Dos 18 aos 80, o que nos faz estudar?
Mulher, estudante na Área Metropolitana de Lisboa, a tentar tornar-se especialista na área de ciências empresariais, administração e direito. Se o ensino superior em Portugal tivesse um rosto, seria esta a sua descrição. Do total de alunos inscritos no ano letivo 2019-2020, a maioria eram mulheres (54%), estavam matriculados numa instituição desta zona do país (36,7%) e a estudar uma qualquer licenciatura, mestrado ou doutoramento desta área de formação (22%). Um retrato pouco fiel para aquilo que representa, afinal, o ensino superior português, formado por várias e complexas camadas. A começar pela discussão sobre as motivações que levam jovens e adultos às faculdades e institutos politécnicos espalhados pelo país. Nem todos procuram formar-se pela mesma razão nem na mesma fase da vida.
Adrião Pereira da Cunha, do Porto, é a prova de que traçar um retrato tão retilíneo do ensino superior em Portugal é falhar a paisagem que representa no país. Quem o vê, de cabelo e bigode grisalhos, rosto engelhado, não lhe adivinha a vida que trilhou nos últimos 16 anos. Aos 65, trava a fundo numa carreira de décadas ao serviço de empresas, nacionais e estrangeiras, como comercial. Ter casado cedo, aos 20 anos, não lhe permitiu sonhar muito mais, nem com cursos intensivos nem com licenciaturas. "Quem casa quer casa" e, por isso, sentiu imediatamente necessidade de se "lançar ao mundo do trabalho" para cobrir as suas despesas, conta. Uma missão que só terminou na entrada para a reforma, aos 65 anos.
Com a reforma, "um vazio grande" abala os seus dias. "O que vou fazer agora?", questionava-se, certo de que parar não seria o seu destino. "Tenho uma propriedade agrícola e pensei em dedicar-me àquilo, mas continuava a sentir um vazio enorme. Concluí logo que tinha era necessidade de ter um desafio intelectual, da mesma maneira que sempre cultivei o desafio físico na minha vida", lembra. Não lhe ocorreu de imediato ingressar numa universidade. Pelo menos, não uma das tradicionais. Numa primeira tentativa, procurou as designadas universidades de terceira idade e não tardou até compreender que aquele não era o seu lugar nem o desafio que ambicionava. "Senti-me velhíssimo, ao lado de um grupo de indivíduos que faziam aquilo apenas para entreter o tempo." Adrião queria era a missão intelectual da sua vida.
Encontrá-la-ia em 2008, numa matrícula espontânea como aluno da Faculdade de Letras da Universidade do Porto da licenciatura de História - "uma paixão antiga", embora "não fosse um aluno brilhante no liceu". Inicialmente, foi apenas "apalpar terreno, ver que notas conseguia alcançar", tirar as teimas e saber, afinal, se ser estudante universitário era, além de um sonho perdido, também um sonho fora do seu alcance. Adrião dá o veredicto: "Fiz tudo dentro do tempo, correu tão bem que segui para mestrado."
Em Portugal, a proporção de estudantes que enveredam por mestrados é menor do que a de alunos que ingressam nas licenciaturas, mas ainda assim acima da média europeia. Segundo o estudo Education at a Glance 2019, no ano de 2017, um terço dos alunos universitários (33%) estavam a fazer um mestrado, o que representava mais do dobro do que o registado na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) - 16%.
Parte do seu sucesso académico, garante Adrião, está na disponibilidade que prestou rapidamente para descalçar os sapatos que o colocavam no alto das suas longas décadas de vida para "ser um igual entre iguais". "Foi como ser jovem outra vez", desabafa. E foi exatamente como um jovem que quis viver a vida académica, sendo presença ativa na Queima das Fitas e até no cortejo de final de ano, em que milhares de jovens percorrem o centro da cidade exaltando os seus trajes - uns uma T-shirt das praxes por lavar desde o primeiro dia de licenciatura, outros um imaculado fato preto. Em 2010, puxou da sua cartola de finalista e inverteu a tradição: "Normalmente, nos cortejos, os pais vão ver os filhos e eu tive os meus filhos a verem o pai."
