Do relatório da OIT sobre trabalho digno em Portugal
Foi recentemente divulgado o relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o Trabalho Digno em Portugal 2008-2018. Este relatório aprecia, para este período temporal, um conjunto de aspetos laborais em Portugal, designadamente a contratação individual, a contratação coletiva, a organização do tempo de trabalho ou os salários.
Mas é, sobretudo, na análise que faz sobre as questões demográficas que este relatório nos interpela. Segundo este documento "as taxas de emigração em Portugal, elevadas desde a revolução de 1974, atingiram o pico no início da década de 2010. De acordo com as estimativas, praticamente meio milhão de pessoas saíram de Portugal entre 2011 e 2014. A taxa anual de emigração de 2,5% da população ativa é a mais alta ou a segunda mais alta taxa na Europa (a seguir a Malta), em função do ano e refere "o número de cidadãos nacionais no estrangeiro em 2017 (...) corresponde a mais de 20% da população ou a praticamente metade do emprego local em 2014".
Ainda realça este estudo que "a emigração recente também se alterou" pois, segundo este relatório, "as pessoas que emigravam tinham competências relativamente baixas, mas uma proporção cada vez maior dos emigrantes recentes possui qualificações mais elevadas. Tal deve-se ao aumento do sucesso escolar e ao congelamento das contratações no setor público, um empregador tradicional dos licenciados, (...) o que suscita preocupações relativamente à chamada "fuga de cérebros". E se, de acordo com este relatório, "o elevado nível de emigração é visto sobretudo como um desafio, porque a maioria dos emigrantes são jovens com qualificações - normalmente um indicador de um futuro aumento da produtividade " a verdade é que esta situação é muito inquietante, tanto mais que, como se sabe, a grande maioria destes jovens emigra considerando a crescente dimensão de incerteza laboral, criada pela falta de estabilidade no emprego e os baixos salários.
Aliás, conforme dados revelados pelo INE, em Portugal entre 2008 e 2013 a emigração permanente mais do que duplicou, e só entre 2013 e 2017 deixaram o país, a título permanente, cerca de 214 mil pessoas. E quando se fala no propósito de criar emprego, é preciso identificar que emprego devemos ambicionar criar. Desde logo porque tão preocupante quanto o desemprego jovem é o emprego precário dos jovens em Portugal, quer do ponto de vista contratual quer salarial. A progressiva reconfiguração do mercado de trabalho em Portugal nestes últimos sete anos, com o aumento proporcional dos contratos de trabalho remunerados com salários muito baixos, assim como a tendência para o aumento do período normal de trabalho semanal (que, no setor privado, pode atingir as 50 ou as 60 horas semanais), serão importantes problemas a que importa responder.
As alterações ao Código do Trabalho, introduzidas desde 2011, designadamente reduzindo as compensações por cessação do contrato de trabalho, vieram flexibilizar a cessação contratual e aumentar a incerteza laboral, com repercussões sociais. A segurança de um rendimento é um fator crucial para a estabilidade e os trabalhadores precários têm um grau de imprevisibilidade na sua vida, vivendo em permanente stress financeiro, o que naturalmente tem consequências ao nível da organização da vida pessoal e familiar. Assim, sendo a evolução demográfica no nosso país especialmente problemática, e ainda que parcialmente associada às condições de trabalho, urge considerar a centralidade da regulação das relações de trabalho, assumindo o Direito do Trabalho um papel central de garantia de condições de trabalho dignas.