Arthur Dune Cartwright-Chickering não apresentava qualquer traço ou comportamento que o diferenciasse da multidão de colegas na empresa onde trabalhava, a United Metal. Cumpridor, pontual, desenvolvia a sua atividade no departamento de marketing. Atenta às maravilhas que o futuro lhe entregava, a corporação mecanizou os seus processos internos. Arthur passou a ser um nome inscrito num cartão perfurado. Os dados pessoais de Cartwright-Chickering migravam dos arquivos em papel da empresa para um pedaço de cartão rígido com dados digitais representados pela presença ou ausência de furos em posições predefinidas. Se uma localização específica do furo indicasse estado civil, então um furo assinalaria casado e a ausência do furo, solteiro. Na empresa de Arthur os dados de todo o pessoal passavam a ser tratados mecanicamente. Muitos de cada vez, o que economizava tempo e esforço e muitas dores de cabeça. O mesmo não o podia dizer o laborioso funcionário. O computador Randolf Datatronic fora programado para tratar até 20 letras no campo do apelido. O hífen no apelido Cartwright-Chickering alongava-se às 21 letras. Para Arthur, protagonista da distopia futurista do livro The Man Whose Name Wouldn"t Fit, começavam os problemas..Em 1968, Theodore Tyler, pseudónimo de Edward William Zigler, enredou a personagem da sua obra num conflito homem/máquina/corporação. Para a companhia afigurava-se mais fácil deixar de pagar a alguém cujo nome superava a capacidade de processar do novo computador, a reprogramar o mesmo. Arthur, demitido, lançou-se num rebuliço trágico-cómico, numa contenda que envolveu conspirações, sabotagens e ataques com fungos. Embora se mova no campo da ficção, a obra de Theodore Tyler inspirou-se numa tecnologia, a dos cartões perfurados que, mais de um século antes dos anos de 1960, significou a massificação e aceleração de processos na indústria e o tratamento de enormes quantidades de dados. Dois homens, apartados pela geografia, um francês, outro norte-americano, e por mais de oito décadas, urdiram a leitura de cartões perfurados à mecanização. O francês Joseph Marie Jacquard, nascido em 1752, esteve para a mecanização da tecelagem, como o norte-americano Herman Hollerith, nado em 1860, esteve para o avanço dos censos no seu país de origem..Em 1804, Jacquard, suportado nos desenvolvimentos técnicos anteriores dos seus compatriotas Basile Bouchon e Jacques de Vaucanson, e pelo russo Semyon Korsakov, apresentou o primeiro tear programável, capaz de tecer sem a presença de um operador, utilizando cartões perfurados. Uma revolução na indústria têxtil que contou com as mãos de um homem com um passado profissional movediço, entre encadernador, mestre tecelão, fabricante de chapéus de palha, comerciante de seda e de talheres. Como certa na cronologia de Jacquard, a apresentação em 1800 de um tear a pedal e, três anos depois, um tear para a urdidura de redes de pesca. A invenção de 1804 que a posteridade batizaria de "Tear Jacquard", permitia a produção automatizada de padrões complexos, numa variedade ilimitada. Na realidade, Jacquard não inventara um novo tear, antes o mecanismo que permitia o controlo do artefacto, o que facilitava a sua adaptabilidade..Da indústria têxtil para a informação estatística, a invenção de Jacquard, instigaria o engenheiro de minas Herman Hollerith, a desenvolver uma máquina de tabulação de cartões, mecanismo que, através de conexões elétricas, socorria-se de um contador capaz de registar a informação lida nos cartões perfurados. Na prática, os dados podiam ser computados de forma rápida e automática. Hollerith que trabalhava para a United States Census Bureau (Departamento de Censos dos Estados Unidos) desde 1884, viu no seu tabulador a oportunidade de aplicação no terreno aquando da 11.ª operação de recenseamento nos Estados Unidos. Em 1890, ano em que o Idaho e Wyoming foram admitidos, respetivamente como 43.º e 44.º estados norte-americanos, iniciou-se a primeira operação de censos apoiada na computação de dados com recurso a um processo mecânico. Na época, um operador treinado numa tabuladora processava entre 200 a 300 cartões por hora. Os resultados do censo seriam publicados seis anos depois, menos dois anos do que o anterior censo de 1880..Nos anos de 1890, a população dos EUA superava ligeiramente os 62 milhões de habitantes, mais 25% do que no censo precedente, com a cidade de Nova Iorque a assumir-se como a mais populosa, com perto de 1,5 milhões de habitantes. O mesmo censo concluía existirem perto de 248 mil nativos americanos a viverem no território dos Estados Unidos, quando em 1850 haviam sido identificados mais de 400 mil indivíduos nativos daquele território. O mesmo censo determinou o fim da fronteira oeste dos Estados Unidos, a linha que desde o século XVII avançava rumo a poente. O território a oeste da linha estrema, apresentava um assentamento europeu-americano com densidade populacional suficiente para eliminar a fronteira, concluía o Departamento de Censos dos Estados Unidos..Naquele início do século XX, a máquina de Hollerith tornou-se apetecida por inúmeras instituições recenseadoras em países terceiros, assim como companhias de seguros. Em breve, Inglaterra, Alemanha, Rússia, Canadá, Noruega e Cuba adotariam as operações da tabuladora de Hollerith nos seus recenseamentos da população. Herman fundaria em 1896 a Tabulating Machine Company, uma das empresas raiz de um gigante americano da informática nascido em 1924, a International Business Machines, conhecida pelo acrónimo IBM..Em 1889, a Exposição Mundial de Paris, aquela que inaugurou a Torre Eiffel na capital francesa, atribuiu um grande prémio à empresa que apresentou um livro tecido inteiramente em seda, a partir de cartões perfurados. O Livre de Prières. Tissé d"après les Enluminures des Manuscrits du XIVe au XVIe siècle, produzido em Lyon, França, em 1886 e 1887, é o resultado de mais de 200 milhares de cartões perfurados. O livro de orações, com 58 páginas, é considerado como um dos exemplos máximos das possibilidades do mecanismo inventado em 1804 por Joseph Jacquard..dnot@dn.pt