Não se ficou pelo mestrado. Adrião já provou à vida que leva a dele sempre avante. Há uns anos, quando a internet começava a florescer e via os seus filhos a funcionar com computadores, onde num ecrã robusto surgiam gráficos e números que lhe pareciam uma língua tão distante, deu corda aos sapatos e foi pedir umas explicações de informática. Ficar para trás estava fora de questão. Adrião diz estar consciente de que "o tempo passou". E "a pessoa que não assiste à evolução e que não tenta integrar-se no tempo que está a viver morre antes desse tempo", por isso "há indivíduos que morreram ontem e não deram fé", diz, como quem admite o lema de uma vida.
Um lema que exige constantes movimentos e viver consoante a sede de conhecimento. Por isso é que, aos 81 anos, Adrião não é apenas licenciado e mestre, mas também doutorado. Admite que só não estudou mais porque já foi até ao fim da linha académica. "Só tenho pena de ter feito tudo tão depressa", lamenta. Mas porque parar continua fora dos seus planos, Adrião já lançou dois livros desde que é aluno e atua agora como investigador na Universidade do Porto.
A corrida de Teresa Araújo contra o tempo é outra e faz-se em sentido inverso. Enquanto Adrião corre para o futuro, Teresa dedica-se a dissecar o passado. Foi pela mão do passado que chegou ao doutoramento que agora está a terminar e, tal como Adrião, foge à regra das estatísticas. Ainda de acordo com o relatório Education at a Glance 2019, apesar de os alunos em Portugal entrarem nas licenciaturas e mestrados, tendencialmente, "com menos idade", o mesmo não acontece nos doutoramentos (que compilam 5% do total de estudantes inscritos no ensino superior), em que "acabam por entrar mais tarde do que na maioria dos países da OCDE". Se a média de entrada num doutoramento nos restantes países é de 29 anos, por outro lado, em Portugal, situa-se nos 34.
São várias as facetas que aproximam Teresa e Adrião, desde logo o "encantamento" por História. No entanto, Teresa licenciou-se ainda jovem, corria o ano de 1991. "Ainda dei umas aulas, mas sempre soube que dar aulas não era a minha praia. Queria procurar um sentido mais profissionalizante, embora nesta área seja difícil", lembra. O tempo provou-o. Terminado o curso, Teresa continuava sem emprego, o que a levou a investir mais na sua formação, enveredar por um mestrado com duração de quatro anos, que terminaria em 1997. Mas "o lado profissional teimava em não aparecer" e resolveu tentar uma pós-graduação em Ciências Documentais, afunilar a área e seguir uma formação reconhecida por ser de caráter mais profissionalizante.
Embora os mestrados sejam "a sequência das licenciaturas", "os alunos das pós-graduações são empresários, quadros superiores de empresas ou recém-licenciados com o objetivo de ingressar rapidamente num determinado tipo de empresa", explica o vice-reitor da Universidade da Beira Interior (UBI), João Canavilhas, em entrevista ao DN. Demorou, mas depois da pós-graduação Teresa alcançou um emprego na sua área: "Tornei-me arquivista na Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, onde estou há 20 anos."
A vida ativa nunca lhe permitiu ocupar o pensamento com a ideia de um doutoramento. Até porque, explica, "em termos profissionais, sendo funcionária pública, não acrescentaria nem a nível de vencimento nem de progressão". Uma realidade admitida pelo presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESUP). Gonçalo Leite Velho diz que "os dados continuam a demonstrar uma clara compensação salarial mais elevada para os mais qualificados, mas as dinâmicas de precarização e a falta de organização coletiva levam a claros prejuízos", fomentando a ideia de que não compensará evoluir na hierarquia de estudos, se for por questões monetárias.
Por isso, a história de Teresa no doutoramento que seguiu "começa do nada". Vinda de uma família de proprietários rurais em Famalicão, "que lá fizeram vida pública, alguns dos quais chegando à presidência da câmara", sempre esteve familiarizada com a história pública dos seus antepassados, embora a um nível superficial. Recorda o dia em que o seu pai chegou a casa com um saco de plástico, "manhoso e feio", descreve, "cheio de fotografias". "E diz-me: 'Olha, Teresa, o Carlos [o irmão dele] deu-me estas fotografias. Se não quiseres, vão para o lixo.' Estamos a falar de mais de 500 fotografias, de meados do século XIX. Mas também um pequeno álbum através do qual conseguimos traçar a vida praticamente inteira da pessoa dona do álbum, antigo presidente da Câmara Municipal de Famalicão. Fiquei fascinada", conta. Agarrou logo nas fotografias, que "vinham em muito mau estado", e dedicou-se a restaurá-las, mesmo sem formação para tal.
