar que os resultados venham a ser contestados na justiça, sendo que a Polónia é alvo de um processo disciplinar por parte da União Europeia por pôr em causa a autonomia do poder judicial. A reforma judicial do partido nacionalista foi aprovada em 20 de dezembro pelo parlamento polaco - de forma ilegal, segundo Stasinski, porque é contrária à Constituição - e permite ao Governo multar ou demitir juízes cujas decisões possam ser consideradas inconvenientes para o regime..A União Europeia mostrou-se satisfeita com o adiamento das presidenciais nas atuais circunstâncias, mas o comissário da Justiça europeu, Didier Reynders, disse continuar "preocupado" com a situação..Milagre económico.Em janeiro, as previsões eram simples. O milagre económico polaco estava para durar, apesar de se adivinhar uma perda de vitalidade. As previsões eram para um crescimento económico de 3,4%, muito acima da média da União Europeia (UE), mas abaixo dos 4,1% registado em 2019 e dos 5,3% de 2018. Uma baixa taxa de desemprego, melhores salários e as ajudas sociais ajudavam a sustentar o consumo interno, um dos pilares da economia da Polónia..Mas então apareceu o coronavírus. As previsões da UE apontam agora para uma contração de 4,3% do PIB no país (num cenário que é ainda pior para os restantes 27), mas que a confirmar-se será a primeira desde 1991. Nem durante a crise económica de 2008 e 2009, a Polónia - que com o Brexit se tornou na sexta economia da UE - tinha caído no vermelho. Em 2021, a previsão é que volte o crescimento económico de 4,1%. Já o défice, que foi de 2% em 2019, vai subir para os 9,5% este ano, segundo a UE, devendo chegar aos 3,8% em 2021.."Foi uma boa economia durante muitos anos, antes da chegada dos nacionalistas ao poder, bem gerida, com crescimento e com reservas, e desde há cinco anos este governo está a distribuir prestações sociais. Com isso ganhou um eleitorado importante, mas isto já chegou ao limite. Este ano será o primeiro em que vai haver uma recessão e uma queda do PIB", disse ao DN o jornalista polaco, Maciej Stasinski. "Já ia haver um pequeno travão, mas com o coronavírus haverá uma queda acentuada da economia", acrescentou..Depois da liberalização da economia nos anos 1990, que se seguiu à queda do governo comunista, a Polónia começou a sua história de sucesso. Mas os frutos não chegavam a todos, com muitos polacos a emigrar à procura de melhores salários a partir da entrada na União Europeia, em 2004. Em 2015, o partido nacionalista Lei e Justiça chegou ao poder após oito anos de governo da Plataforma Cívica (centro), com a promessa de garantir que os polacos beneficiariam do milagre económico..Entre os programas sociais que lançou está o Família 500+, que em 2016 garantia o pagamento de 500 zlotys (cerca de 110 euros) por mês por cada filho depois do primeiro, sendo que as famílias mais pobres podiam receber o benefício logo desde o primeiro. Desde maio do ano passado, a cinco meses das legislativas de outubro, o programa foi alargado a todas as crianças com menos de 18 anos. De custar 1,3% do PIB, passou a custar 1,7%. Os especialistas consideram que tal é desnecessário e contraprodutivo, porque não só não incentiva os jovens polacos a ter mais filhos (era o objetivo inicial), como pode levar as mães a desistir de trabalhar..A questão demográfica é importante, já que com o envelhecimento da população e a emigração, o país perdeu força de trabalho. A Polónia beneficiou contudo da imigração de mais de um milhão de ucranianos, depois da anexação russa da Crimeia em 2014, o que representou um impacto de mais 0,5 pontos percentuais ao PIB nos anos seguintes. Em 2019, o desemprego estava nos 3,9%, mas as previsões são para que chegue no final deste ano aos 7,9%.