Diretor da PJ: Chumbo da lei dos metadados "é um retrocesso civilizacional"

O diretor nacional da Polícia Judiciária, Luís Neves, foi ouvido no parlamento sobre o impacto do chumbo do Tribunal Constitucional à chamada "lei dos metadados" que obrigava as operadoras a armazenar por um ano os dados das comunicações (telefone e internet) de todos os clientes para eventual investigação criminal
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O diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ) considera que o chumbo do Tribunal Constitucional (TC) à chamada "lei dos metadados", que obrigava as operadoras a armazenar por um ano os dados das comunicações (telefone e internet) de todos os clientes para eventual investigação criminal, é um "retrocesso civilizacional" no combate ao crime.

Luís Neves, foi ouvido no parlamento sobre o impacto da decisão do TC que considerou inconstitucional guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, porque "restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada".

O mais alto responsável da PJ considera que a proposta do Governo - que permite o armazenamento de dados de tráfego até seis meses - "é curta, embora sirva como solução transitória".

Luís Neves sublinhou que "há uma enorme desigualdade de armas entre quem pratica o crime e quem o investiga" e que, enquanto "os criminosos evoluem nas suas capacidades e técnicas" os "meios legais da obtenção de prova estão estancados há décadas".

Para o diretor da PJ, "a interpretação do Tribunal de Justiça Europeu (que levou ao chumbo do Tribunal Constitucional) é retrógrada, restritiva e inviabiliza a investigação criminal".

Este alto responsável recordou casos como os dos atentados terroristas em França e em Espanha, nos quais só foi possível fazer a reconstituição da preparação dos ataques e chegar aos suspeitos, precisamente através da análise do histórico das comunicações.

Deu ainda como exemplo, casos de "violadores em série", que muitas vezes andam a vigiar previamente as vítimas" em que os metadados, que dão a localização dos utilizadores dos telemóveis, é que vão ajudar a colocar os suspeitos nos locais do crime.

"E o que vamos dizer às vítimas de todos estes crimes? Em que patamar fica a realização da Justiça na resposta que temos de dar às vítimas? Dizemos que não temos direito de investigar? Estamos a falar de crimes em que pode não haver um suspeito à partida, às vezes é preciso um mês, dois, ou muito mais, analisando as comunicações relacionadas, para se chegar aos suspeitos e depois disso cruzar com outras ligações".

A proposta do Governo prevê o acesso às bases pelas polícias de investigação criminal de dados mantidas pelas operadoras no exercício da sua atividade comercial (os dados da faturação), cuja guarda é de apenas seis meses.

O projeto de lei do PSD, por seu lado, "prevê a retenção dos dados em Portugal ou na União Europeia, a notificação dos interessados e reduz o prazo de conservação (12 semanas) em conformidade com o princípio da proporcionalidade".

Por seu turno, a proposta do PCP, procurando "conciliar os objetivos de eficácia da investigação da criminalidade mais grave com a salvaguarda dos valores constitucionais violados pela lei em causa", defende o armazenamento por 90 dias, a guarda em território nacional e a comunicação aos visados, logo que o juiz de instrução considere que não compromete as investigações em causa.

Todos estes prazos são, como já referido, "muito curtos" no entender de Luís Neves.

O diretor da PJ informou ainda os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, que a posição que estava ali a transmitir era a de todos os "colegas" dos órgãos de investigação criminal.

"Este é um momento trágico para a obtenção de provas na investigação criminal", salientou.

Luís Neves ainda levantou a questão sobre o facto de a investigação criminal ficar dependente do armazenamento dos dados de faturação das operadoras. "Deixo aqui uma questão que pode ser bombástica, que é se as operadoras, por uma questão de negócio, decidirem que já não precisam de guardar mais estes dados? O país fica despido.".

O diretor da PJ, fez questão em valorizar o papel das operadoras na guarda dos dados que até ao chumbo do TC eram armazenados em bases de alta segurança. "A não ser um caso em particular em que houve acesso ilegítimo a dados de faturação, aqui estamos a falar de bases de dados que nunca foram violadas e que têm a função social de realização de Justiça".

"Há que haver equilíbrio, estamos a falar de dados anonimizados que só são utilizados com validação judicial e quando alguém é suspeito. Não há uma utilização generalizada", acrescentou.

Conforme o DN noticiou nesta quinta-feira, cinco meses depois do Tribunal Constitucional (TC) ter declarado inconstitucionais as normas da chamada "lei dos metadados", que determinava a conservação pelas operadoras dos dados de tráfego e localização das comunicações pelo período de um ano, visando a sua eventual utilização na investigação criminal, nem a Procuradoria-Geral da República (PGR), nem a Polícia Judiciária (PJ), revelam qual foi o impacto nas investigações em curso ou concluídas até essa data, nem quantos processos já foram arquivados.

