Os americanos estão a ir ao céu com esta adaptação ao cinema da série britânica que fez parar o mundo, enquanto os ingleses são algo menos entusiastas. Compreende-se esta divisão entre a crítica, embora seja sensato ficarmos a meio-termo e apostar que Downton Abbey em cinema é perito no que propõe: transpor o espírito do drama e comédia da série com alguma disponibilidade de meios. Um episódio ampliado? Michael Engler, mesmo com poucas ideias de cinema, consegue, à justa, uma escala cinematográfica, sendo perito em conseguir conferir um ritmo coeso a uma história com múltiplas intrigas e ainda mais personagens..Situado em 1927, um ano depois dos últimos acontecimentos que vimos na série de televisão de Julian Fellowes, a nova trama traz todas as personagens já conhecidas e desenrola-se durante uma visita da família real a Yorshire, com paragem durante 24 horas na casa dos Crawley. Problemas do "primeiro mundo" inundam esta mansão que tem de preparar todos os detalhes para que o rei e a rainha de Inglaterra sejam bem recebidos. De um lado, todas as atribulações desta família muito posh, a contas com a matriarca Violet (Maggie Smith) muito preocupada com a visita da prima (Imelda Staunton, um dos novos rostos do elenco), a aia da rainha, e com as preocupações financeiras de Robert, o chefe da família. Do outro, o stress dos empregados, em que se desenrola uma substituição de mordomo, um noivado em crise e uma feroz batalha com os criados da Casa Real..Mantendo o humor e a picardia natural das personagens, esta versão para cinema consegue um pequeno grande feito: leva menos a sério toda esta fantasia idealizada sobre uma ideia preconcebida da aristocracia britânica do século passado. Como se todos os lugares-comuns do refinamento da cultura britânica de luxo e ostentação da sua civilização fossem ornamentos de uma espécie de farsa de comportamentos. O mérito é de todo o conceito do criador da série, Julian Fellowes, argumentista que nesta versão longa imaginou uma história sem receios da peripécia nem do pitoresco. Os fãs da série vão sentir-se presenteados, os estreantes poderão entrar de "caras" neste universo de chávenas de chá, amores submissos e sonhos de grandeza..Downton Abbey, o filme, não dispensa também os códigos do piloto televisivo. Em poucos minutos, as personagens, mesmo as novas, são bem apresentadas e toda a economia do guião permite um desenvolvimento narrativo coeso. É mais do que certo que Engler, cineasta com experiência em séries de televisão (e nota-se que há influências da fachada de Sexo e a Cidade, série em que chegou a dirigir episódios) não tem mãos para dar pathos às sequências mais sérias e são algo tolas as mensagens anti-homofóbicas (um dos mordomos é apanhado pela polícia num bar gay e vai preso...) ou a sequência da tentativa de regicídio..O melhor que o filme tem mesmo, além dos valores de produção (o "sonho inglês nobre" é filmado com um empolamento tremendo...), passa por uma abordagem divertida e inteligente sobre o gesto do dever britânico. Tal como em Gosford Park (obra-prima de Altman, escrita por Fellowes, precisamente...), a chama da fleuma britânica é uma espécie de efeito especial que brilha em todos os planos. Numa leitura que puxa as possibilidades de um estudo sociológico, este Downton Abbey é uma interpretação em pleno direito do júbilo do snobismo inglês. Não é para ganhar prémios, ir aos Óscares ou nada disso. Talvez seja, mais do que nunca, terreno fértil para podermos olhar para esta mansão como território de cultura pop. Este bilhete de cinema já não é só para as tias e avós irem às matinés...