Do alargamento do período experimental

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O governo apresentou há dias à concertação social uma proposta sobre o alargamento do prazo do período experimental para 180 dias no caso dos contratos de trabalho por tempo indeterminado relativos quer aos trabalhadores à procura de primeiro emprego quer aos desempregados de longa duração.

Como é sabido, o período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho em que qualquer uma das partes aprecia o interesse na manutenção do contrato de trabalho - que só pela execução do contrato pode ser evidenciada - e durante o qual estão mais livres para se desvincular pois, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato de trabalho sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização, embora quando o período experimental tenha durado mais de 60 dias ou mais de 120 dias esteja dependente de um aviso prévio por parte do empregador de 7 dias ou 15 dias, respectivamente.

A proposta agora apresentada parece querer terminar por legitimar a contratação a termo certo destes dois grupos da população (sabendo-se que o prazo de contratação mais usual tem sido, justamente, de 180 dias de duração) e, em alternativa, impulsionar a possibilidade de contratar por tempo indeterminado os trabalhadores à procura de primeiro emprego ou os desempregados de longa duração, mas alargando o actual período experimental de 90 dias para o dobro.

Ora, esta solução, que aparentemente oferece a oportunidade de conferir aos trabalhadores maior estabilidade e segurança no emprego - considerado o vínculo de contrato por tempo indeterminado - pode vir a precarizar, ainda mais, a situação destes dois grupos da população activa, e muito em especial dos desempregados de longa duração (desempregados à procura de emprego há 12 e mais meses). É que, considerando o possível incremento dos contratos sem termo, resultante dos incentivos conferidos aos empregadores à contratação por tempo indeterminado, receia-se que uma parte significativa destes trabalhadores, que assim sejam contratados, possa ver cessar os seus contratos durante o período experimental, pois alargando o prazo deste período - e tratando-se de uma fase em que a ruptura do contrato não implica o pagamento de qualquer compensação por cessação ao trabalhador - venham a usar este "esquema" contratual para diminuir os custos salariais inerentes às cessações de contratos de trabalho a termo. Sendo os desempregados de longa duração (que, segundo o INE, em 2017 representavam 57,5% do total dos desempregados) uma população com fortes dificuldades de regresso estável ao mercado de trabalho, a apreensão é a de que, assim, ao invés de alcançarem a pretendida reinserção laboral através de estabilidade contratual, arrisquem um percurso de forte precariedade - e de intermitência sucessiva entre períodos de emprego e de desemprego - dado que o empregador se sente mais disponível para a denúncia durante o período experimental, uma vez que não está obrigado a compensar o trabalhador, diferentemente do que acontece nos contratos a termo.

E aqui, como noutras áreas, o legislador não se pode demitir de um importante papel pedagógico na condução das políticas públicas para o país.

*Professora universitária

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