Questionado pela deputada do PSD, Mónica Quintela, Luís Neves respondeu não ter "percentagens dos processos" que podem ficar comprometidos, confirmando que a PJ tinha passado a recorrer às bases comerciais das operadoras e, através da lei do cibercrime, para aceder à identificação dos IP, nas comunicações da internet.

"À medida que vamos mexendo nos processos está a ser feita uma avaliação criteriosa pelos inspetores responsáveis sobre a importância" dos metadados "para se trabalhar no sentido de esses dados não serem determinantes", assegurou.

O TC entendeu que guardar os dados de tráfego e localização de todas as pessoas, de forma generalizada, "restringe de modo desproporcionado os direitos à reserva da intimidade da vida privada e à autodeterminação informativa".

Na altura em que foi conhecido o acórdão de 19 de abril, juízes, procuradores, polícias temiam que esta decisão pudesse por em causa milhares de processos (cibercrime principalmente, mas também terrorismo, raptos, crime organizado, tráfico de droga e armas, corrupção, branqueamento de capitais, por exemplo) quando na base da incriminação do suspeito tivessem estado estas informações obtidas das operadoras, o que, de acordo com os vários interlocutores ouvidos pelo DN, constituíam a prova de grande parte dos inquéritos.

Em maio, conforme noticiou o DN, o diretor nacional, Luís Neves, chamou à sede da PJ para uma reunião de urgência todos os dirigentes das unidades nacionais e responsáveis pelas diretorias e departamentos regionais, para fazerem em conjunto uma análise das consequências da decisão do TC.

Luís Neves não tinha ainda uma estimativa sobre o número de inquéritos que podiam cair se lhes fosse retirada a informação dos metadados. "Terá de ser visto caso a caso. Há muitos inquéritos que não precisam dessa informação ou podem ser concluídos com base noutras provas. Pedi a todos os dirigentes que tivessem isso em conta", frisou.

Esta foi uma das ordens que saiu da reunião com todos os altos dirigentes da PJ. Todos os inquéritos deveriam ser analisados e verificado se os metadados são um elemento essencial de prova.

Outra medida tomada foi a criação de um despacho determinando que as informações sobre as comunicações de suspeitos passem a ser requeridas aos tribunais (e estes às operadoras) ao abrigo da lei 41/2004, e não a 32/2008, chumbada pelos juízes do Palácio Ratton.

Este diploma permite às operadoras guardarem, para efeitos comerciais, os metadados dos clientes e veio depois a estar na base da proposta de lei do governo, que vai ser discutida na especialidade, juntamente com projetos de lei do PSD e Iniciativa Liberal, para permitir às polícias o acesso a estes dados sem por em causa as razões invocadas para a inconstitucionalidade.

- Terrorismo, organizações terroristas, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo;

- Criminalidade violenta: crimes contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública, puníveis com pena de prisão de máximo igual ou superior a cinco anos;

- Criminalidade altamente organizada: associação criminosa, tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas, tráfico de armas, tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, corrupção, tráfico de influência, participação económica em negócio ou branqueamento;

- Sequestro, rapto e tomada de reféns;

- Crimes contra a identidade cultural e integridade pessoal;

- Crimes contra a segurança do Estado;

- Falsificação de moeda ou títulos equiparados a moeda;

- Crimes abrangidos por convenção sobre segurança da navegação aérea ou marítima.

- Para encontrar e identificar o destino de uma comunicação;

- Para identificar a data, a hora e a duração de uma comunicação;

- Para identificar o tipo de comunicação;

- Para identificar o equipamento de telecomunicações dos utilizadores ou o que se considera ser o seu equipamento;

- Para identificar a localização do equipamento de comunicação móvel.

- O número de telefone de origem;

- O nome e o endereço do assinante ou do utilizador registado;

- Os números marcados e, em casos que envolvam serviços suplementares, como o reencaminhamento ou a transferência de chamadas, o número ou números para onde a chamada foi reencaminhada;

- A data e a hora do início e do fim da comunicação;

- O identificador da célula no início da comunicação, que permite a localização.

Na internet

- Os códigos de identificação atribuídos ao utilizador;

- O código de identificação do utilizador e o número de telefone atribuídos a qualquer comunicação que entre na rede telefónica pública;

- O nome e o endereço do assinante ou do utilizador registado a quem o endereço do protocolo IP, o código de identificação de utilizador ou o número de telefone estavam atribuídos no momento de determinada comunicação;

- O código de identificação do utilizador ou o número de telefone do destinatário pretendido ou de uma qualquer comunicação telefónica através da internet;

- A data e a hora do início (log in) e do fim (log off) da ligação ao serviço de acesso à internet com base em determinado fuso horário, juntamente com o endereço do protocolo IP, dinâmico ou estático, atribuído pelo fornecedor do serviço de acesso à internet a uma comunicação, bem como o código de identificação de utilizador do subscritor ou do utilizador registado.

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