Ficou impressionado com a forma como os jogadores lidaram com todo este novo contexto de pandemia durante o US Open, sem público e com muitas restrições? Sim, confesso que fiquei. Talvez muitos dos que ficaram pela primeira ronda se tenham sentido afetados, sobretudo por terem jogado sem público. É possível que isso os tenha prejudicado. Acho que apesar da ausência de público, o US Open foi um bom torneio. Mas depois de ter visto recentemente pessoas nas bancadas em Roma, não tenho dúvidas de que o ténis precisa de assistência. Era importante termos espectadores nas bancadas no torneios do Grand Slam, até para os jogadores não se habituarem a jogar sem a presença do público..Depois do que aconteceu no US Open com Djokovic, quando foi desclassificado por ter atingido um juiz de linha, o que espera dele em Roland Garros? O que aconteceu permitiu que ele passasse a ter uma identidade. O Roger Federer sempre foi associado a uma postura de jogador elegante, um desportista descontraído. O Nadal é um guerreiro, um jogador apaixonado que dá tudo. O Djokovic, além de ser o melhor dos três nos confrontos diretos, que tipo de personalidade tinha? É um bom tipo, engraçado, mas o quê mais? Ele agora passou a ter uma identidade, passou a ser um jogador temperamental que às vezes não se controla e que também quebra as regras. Eu gosto disso e julgo que as pessoas em geral também. Penso que o que aconteceu no US Open pode ter um efeito muito positivo na carreira do Djokovic. E acredito que vai vencer Roland Garros à conta disso..Não acredita que Djokovic sinta uma pressão extra? Afinal foi um caso muito falado e ele foi alvo de muitas críticas... Não. Vai funcionar precisamente ao contrário. Ele vai querer provar que não precisa de ter aqueles ataques de raiva para conseguir ganhar. Espero que ele não volte a acertar com a bola na cara de ninguém. Já foi castigado pelo gesto irrefletido que teve e está tudo sanado. Volto a dizer: julgo foi a melhor coisa que lhe aconteceu para dar uma resposta de grande nível em termos de motivação..Acha que ele teria ganho o US Open se não tivesse sido desclassificado? É difícil dizer. Se calhar sim, mas ia ter sérios problemas para eliminar o Thiem. Se ele tivesse ganho o US Open, se calhar iam desvalorizar o triunfo, iam dizer que não estavam lá o Federer nem o Nadal..Por mais quanto tempo o circuito vai continuar a ser dominado pelos big three? Acredito que esse domínio está a acabar. Aliás, estou convencido de que Roland Garros, apesar de não contar com Roger Federer, vai ser o último torneio em que vamos ver estes tenistas conseguirem chegar à final. Claro que um ou outro vão estar muitas vezes no jogo decisivo, tal como a Serena ainda o faz, mas os jovens estão a aparecer, deixaram de se sentir intimidados. Como é óbvio, têm respeito por eles, mas já não são tão humildes e vão começar a aparecer com mais frequência em finais. Nos próximos três anos vamos ter muitos jogadores desta nova geração a vencer Grand Slams..O Nadal vai jogar no seu palco favorito. Qual é o segredo para ter ganho 12 títulos em Roland Garros? O segredo é a capacidade que ele tem de se adaptar às diferentes condições, porque em Roland Garros as condições mudam mais do que em qualquer outro torneio. O Nadal deita-se a rezar para que no dia seguinte esteja tempo seco e 25 graus, porque são as condições perfeitas para ele. Mas nesta edição de Roland Garros terá um problema, pois neste ano fez poucos jogos em terra batida, quando normalmente nesta altura já teria feito uns 25. Por isso não o dou como favorito. Prevejo que vai sofrer muito neste torneio..Então para si os principais favoritos são Djokovic e Dominic Thiem, é isso? Sim, são. Mas também acho que Shapovalov, Tsitsipas, Zverev e Berrettini são muito fortes na terra batida. Não se intimidam perante Nadal ou qualquer outro jogador de ranking superior, por isso acredito que poderão existir surpresas. É um piso lento e pesado, onde é preciso acertar na bola com força e firmeza, e estes jogadores fazem isso muito bem..Acredita que o quadro masculino pode a médio prazo a tornar-se como o feminino, com vencedores diferentes de Grand Slam para Grand Slam? Ainda não vi fora dos big three um jogador que eu dissesse "é este". Pensei nisso quando vi o Felix Augere-Alliasime, mas depois percebi que tinha algumas fraquezas a nível de mentalidade. O Tsitsipas? O Shapovalov? Talvez. O Thiem também pode ser. Mas não vejo que haja um jogador dominante, que sobressaia e que possa suceder a Djokovic quando ele encerrar a carreira. Penso o Thiem vai ganhar alguns Majors, outros também terão possibilidades. E nós vamos adorar porque nunca vamos saber quem vai ganhar. Durante anos vibrámos com os big three, mas ao mesmo tempo era um pouco aborrecido, porque sabíamos que no fim era sempre um deles a vencer. Eu adoro o Djokovic, o Nadal e o Federer, mas quero ver novos valores a quebrar este domínio..Quem são para si os grandes nomes desta nova geração que podem vir a vencer torneios do Grand Slam? Shapovalov, Felix Auger-Alliasime, Tsitsipas, Medvedev, Jannik Sinner e o Lorenzo Mussetti, que acabou de vencer o Wawrinka em Roma. Aposto nestes seis. Há também alguns americanos com potencial. Acredito que o Taylor Fritz pode um dia conquistar um Grand Slam, tal como o Reilly Opelka. Há vários bons valores, mas não vejo um que se destaque verdadeiramente dos restantes..Qual é a sua opinião sobre João Sousa, o número um português? Cada vez que o vejo jogar, percebo ele é difícil de vencer. Mas sinceramente não o consigo ver num ranking mais alto do que o atual. Vejo o João Sousa como um tenista que qualquer adversário antes de o defrontar pensa que terá de jogar bem para o vencer. Consigo vê-lo a chegar a uma quarta ronda, aos quartos-de-final dos principais torneios, talvez excetuando Wimbledon. Mas também pode ser afastado logo na primeira ronda contra um adversário que esteja num dia bom. Sinceramente não o vejo a chegar mais longe do que uns quartos-de-final. Mas é um lutador e um profissional sólido.