Mais tarde, já sem o pai por perto, "numa missa, o padre da freguesia foi ter com o irmão [do pai de Teresa] e deu-lhe um saco cheio de papéis". "Curiosa como sou, perguntei o que era", lembra. Agarrou também naqueles documentos - contratos de terras e testamentos - e começou a construir um pequeno arquivo dos homens que governaram aquela cidade, entre os quais seus familiares. "Quando dei por mim, já tinha cerca de cem páginas escritas. Por uma questão de satisfação pessoal, para mostrar aos meus filhos, para que soubessem de onde vieram."
Um dia, uma amiga lançou-lhe o desafio de mostrar aquelas já centenas de páginas a uma professora do Departamento de História da Universidade do Minho. O que tinha nascido sem compromisso tornar-se-ia uma das maiores missões públicas de Teresa. A docente da instituição não hesitou em dizer: "Está aqui uma tese de doutoramento." Porque apesar de ter nascido de uma curiosidade pessoal traria uma memória coletiva à população de Famalicão. Convencida pelo entusiasmo, Teresa aceitou fazer da sua obra um doutoramento, que deverá terminar neste ano. "Tem sido uma mais-valia", faz as contas ao que passou. "Porque tenho crescido imenso, tenho ganho outras competências para o meu trabalho também. Encaro-o como uma satisfação pessoal", remata.
Na maioria dos casos, "a prossecução dos estudos tende muitas vezes a replicar as razões da escolha na licenciatura, nalgumas áreas mantendo as razões vocacionais, noutras com um claro propósito profissional, como são os casos dos MBA", explica Gonçalo Leite Velho, presidente do SNESUP. De forma geral, os alunos "tendem a escolher continuar em formação", devido aos "problemas de empregabilidade", como aconteceu inicialmente com a aluna Teresa Araújo.
Já o vice-reitor da UBI, João Canavilhas, acredita que o seguimento para um mestrado significa para grande parte dos alunos uma busca por "mais competências, para se posicionar melhor no competitivo mercado de trabalho". "O mestrado transformou-se na sequência lógica de uma licenciatura", ainda que fomentado pela possibilidade de manter as bolsas de ação social - apesar de "a bolsa mínima já ser inferior ao valor das propinas em quase todas as universidades, com exceção dos cursos em que esse grau é exigido para a inscrição na Ordem."
Joana Coelho, 31 anos, revê-se neste quadro. Depois de terminada a licenciatura em Ciências da Comunicação, na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, sentiu faltar-lhe algo para entrar com o pé direito no mercado laboral. "Gostava mesmo era de explorar a comunicação integrada em marketing", conta, o que a levou a candidatar-se "a uma série de mestrados", acabando por entrar em Marketing e Gestão Estratégica na Universidade do Minho.
Pelo meio do mestrado, foram surgindo algumas propostas de trabalho em part-time, embora precárias, "porque a vontade era arrancar logo a trabalhar". O que resultou num atraso na submissão da sua tese, que ainda assim Joana estava comprometida em terminar, consciente de que aquele grau lhe traria o conforto profissional que tanto ambicionava, quer a nível de conhecimento quer a nível financeiro.
Um retrato das necessidades a que os novos tempos obrigam, lembra o presidente do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP). A sua experiência no ensino superior diz-lhe que "vivemos tempos de mudanças aceleradas e complexas, as quais se manifestam em múltiplos desafios económicos, tecnológicos, ambientais, demográficos e culturais". O que "coloca em evidência a importância do conhecimento para compreender a sua complexidade e identificar formas inovadoras e sustentáveis de os superar, apelando a um novo perfil de graduado, no âmbito da qual ganham relevo novos formatos de formação contínua e de pós-graduações com um perfil mais especializado", frisa António Fontainhas Fernandes.
