Dom Rodrigues e pouca sabedoria
Quase 70 pessoas multadas e mais de mil mandadas para trás é o saldo da operação das forças de segurança que fiscalizaram neste fim de semana entradas e saídas da Área Metropolitana de Lisboa. Nenhuma delas, nem multa nem ordem de recuo, foi para Ferro Rodrigues, o presidente da Assembleia da República, que depois de ver o Presidente cortar-lhe as vasas de abalar para Sevilha para ver o Portugal-Bélgica ao vivo, decidiu fazer as malas e ir de fim de semana para o Algarve. É certo que governo e DGS recomendam cautela e pouco movimento, mas Ferro já está vacinado, já não há covid que lhe chegue. Também não há multas ou reprimendas em nome de Graça Freitas, a diretora-geral da Saúde que nos tem alertado a cada oportunidade para a importância de "ainda não podermos levantar o pé" ou "abrandar a pressão", porque o vírus anda aí e continua feroz. E que parece ter escolhido o mesmo destino de Ferro Rodrigues para descansar uns dias.
Nada a reportar, lá está: estão ambos vacinados, com certificado a comprová-lo e enquadram-se, portanto, nos casos que fazem exceção à regra que impede todos os restantes de entrar ou sair ao fim de semana. Há quem diga que talvez devessem dar o exemplo, claro, mas bolas! Entende-se a escapadela. É desagradável ter horas para abastecer a despensa e limites nas comezainas fora de casa. E é desgastante andar há mais de um ano a pregar aos malcomportados portugueses que se abstenham de convívios, que têm de ficar em casa porque há um país para salvar.
Por isso, Ferro e Freitas foram arejar. E ainda tiveram o cuidado de ajudar a dinamizar a economia algarvia, que bem precisa, agora que cada vez mais portugueses estão a reconfinar por ordens do governo e da DGS. E com os estrangeiros não podemos contar - tão cedo, esses não põem cá os pés, não enquanto andar por aí a variante Delta, que cá chegou certamente por teletransporte e não porque depositamos toda a fé na Nossa Senhora de Fátima. Seja para o futebol ou para manter a covid do lado de lá da fronteira.
Por falar em Algarve, vale a pena dar destaque a mais um momento de incrível lógica e lucidez no combate à pandemia que por cá temos feito, sobretudo à base de proibir em grande escala, sem essas miudezas de querer cá prevenir, perceber ou conter vagas de contágio. Estava a seleção prestes a entrar em campo, quando a delegada regional de saúde deu ordem para fechar mais de 120 escolas por todo o Algarve. Assim, num domingo à noite, os pais ficaram a saber que não havia mais aulas de 1.º e 2.º ciclos até ao fim do ano e que nem valia a pena tentarem despachar a criançada no dia seguinte (hoje) porque já não haveria quem as recebesse. A menos que as deixassem ao senhor do café ou à guarda do restaurante, claro, porque apesar de o governo ter frisado que a educação seria a última sacrificada, a ordem de perigo foi limitada às escolas daqueles cinco concelhos.
No fim do dia, nem Portugal ajudou a recuperar o ânimo dos pais que tiveram de se desenvencilhar dos miúdos ou faltar ao trabalho para ficar com eles em casa nem Ferro Rodrigues teve a alegria de ver a seleção ganhar, mesmo que espreitando por cima do muro da raia. Uma tristeza só. Valha-nos Nossa Senhora.