Direito de autor europeu no mundo digital

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A estratégia para o mercado único digital, adotada em maio de 2015 pela Comissão Europeia, salientou a necessidade de "reduzir as diferenças entre os regimes nacionais de direitos de autor e [...] permitir um maior acesso dos utilizadores a obras em linha em toda a UE". Nesse mesmo ano, a Comissão definiu ações específicas para modernizar as normas de direitos de autor da União numa comunicação intitulada "Rumo a um quadro de direitos de autor moderno e mais europeu". Como se pode ler, as boas intenções já têm a força da letra nas recomendações das instituições europeias, falta que todos as levem a sério e o espírito das recomendações se concretize na prática.

O direito de autor confere ao detentor de criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico o direito exclusivo de copiar, reproduzir, distribuir, adaptar ou apresentar a sua obra durante um determinado tempo até que a obra passe a fazer parte do domínio público. A este propósito, recordemos a Convenção de Berna para a Proteção de Trabalhos Literários e Artísticos em 1886, que marcou uma viragem no reconhecimento internacional e harmonização dos direitos de autor. Hoje conta com o acordo de 171 países, incluindo Portugal, que aderiu em 1911. A convenção prevê uma proteção de 50 anos a partir da morte do autor, permitindo que os Estados signatários possam estabelecer proteções mais longas.

Contudo, as tecnologias digitais vieram alterar não só a forma como as obras são criados e exploradas, mas também a produção, a distribuição e a exploração das mesmas, dando lugar a novos modelos empresariais. Esta nova realidade originou uma maior tensão entre o autor e o editor/empresário, que precisa do direito do criador para explorar a obra e usar da maior eficiência económica em seu benefício. As publicações académicas são um exemplo paradigmático. A editora aceita um artigo para publicação numa revista científica mediante a assinatura de um contrato para transmissão de direitos de autor, usufruindo de direitos conexos com o direito do criador. A figura dos direitos conexos está mais próxima do conceito de copyright. São direitos que se justificam pelo investimento realizado em atividades relacionadas com a exploração das obras.

Neste domínio, tenhamos presente que a inovação da imprensa no século XV já demonstrara este desequilíbrio com os privilégios a serem atribuídos aos impressores. Hoje, a frágil condição económica dos autores e artistas-intérpretes ou executantes põe em causa a sua dignidade e desincentiva a criatividade com implicações a nível da inovação que se produz na União Europeia. Impõe-se uma maior harmonia de interesses entre os titulares dos direitos de autor, os direitos conexos e o interesse público, em defesa da educação, da cultura e da ciência. À medida que se avança para a publicação eletrónica, vai ser necessário uma política concertada de propriedade intelectual.

Contudo, é cada vez mais difícil defender que a propriedade intelectual tem como objetivo a defesa do autor. A posição empresarial está sempre presente quando se discute o direito do criador. Os modelos empresariais vieram enfraquecer o sistema de proteção do direito de autor ao mesmo tempo que a reprodução e a difusão rápida de obras protegidas promovem a violação em massa dos direitos de autor.

Era expectável que os avanços tecnológicos determinassem uma redução dos custos de distribuição e permitissem a democratização do acesso à informação. Porém, não só não se verificou a redução de custos esperados com as publicações eletrónicas como ainda se constatam novos aumentos que são justificados pelas editoras com a ineficiência económica provocada pelos custos a nível gráfico, as ligações eletrónicas, as bases de dados, as citações e as imagens e ainda o decréscimo de subscrições, entre outros.

Não obstante os avanços conseguidos pela Organização Mundial para a Propriedade Intelectual, impõe-se um novo instrumento jurídico europeu em matéria de direito de autor e direitos conexos que adapte e complemente a legislação existente, de modo a dar uma resposta adequada e eficaz à realidade económica e às novas formas de exploração que a mesma comporta, designadamente o modelo das Creative Commons (CC). Neste modelo cabe ao autor criar a licença que melhor se adequa aos seus interesses, conjugando atributos obrigatórios e opcionais que vão desde a licença de utilização livre da obra pelo público à não permissão para fins comerciais, passando pela proibição de realização de obras derivadas.

É certo que o autor não possui um direito absoluto e como tal admitimos exceções e limites ao direito de autor e aos direitos conexos relativamente a textos, dados ou outro material protegido para fins de investigação científica e para o exercício de atividades pedagógicas. É igualmente verdade que as alterações promovidas pela sociedade de informação expandem a obra intelectual com vantagens para os criadores. Porém, constatamos que a globalização da obra e a universalidade dos direitos de autor estão sujeitos aos obstáculos que resultam da fragmentação dos regimes jurídicos que enquadram esta matéria. Estes desafios deram origem ao Movimento do Acesso Aberto, que defende novos modelos de publicação, preferencialmente baseados em financiamento do Estado. Só assim será possível defender o conhecimento como um bem público.

Enquanto permanece a incerteza jurídica neste domínio, exige-se da academia o cumprimento rigoroso de uma conduta ética em defesa da propriedade intelectual e da dignidade dos criadores. É com este encargo que a Universidade Europeia prepara o novo ano académico.

Foi tendo em conta este vasto conjunto de preocupações que em setembro de 2016 a Comissão Europeia publicou uma proposta de diretiva relativa aos direitos de autor no mercado único digital e em defesa do licenciamento, na qual prevê exceções e limitações ao direito de autor e direitos conexos para fins de investigação, para atividades pedagógicas e para pessoas com necessidades especiais. Acontece porém que não é fácil conciliar os desafios em jogo, pelo que os mesmos continuarão a alimentar debates por toda a Europa.

Prof. Univ. Europeia e vice-pres. Movimento Europeu Portugal

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