A faceta académica por detrás destas formações começou a suscitar elevado interesse para Joana, que perspetivava já, um dia, vir a doutorar-se para se tornar professora na academia. Sem nunca se desprender da vida ativa, porque guarda na memória que os melhores docentes "eram aqueles que tinham uma presença no mercado de trabalho, além de uma vida académica", significando "valor acrescentado na aprendizagem dos seus alunos". O sonho de dar aulas fervilhava, mas foi colocado em suspenso, depois de, em 2014, ter surgido a oportunidade de trabalhar no Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores, Tecnologia e Ciência (INESC TEC), em assessoria de imprensa. Só em 2016 decide concorrer ao doutoramento de Gestão na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, que ainda está a terminar, com o objetivo de lecionar em mente.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades e as de Joana não foram exceção. A vida profissional trouxe-lhe outro olhar sobre o doutoramento que está a completar. Dar aulas "não é algo em que agora pense". Nos seus planos, coloca, agora, a investigação. Como, aliás, grande parte daqueles que seguem para doutoramentos em Portugal, de acordo com o vice-reitor da UBI. João Canavilhas diz que "quem procura doutoramento visa sobretudo ingressar na carreira académica ou na carreira de investigador". "A minha ideia é acabar o doutoramento para ter background científico para começar a envolver-me mais também noutras funções dentro da minha empresa", conta Joana.
Não tem dúvidas de que avançar na formação superior ajuda a afunilar objetivos de vida. Embora esta tendência "dependa das áreas científicas das quais estamos a falar", acrescenta. "De facto, a licenciatura permitiu-me perceber do que eu gostava, mas era apenas uma pequenina parte daquilo que eu queria perceber. Daí ter ido para mestrado, para ter também sucesso no mercado de trabalho. No doutoramento, percebi exatamente o que gostava de fazer na empresa."
No início desta cadeia alimentar, estão os jovens que ainda neste ano irão enveredar por licenciaturas, em breve, dando o primeiro passo no ensino superior. Atualmente, metade dos jovens de 18 anos enveredam para universidades ou institutos politécnicos, mas ainda são insuficientes face ao panorama internacional. No prefácio de um estudo encomendado pela Direção-Geral do Ensino Superior (DGES) e publicado em 2018, a Secretária de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Maria Fernanda Rollo, dava conta de que "Portugal continua a ter uma percentagem de acesso ao ensino superior significativamente baixa quando comparada com a realidade internacional e com as necessidades reais do país".
Mas, afinal, o que tem motivado estes jovens a avançar na sua formação? De acordo com o mesmo estudo, num inquérito feito a 506 estudantes do 1.º ano do ensino superior, 71% destes responderam que o que mais contribuiu para o prosseguimento de estudos foi "para ter mais e melhores oportunidades de trabalho no futuro". Também 44% deles disseram "o prestígio e a valorização social de ter um curso superior", ao passo que outros 44% responderam "a área profissional que pretendo seguir exige um curso superior". Há ainda 20% destes 506 alunos que disseram seguir estudos devido ao "incentivo recebido por professores e/ou psicólogos durante o secundário". Outros 12% falaram na "pressão familiar para continuar a estudar" e apenas 8% na "proximidade geográfica da instituição do ensino superior".
"Mais do que um objetivo, é um projeto de vida", conclui João Canavilhas, da UBI. No caso das licenciaturas, diz, a motivação mudou ao longo do tempo. "Já não se trata de estudar para ter garantidamente um emprego, mas de ter uma condição fundamental para concorrer a um emprego. Diria que é uma espécie de 'ensino obrigatório' para quem aspira a ter uma carreira profissional bem remunerada", como, aliás, mostram os fatores que contribuíram para o ingresso dos alunos inquiridos neste estudo.
É o caso de Beatriz Topete, de 18 anos, finalista da Escola Secundária Emídio Navarro, em Viseu. Beatriz confessa: "Nunca coloquei outra hipótese senão enveredar pelo ensino superior. Sempre foi um objetivo a alcançar. Nos dias que correm, penso que é uma mais-valia para o nosso futuro. Não só nos dá a possibilidade de alargarmos os nossos horizontes, como também é a chave principal para conseguirmos entrar no mercado de trabalho, numa boa profissão."
Gonçalo Leite Velho, representante do SNESUP, denota, no entanto, que há diferenças nas motivações por nível e área de formação. Enquanto "existem áreas que são assumidas de forma mais altruísta, das quais uma das mais evidentes é o serviço social", "outras são assumidamente orientadas à situação socioeconómica e profissional, como os cursos de gestão".
