Discurso do 45.º presidente dissipou temporal nas bolsas

Depois do pânico inicial as bolsas recuperaram. Volatilidade vai manter-se, mas há setores que estão a sair beneficiados
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De queda abrupta a um ligeiro estremecimento. A primeira reação dos investidores à vitória de Trump nas eleições dos EUA foi de susto. Temia-se grande instabilidade e, da Europa à Ásia, bolsas, dólar e até o petróleo reagiram em queda à maior surpresa desde o brexit, com os investidores a procurarem refúgio no ouro. Mas o temporal foi dissipado com o discurso do republicano, surpreendentemente moderado. Wall Street e quase toda a Europa acabou a recuperar. Lisboa foi exceção, com queda de 1,47%.

Donald Trump falou num tom conciliatório, apelando à união e mostrando-se "mais controlado e apoiado por um partido com história que irá ter um papel decisivo para moderar a presidência", diz Eduardo Silva, da XTB. A equipa de research do Banco BiG concorda: o discurso foi "razoavelmente sóbrio", o que "acaba por suavizar os riscos mais extremos com que o mercado poderia descontar". A expectativa é de que o sistema norte-americano de checks and balances funcione e que a "moderação" acabe por singrar. Também Albino Oliveira, da Patris Investimentos, realçou o tom do discurso, com o presidente eleito a mostrar-se "mais moderado do que as indicações fornecidas na campanha, respondendo à incerteza do mercado".

Investimento puxa por bolsa

A atuação futura de Trump no ponto de vista económico e diplomático é ainda difícil de prever, mesmo que a curto prazo já se tenham identificado setores que serão mais beneficiados pela política protecionista e de investimento público que o milionário deseja. Este programa de governo levou ontem as matérias-primas e os setores de indústria e construção a registar valorizações significativas, tal como as ações da indústria de defesa ou as farmacêuticas, ainda que neste caso, mais pela derrota de Clinton, que planeava lançar uma ofensiva aos preços de alguns fármacos.

Quanto ao lado mais protecionista de Trump, os analistas afastam os receios de tal postura levar a uma recessão global, possibilidade levantada pelo Nobel da economia Paul Krugman. Albino Oliveira frisa até que algumas destas medidas podem "mesmo favorecer o ritmo de crescimento dos EUA".

Mas, apesar da recuperação das bolsas, a volatilidade deve continuar, a curto e médio prazo - mesmo com o dólar mais fraco a ajudar os mercados. O holandês Rabobank aponta que as expectativas para o PIB ainda podem ser revistas em baixa e a Fitch chamou a atenção para as incertezas sobre o grau de concretização a que algumas medidas de Trump podem chegar. Já a Moody"s apontou para os riscos ao nível do rating de empresas, sobretudo no comércio, banca e saúde.

Marisa Cabrita, gestora de ativos da Orey Financial, lembra que as empresas europeias com exposição aos EUA podem ter períodos de maior volatilidade. A EDP Renováveis chegou a cair mais de 5% devido às políticas desfavoráveis de Trump, que quer acabar com as restrições a combustíveis fósseis e com os apoios a políticas contra as alterações do clima.

Para Pedro Lino, da DIF, "o impacto no curto prazo é negativo, uma vez que estamos a viver um período de incerteza até se saber quem será o secretário do Tesouro e quais as medidas que serão implementadas a nível económico". O programa eleitoral de Trump tem medidas polémicas no comércio e nas relações bilaterais, com ameaças de pôr fim a acordos internacionais e uma postura mais agressiva com o México, o que levou o peso a afundar para mínimos históricos, com uma quebra de 10%.

A recuperação serena dos mercados mostrou também que os investidores, depois do brexit, já se habituaram a incorporar riscos políticos ainda que a vitória de Trump volte novamente as atenções para o equilíbrio frágil na Europa. "Para a Europa este é um forte alerta de que os resultados das eleições em França e o referendo na Itália podem trazer sérias consequências caso não sejam tomadas medidas ao encontro dos anseios da população", avisa Pedro Lino. A primeira prova é já em dezembro, com o referendo constitucional em Itália. Com F.P.C.

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