Manuel Vicente Sacristán, 83 anos, sobe tranquilo pela rua Marqués de Urquijo, com a sua bandeira de Espanha. O relógio marca 22.00 e está a voltar da concentração frente à sede do PSOE, na calle Ferraz, para "defender Espanha porque estão a destruí-la". São vários os dias em que se tem juntado a outras centenas de espanhóis, de todas as idades, e pensa continuar a fazê-lo "até que seja preciso". .Enquanto falamos são muitas as pessoas que o cumprimentam, este tipo de ações acabou por uni-los, explica Manuel, e criaram uma amizade especial. Afirma não ter sentido medo, só no primeiro dia as coisas não correram bem porque estava nas filas da frente e a polícia lançou gás lacrimogéneo. "Os meus olhos começaram a chorar e fiquei sozinho, todos começaram a correr", lembra ao DN..Antigo votante do PP, Manuel dá agora o seu voto ao Vox, partido do qual é o militante número 313. "Sou conservador, uma pessoa tranquila, mas capaz de defender Espanha como se fez na época de Napoleão", sublinha. Tal como já disse o líder do Vox, Santiago Abascal, acredita que "há um golpe de Estado" e alerta que "uma Espanha comunista será a destruição da União Europeia". .Víctor, 22 anos, Miguel, 19, Lola, 18, e Vladik, de 21, conheceram-se nas manifestações da calle Ferraz logo no primeiro dia e encontram-se todas as tardes no mesmo local. "Somos o grupo dos Amigos do Contentor porque nos conhecemos em cima de um", explicam os jovens entre risos. "Estamos aqui para defender a nossa liberdade. Depois de muito tempo sem poder sair a rua, não podemos ficar em casa. Faz falta mais gente jovem", afirma Lola..E também sentiram medo no primeiro dia, por causa do gás lacrimogéneo e Vladik teve uma má experiência. "Fui detido sem me darem explicações e passei a noite no calabouço. Não tinha feito nada, só exercer o meu direito de me manifestar", relata ao DN. Agora tem ainda mais razões para estar todas as noites nas concentrações. "As pessoas estão a acordar, Espanha está mais unida", diz Víctor, enquanto Miguel afirma que se for preciso, "vamos passar o Fim do Ano aqui". Todos eles são votantes do Vox..Rocio Rubio, de 57 anos, e o seu filho de 22, G. (prefere não dar o nome), juntam-se também todas as noites aos protestos. "Sánchez quer destruir o país", dizem. Lamentam que grande parte da imprensa espanhola "seja de esquerda e esteja a dar uma imagem falsa do que está a acontecer nos protestos. A esquerda sempre se manifestou, mas quando a direita sai à rua, inventam que somos violentos. Sabemos que há polícias infiltrados e há pessoas violentas, mas que não estão cá para defender nada", explica o jovem..Já a sua mãe está preocupada com a imigração ilegal porque "por razões culturais muitos não se adaptam ao país e acabam por dar problemas" e deixa claro que "não somos xenófobos". Antigamente votava no PP e agora no Vox, tal como o filho..Quem não vota a Vox mas também em nenhum outro partido é Maria (nome fictício para evitar dar mais desgostos ao pai). Aos 36 anos, optou por deixar de estar registada no censo eleitoral para não ter a tentação de votar e logo se arrepender da escolha. O seu look aproxima-se mais ao do estereótipo de uma jovem de extrema-esquerda, com rastas no cabelo, roupas muito informais e muito alternativa. "Estive no movimento 15-M até Pablo Iglesias aparecer a partilhar garrafas de água. Alguém por detrás estava a pagar por isso e não gostei", afirma..Desde que se juntou a estes protestos retomou o contacto com o ex-namorado "para me dar cursos de defesa pessoal. Já levei porrada da polícia", revela. Maria não tem medo de falar e dizer que a violência que se vê na televisão, mesmo no momento em que a polícia quer acabar com a manifestação, conta com provocações de membros de grupos de esquerda como a Frente Obrero, além de que "há muitos polícias infiltrados"..Todos os dias encontra-se com uma jovem de origem mexicana, adotada por espanhóis, de apelido García, que conheceu no primeiro protesto, e agora são muito amigas. "As pessoas que estão aqui todos os dias são gente normal, trabalhamos, temos a nossa família, amigos...somos pacíficos. A partir das 18.30 encontras um grupo de pessoas que se junta para rezar o terço e depois vão chegando mais pessoas", explica García. Esta jovem também lamenta a falsa imagem de violência que se transmite quando há uma câmara da televisão pela frente. E sente que entre os manifestantes "há ideologias diferentes, não todos pensamos igual, mas todos acreditamos que Sánchez é um ditador". ."Com a nossa presença queremos denunciar a situação que vive Espanha onde acabaram com a separação de poderes", conta Rodrigo, de 27 anos. Todos os dias também participa na manifestação com o seu amigo Pedro (outro nome fictício), de 24. Eles levam uma bandeira diferente, com um X, do movimento Novembro Nacional. "É este movimento que deu início a esta iniciativa dos protestos, através do Twitter [agora X], e depois o Vox juntou-se", explica Pedro, antigo votante do PSOE. "Agora voto no Vox, penso que é o menos mau, mas não estou de acordo em tudo", esclarece..Durante a semana, a situação na calle Ferraz é mais calma, mas agita-se ao fim de semana, sendo que o número de participantes varia entre mil e 9 000, nos dias mais problemáticos. O último balanço feito pela polícia fala de 70 detidos por desordem pública, dos quais 29 saíram logo em liberdade. Os protestos decorrem com normalidade, mas costuma haver sempre um momento de tensão, em que os mais violentos derrubaram grades e já se lançaram garrafas de vidro e pedras. A polícia, em várias ocasiões, realiza cargas e recorre ao lançamento de gás lacrimogéneo..dnot@dn.pt