Como, aliás, prova Nina Pontes, também ela finalista do ensino secundário, na Escola Secundária Filipa de Vilhena, no Porto. Aos 17 anos, aguarda os resultados dos exames nacionais para saber se conseguirá colocação na licenciatura com que tanto tem sonhado durante anos: Medicina Veterinária. Para ela, entrar no ensino superior "nunca foi apenas para poder entrar no mundo do trabalho". "Mas sim para poder aprender e descobrir mais sobre áreas que sempre me cativaram e das quais gosto genuinamente", conta, adiantando que, por isso, a universidade "sempre esteve nos planos". "Sempre fui fascinada por medicina, por biologia e pelos animais e sempre imaginei que, de alguma forma, os poderia vir a ajudar, pelo que nunca pensei noutra possibilidade a não ser Medicina Veterinária."
Pondo o coração de lado e chamando o lado mais racional da sua escolha, admite que, "no atual mundo de trabalho, cada vez mais competitivo e desafiante, acredito que a licenciatura é sem dúvida uma ferramenta necessária para poder progredir em muitas carreiras", embora não considere ser "uma condição determinante".
A preocupação com as perspetivas laborais tem, no entanto, crescido entre os futuros concorrentes ao ensino superior, garante o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP). Pedro Dominguinhos diz que, "nos últimos anos, a sociedade portuguesa ganhou maior consciência do valor da educação para a construção de uma economia mais competitiva e inovadora, para além de, do ponto de vista pessoal, na vida de cada um de nós, se verificarem benefícios claros resultantes de maiores qualificações académicas e profissionais".
Com esta consciência abriram-se portas a um panorama "mais favorável à frequência do ensino superior", diz, e a uma "diversificação e inovação na oferta formativa". Fala, por exemplo, dos cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP), com oferta formativa de dois anos e estágio incluído, "com forte ligação às empresas", que "mudaram o panorama no ensino superior em Portugal". Criados em 2015, "permitiram trazer mais cerca de 25 mil novos estudantes para o ensino superior, a maioria proveniente do ensino secundário profissional, público que tradicionalmente não acedia a este nível de ensino".
Mas há outros fatores que podem contribuir para aproximar jovens do ensino superior, entre eles a existência de instituições de ensino superior junto à área de residência, como mostra o estudo da DGES. Para Beatriz Topete, que mora em Viseu, longe das áreas urbanas que mais concentram instituições, a possibilidade de poder contar com a Universidade Católica no seu distrito fá-la considerar o ensino superior e, mais propriamente, a Medicina Dentária. Ao mesmo passo que a falta de determinados cursos nestas áreas mais remotas pode desmotivar os mais novos para o prosseguimento de estudos além do ensino obrigatório.
"Na minha opinião, uma das grandes dificuldades que a maioria dos alunos que acabam o ensino secundário têm de enfrentar é, precisamente, sair da zona de conforto e morar longe da família e dos amigos", acrescenta Beatriz. E, segundo o estudo da DGES de 2018, não está errada. Do total de alunos inquiridos, 9% responderam que "localização e funcionamento dos cursos" era um fator inibidor do prosseguimento de estudo de nível superior.
Beatriz considera que "as condições económicas de quem vive no interior do país são, em grande parte, mais baixas do que nos grandes centros", o que se reproduz no "facto de a maioria dos bons cursos se situar nos grandes centros", levando "à deslocação, quase obrigatória, dos estudantes que, na maior parte dos casos, têm de fazer um esforço acrescido (economicamente e pessoalmente), para conseguirem alcançar os seus objetivos". "É desvantagem sobre desvantagem. Os cursos deveriam estar mais espalhados pelo país", reitera.
Não por acaso 19% dos estudantes participantes no estudo apontam como razão para não seguir uma licenciatura as "barreiras financeiras". A maior razão passa pelos "requisitos e condições de acesso" (31%), sendo que o sistema obriga à realização de exames nacionais obrigatórios, com elevado peso na média de entrada, ainda que esses exames não estejam especificados para o concurso do curso a que se candidatam.
Quer Beatriz quer Nina estão certas de que após a licenciatura, que deverá ter mestrado integrado, estudar mais não estará nos planos. Têm pressa de trabalhar. Mais lá para a frente, "um doutoramento", quem sabe, diz Nina.