Durante a campanha eleitoral que o conduziu ao Palácio do Planalto, o então candidato Jair Bolsonaro usou a casa de um empresário carioca chamado Paulo Marinho como sede. O carro dele para se transportar. A cozinheira dele para se alimentar. E até o ginásio dele como estúdio de gravação dos tempos de antena. Notícia ao longo da vida apenas por ser ex-marido e pai da única filha da atriz Maitê Proença, o silencioso e discreto Marinho é o protótipo da eminência parda. Pois nas últimas semanas ele resolveu falar.."O João Doria era o meu candidato original em 2018, mas não era candidato na ocasião, por isso abracei a candidatura do capitão Jair Bolsonaro como atalho para derrotar o PT (...) Doria teve uma vida empresarial de grande sucesso, diferentemente do capitão (...) