Em vez de aproveitar a maioria que teve nos dois primeiros anos de mandato na Câmara dos Representantes e no Senado para legislar, o ex-presidente norte-americano Donald Trump optou por governar por decreto. O problema é que para revogar essas ações executivas, cuja assinatura a marcador preto fazia questão de mostrar para as câmaras, o seu sucessor só tem de emitir novas em contrário. E o novo inquilino da Casa Branca, Joe Biden, não perdeu tempo..Logo no dia da tomada de posse, a 20 de janeiro, assinou onze ações executivas, além de seis proclamações e memorandos. Ao todo, o democrata já usou mais de 50 canetas (é tradição usar uma nova em cada assinatura e depois entregá-la às pessoas envolvidas naquela ação como recordação), em temas que vão desde o clima à imigração, passando pela economia, pela luta contra o novo coronavírus ou pela discriminação. É o número mais elevado de ações, mais do que qualquer um dos seus antecessores, nos primeiros dias de mandato..Uma das prioridades de Biden, que nomeou até um czar para o Clima (o ex-secretário de Estado John Kerry), não ficou de fora da primeira leva de ações executivas, horas após a tomada de posse. O presidente voltou a pôr os EUA no Acordo de Paris, que Trump abandonou em junho de 2017, criticando os custos que este teria para os contribuintes norte-americanos..Mas o democrata não se ficou por aí. Por questões ambientais, pôs um travão no oleoduto Keystone XL, de quase dois mil quilómetros, que deveria levar petróleo do Canadá para os EUA, atravessando terras indígenas. E recuperou uma política dos mandatos de Bill Clinton, que obriga todas as agências a consultar as tribos em relação a decisões que as possam afetar. Além disso, suspendeu a entrega de novas autorizações para exploração de petróleo e gás natural em terras federais e reverteu a decisão de Trump de retirar território a algumas áreas protegidas no Utah..Uma semana depois da posse, Biden dedicou o dia de ontem novamente às questões climáticas: estabeleceu este tema como essencial nas áreas de política externa ou de segurança nacional e anunciou uma cimeira de líderes para o Dia da Terra, 22 de abril. Além disso, ordenou o investimento em áreas que até agora têm uma ligação económica profunda aos combustíveis fósseis e o aumento da ajuda a comunidades que sofram com os problemas ambientais. O presidente decretou ainda o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis e a passagem de toda a frota de automóveis da administração a elétrica. Biden quer ainda que sejam dados passos para duplicar a produção eólica, offshore, até 2030, e recuperou o Conselho Presidencial em Ciência e Tecnologia..A construção de um muro na fronteira com o México foi uma promessa de campanha de Trump, que não aproveitou a maioria que tinha nos dois primeiros anos para avançar com o tema no Congresso. Depois, forçou um shutdown da administração para tentar obrigar os congressistas a dar-lhe os fundos necessários, acabando por decretar uma "emergência nacional" que lhe permitiu desviar dinheiro do setor de construção militar para o muro. Com uma assinatura, Biden retirou os fundos ao projeto..O presidente acabou também com a proibição de entrada no país de refugiados ou residentes de sete países de maioria muçulmana, que Trump decretara logo em janeiro de 2017, quando tomou posse. Além disso, em relação aos imigrantes ilegais, decretou que estes devem ser contados nos censos e deu ordens para reforçar a política que impede a deportação de jovens sem documentos que entraram no país ilegalmente quando eram crianças (os chamados dreamers). Biden revelou ainda que vai enviar para o Congresso uma lei que estabelece um percurso de oito anos para os cerca de 11 milhões de ilegais que queiram a cidadania..Trump sempre desvalorizou a pandemia, que quando deixou a Casa Branca já tinha causado a morte a mais de 400 mil norte-americanos, apesar de ter assinalado como um dos seus legados o rápido desenvolvimento de uma vacina para a combater. Mas Biden está focado na luta contra o novo coronavírus e, logo no primeiro dia, decretou o uso obrigatório de máscaras nos edifícios federais (começando pela própria Casa Branca), deixando para o segundo dia a ordem para que o mesmo aconteça nos transportes públicos, desde aviões a autocarros..No que diz respeito à vacinação, o plano inicial era administrar cem milhões de doses nos primeiros cem dias do governo, mas já aumentou o objetivo para 1,5 milhões de doses por dia. Biden não recuou, contudo, na decisão de Trump de fechar as fronteiras a quem vem da Europa, do Brasil e da África do Sul, por causa das novas variantes, lembrando que a sua estratégia vai mais além dessa proibição..Na estratégia alargada de luta contra a pandemia, num plano que contém quase 200 páginas, o presidente prometeu ouvir a ciência - numa das ordens defende a partilha de informações científicas para que as decisões políticas sejam tomadas de forma mais adequada. Nestas ordens estabeleceu a criação do cargo de coordenador de resposta à covid-19, ordenou o aumento do apoio à investigação de tratamentos e do auxílio a lares e apoiou o recurso dos estados à Guarda Nacional para ajudar neste combate, com o apoio da Agência de Gestão de Emergência Federal (FEMA, na sigla em inglês)..Joe Biden pediu ainda um levantamento de todo o material de proteção existente, assim como de recursos para distribuir testes e vacinas contra a covid-19. Uma equipa foi criada para coordenar os esforços de testagem, tendo uma outra sido criada para recomendar a distribuição de recursos, para garantir que estes chegam às comunidades que são mais afetadas (em relação a raça, etnia e outros fatores)..O presidente defende ainda a reabertura de escolas, estando a preparar as diretrizes nesse sentido, assim como para promover a segurança nos locais de trabalho no meio da pandemia. E decretou que os trabalhadores que recusem trabalhar por causa da covid-19 têm direito a subsídios, dizendo que "ninguém deve ter de escolher entre o seu ganha-pão e a sua saúde"..A nível internacional, reverteu a decisão de Trump de sair da Organização Mundial da Saúde, que acusava de ceder à pressão da China e de ter falhado na resposta à pandemia..Enquanto aguarda pela discussão sobre o pacote de 1,9 biliões de dólares de ajuda económica que quer que o Congresso aprove, Biden vai lançando outras medidas. A principal é a ideia da aposta no "compre americano" ou no "made in America", procurando não só obrigar as agências federais a comprar produtos manufaturados nos EUA (na prática a lei já existe desde 1933) como procurar tapar os buracos na lei que permitem que algumas empresas usem essa marca apesar de todos os componentes que usam serem fabricados no estrangeiro..O presidente prometeu na campanha trabalhar para perdoar as dívidas astronómicas que os estudantes contraem para poder ter um curso superior, mas por enquanto prolongou a suspensão dos pagamentos que tinha sido aprovada pelo Congresso em março até setembro e prolongada por Trump até ao final deste mês..Além disso, Biden também deu ordem para o Departamento de Veteranos congelar as dívidas que dois milhões de ex-combatentes possam ter e apoiá-los, além de ter expandido os programas de apoio alimentar para todos os norte-americanos necessitados. Quer ainda mecanismos que facilitem a entrega dos cheques com estímulos financeiros a quem necessita..Biden revogou ainda a decisão de Trump que facilitava os despedimentos de funcionários públicos, dando também ordem para que quem trabalha para o governo federal receba um salário mínimo de 15 dólares por hora..A Administração de Biden defende que a igualdade de oportunidades é um dos pilares da democracia norte-americana, lamentando que o "sonho americano" ainda não esteja ao alcance de todos. Daí que tenha assinado uma ordem executiva para promover a igualdade racial, pedindo às agências e organismos federais uma avaliação daquilo que podem fazer neste sentido..Outra decisão do presidente, logo no primeiro dia do mandato, foi alargar a proteção contra a discriminação em agências federais para incluir orientação sexual, identidade ou expressão de género. Já nesta semana, voltou a revogar uma política de Trump: a que proibia pessoas transgénero de servir nas Forças Armadas dos EUA..Devido à pandemia do coronavírus e da discriminação que muitos asiáticos têm sofrido por causa do "vírus da China", como lhe chamava Trump, Biden deu ordens para combater o racismo e a xenofobia contra esta comunidade..Não é através de ordens executivas mas dos contactos com diferentes líderes mundiais e de algumas decisões tomadas a nível do Departamento de Estado que já se permite ver mudanças em comparação com Trump - apesar de algumas coisas serem mais difíceis de revogar nesta área e poderem demorar mais tempo..Mas ainda assim algo já foi feito: a Administração Biden suspendeu, por exemplo, as sanções a quem negoceie com os houthis no Iémen, que nos últimos dias Trump designou como "organização terrorista internacional". Isso dificultava a distribuição de ajuda humanitária no país que está em guerra desde 2014 e onde milhares passam fome..No primeiro telefonema com o presidente russo, Vladimir Putin, Biden não fugiu aos temas, mas quis manter aberta a porta da diplomacia. Ainda assim, mostrou preocupação com o envenenamento do opositor russo, Alexei Navalny, questionou sobre as alegadas recompensas que os russos terão pago aos talibãs pela morte de soldados norte-americanos no Afeganistão e sobre a interferência russa nas eleições nos EUA. Ambos concordaram em prorrogar o acordo sobre o limite de armas nucleares, que terminava em fevereiro.