Drama de Ben Stiller mostra a fuga impossível - que aconteceu

O fascínio das histórias sobre fugas de prisões é antigo e produziu algumas das melhores obras cinematográficas de sempre, tais como The Shawshank Redemption ou Papillon. Em muitas delas, a audiência é levada a uma estranha empatia com criminosos que estão em busca do golpe supremo e cativada com ação e suspense. Não é nada disso que Ben Stiller oferece em Escape at Dennamora, a sua estreia como realizador de um trabalho em que ele próprio não entra como ator.

A série limitada da cadeia Showtime, que estreia em Portugal a 25 de novembro, contorce o género das fugas de prisões de forma surpreendente. A sua maior força reside nos desempenhos fenomenais de Patricia Arquette, Benicio del Toro e Paul Dano, um elenco quase inesperado cuja mestria a encarnar estas personagens é tão incrível quanto os factos verídicos em que se baseiam.

"A única forma de acreditar nesta história é saber que é verdadeira", reconheceu Paul Dano, ator que encarna o prisioneiro David Sweat, numa conversa com jornalistas internacionais sobre a estreia. A série dramatiza um dos incidentes mais mediáticos no sistema prisional norte-americano dos últimos anos: em 2015, dois prisioneiros condenados por homicídio, Richard Matt e David Sweat, fugiram da prisão de máxima segurança Clinton Correctional em Dennamora, estado de Nova Iorque. A fuga, a primeira em 150 anos nesta prisão, desencadeou uma gigantesca caça ao homem que durou três semanas e deixou o país colado às televisões.

O que Ben Stiller e os cocriadores Michael Tolkin e Brett Johnson quiseram fazer em Escape at Dennamora foi uma recriação fiel dos acontecimentos, tendo por base mais de um ano de pesquisas e conversas com alguns dos protagonistas verdadeiros, mas sem recorrer ao formato a que estamos habituados neste tipo de histórias. Benicio del Toro disse ao DN isso mesmo: "Não vi todos os filmes de fugas de prisões, mas acho que esta série tem um elemento interessante." O ator encarna a pele de Richard Matt, um dos prisioneiros que escapou, e considerou que "a personagem de Patricia torna-se um dos fugitivos, de certa forma". A série é mais narrativa do que dependente de grandes momentos de ação." A manipulação das personagens para conseguirem um objetivo", disse Del Toro, "é uma abordagem diferente."

A alteração física de Patricia Arquette, que em 2015 ganhou um Óscar pelo filme Boyhood, é muito significativa. A atriz contou ao DN que engordou 20 quilos para interpretar Joyce "Tilly" Mitchell, usou lentes de contacto castanhas e estudou para apresentar um sotaque fidedigno, que tornou algumas palavras difíceis de compreender. "Tinha uma prótese dentária e isso mudou o aspeto do meu queixo", acrescentou. No entanto, a mudança física - que inclui um cabelo frisado e espalhafatoso - é o menos interessante na forma como Arquette veste a pele da ex-funcionária prisional que ajudou Sweat e Matt a escapar. Tilly é uma mulher desagradável, que não chega a ser vilã mas também nunca atinge a redenção. A atriz optou por não se encontrar com a Tilly verdadeira por achar que não obteria grande honestidade e correria o risco de ser manipulada. Esta é a personagem mais interessante em toda a história: uma mulher de meia-idade que se envolve sexualmente com criminosos em busca de algo diferente, que ela não procura justificar nem redimir. A sua dificuldade em assumir responsabilidade e a insatisfação com a vida que levava foram elementos fundamentais na trama que levou ao triângulo sexual com Sweat e Matt. Estes, por sua vez, instrumentalizaram a abertura de Tilly para engendrar um plano de fuga.

Escape at Dennamora não é o que se esperava de Ben Stiller, que habituou a audiência ao seu género próprio de comédia. O ator e realizador passou cerca de um ano no local onde tudo aconteceu, com Tolkin e Johnson, a pesquisar e a tentar perceber como Dennamora, encapsulada entre montanhas, foi pano de fundo para a fuga.

"[Ele] foi excelente", disse ao DN Benicio del Toro, elogiando a dedicação de Stiller, que realizou todos os episódios. "O Ben compreende o processo do ator, encorajou e colaborou com todos", explicou, considerando que o seu empenho "foi estimulante" para eles". Paul Dano e Patricia Arquette também se desfizeram em elogios. "O Ben tem uma atenção incrível aos detalhes, é meticuloso. Liderou com tanta energia, paixão e intensidade", disse Dano. Arquette, cuja relação profissional com Stiller vem de há muitos anos, sublinhou que ele lhes deu "imenso espaço para explorar e descobrir".

A série mostra uma prisão fria e velha, absolutamente deprimente. Uma das diferenças em relação a outros filmes do género é que Stiller se demorou muito em aspetos do quotidiano sem aparente função narrativa. Também mostrou com bastante detalhe todo o processo de abertura do túnel que levaria os prisioneiros à liberdade, e levou a sério a tarefa de explorar a personalidade de cada um. De tal forma que a fuga só acontece no sexto e penúltimo episódio, quando a audiência já passou pelas fases de empatia, choque e desdém com tudo o que ficou para trás. É um banho-maria que foi apontado negativamente por alguns críticos e pode não agradar aos espectadores que forem à procura de mais ação.

No entanto, o facto é que Stiller consegue entranhar na audiência a sensação de estar naquela prisão fria e velha, uma experiência física que marcou Paul Dano. "Havia muita pesquisa à nossa disposição, mas entrar na prisão Clinton Correctional valeu por dez livros", disse ao DN. "Apenas estar ali, sentir o ar e o cheiro, ouvir os sons, sentir a severidade do regime e do castigo, o perigo, tudo isso." O ator passou a olhar para o encarceramento com outros olhos: "Ver estes seres humanos postos em jaulas foi doloroso. Não senti que houvesse um sentido de reabilitação."

Del Toro, que nos mostra como alguém pode ser simultaneamente um pintor sublime, um estratega inteligente e um homicida cruel, negou que a série seja uma tentativa de glorificar os dois fugitivos - mas reconheceu que quiseram humanizá-los. As contradições são mais arrepiantes neles do que em Tilly, mas também o são nas consequências. Se há alguma mensagem que Stiller, Tolkin e Johnson querem passar, ela não é imediatamente clara. Que "a prisão é um local muito difícil", como disse Dano, já todos sabemos. A sedução última desta série true crime é, talvez, não querer convencer-nos de nada.

Escape at Dennamora é emitida na TVSéries da NOS.​​