É o segundo volume de uma saga dedicada às invasões francesas. Após Napoleão Vem Aí, publicado o ano passado, surgiu recentemente As Sete Marias que Matavam Franceses. Domingos Amaral escolheu a época por uma razão tão histórica como literária. Explica: "As Invasões Francesas são um período muito intenso e violento. Os exércitos de Napoleão saquearam Portugal e provocaram muita destruição e mortes, e o povo português sofreu muito, mas foi capaz de se revoltar e dar luta forte aos franceses. É uma época deveras interessante e, portanto, rica para situar nela um romance.".Estranhamente, sendo este um dos momentos mais trágicos para a população na nossa História, as Invasões Francesas têm sido muito pouco inspiradoras para os autores portugueses. Pergunta-se ao escritor, que refere desconhecer a razão. Acrescenta: "A mim fascina-me essa época. O turbilhão que sacode o mundo, que começa com as revoluções francesa e americana, depois gera o Terror, e Napoleão, que lança a Europa em guerras, incluindo na Península Ibérica. É um período muito rico em acontecimentos, o que faz estranhar essa verdade de existirem tão poucos romances portugueses sobre tal período.".As Sete Marias tem início em março de 1809 aquando da segunda invasão francesa, liderada pelo marechal Soult. As tropas do militar entram em Portugal pela fronteira perto de chaves e daí avançam para a cidade do Porto, provocando um rasto de destruição inimaginável. É com o receio de serem vítimas de tal destruição que as filhas do general Galopim regressam de Lisboa para defenderem a propriedade onde vivem. As suas investidas - e aventuras - contra o exército de Napoleão são o núcleo da narrativa, que refaz esse período da história e descreve os selváticos comportamentos dos protagonistas franceses e a resposta popular portuguesa..Os historiadores ingleses têm vindo a Portugal fazer as suas investigações, em muito devido a Beresford e Wellington. Estão mais preocupados com a história britânica?.Sim, estão, mas de caminho vão-nos elucidando sobre a importância que tiveram em Portugal essas duas figuras. A verdade é que sem Wellington teria sido quase impossível derrotar Junot, Soult e Massena..Os académicos franceses nunca se preocuparam muito com este estudo!.Napoleão sofreu as suas primeiras derrotas em Portugal e Espanha. Talvez por essa razão, os franceses nunca lidaram muito bem com as Guerras Peninsulares....Os historiadores portugueses já recriaram este período de forma atenta ou são suplantados pelos colegas britânicos?.Há bons trabalhos de portugueses. Os que eu mais gosto são o Ir para o Maneta, do Vasco Pulido Valente, e o El-Rei Junot, do Raúl Brandão, que é mais uma obra de historiador do que de escritor..Que trabalhos - nacionais e estrangeiros - foram mais úteis para a investigação dos dois romances?.Os acima referidos, bem como as biografias de D. Maria, D. João VI e Carlota Joaquina, e ainda alguns livros sobre as guerras peninsulares, de ingleses e portugueses, como os de José Acúrsio das Neves..Hoje em dia defende-se a "fuga" do futuro rei D. João VI para o Brasil como uma estratégia política bem conseguida. Para si foi uma boa tática ou apenas quis pôr-se a salvo dos invasores?.As duas coisas são verdade, foi medo e foi tática. Talvez por isso, Napoleão dirá mais tarde que D. João VI foi o único rei europeu que o enganou. Fingiu ser aliado dele, mas depois fugiu, não podendo ser destituído pelo Imperador dos franceses, como foram os reis de Espanha, por exemplo..Do que investigou, concorda que a primeira invasão poderia ter sido repelida devido à exaustão e fraca força dessa tropa invasora? .Sim, no início os exércitos franceses podiam ter sido derrotados. Junot entrou por Castelo Branco e as suas tropas estavam exaustas, fustigadas pela chuva. Se os portugueses tivessem sabido disso poderiam ter desfeito o exército francês, mas desconheciam. Quando deram por isso, os franceses já estavam em Abrantes, a caminho de Lisboa, sem qualquer oposição..O povo teve de se defender de sucessivas invasões quase por sua conta. A ele se deve o sentido que a história tomou e a manutenção da independência de Portugal?.O povo e o clero foram essenciais, pois a raiva que tinham aos franceses era imensa e permitiu fustigá-los sem dó. Porém, se não fosse a chegada dos exércitos ingleses, dificilmente os portugueses teriam conseguido mais do que manter uma incansável luta de guerrilha..A violência popular a que foram sujeitos os franceses atingiu uma dimensão em que se pode dizer que a realidade supera a ficção. Foi surpreendido por esses relatos? .Fui surpreendido primeiro pela violência dos franceses. Saqueavam e massacravam como nunca pensei que acontecesse. O general Loison, o célebre Maneta, era de uma crueldade bruta, que assustava. Por isso os portugueses vingaram-se, com tudo e de todas as formas que puderam. É um ciclo de violência tremendo. Os brandos costumes não existiam por cá no início do século dezanove. Dá voz ao que se passou no Porto, uma cidade com uma enorme história e ainda mal contada..Porque se ignora tanto esta capital do Norte?.Não sei explicar, mas a mim foi-me impossível ignorar o que se passa nas duas primeiras invasões. O Porto levantou-se contra os franceses muito antes de Lisboa, e Junot nunca lá foi, com medo. E, durante a segunda invasão, Soult tomou a cidade, mas depois fugiu, com o rabo entre as pernas, dos ingleses. Pelo meio, houve um desastre enorme, a tragédia da Ponte das Barcas. Ou seja, existe muita história por conhecer..Como foi compatibilizar a narrativa própria de um romance com o decurso dos acontecimentos?.Temos de colocar os personagens nos locais onde a ação histórica aconteceu. Por isso, as minhas marias estão em Braga, no Porto, e depois em Amarante, durante a segunda invasão..O título valoriza a resposta feminina. Invenção ou realidade?.Houve muitas mulheres a combaterem os franceses, e muitas quintas de famílias portuguesas que foram saqueadas pelas tropas de Napoleão. Eu misturei tudo e saiu uma história de mulheres que matavam franceses, mas também de mulheres que sofreram muito..Quais as figuras desta época, de um lado e de outro, que mais o impressionaram?.Loison, o Maneta, impressiona pela maldade. Junot, o frívolo, pela mentira e pela corrupção. Já D. João VI surpreende pela positiva, porque sofre muito - gosto dele, é boa pessoa, ao contrário da mulher, Carlota Joaquina, uma megera. Napoleão é um bruto, com génio militar, e Wellington é um prático, também com génio militar, mas sem qualquer graça especial..As Sete Marias que matavam franceses.Domingos Amaral.Editora Casa das Letras.286 páginas.dnot@dn.pt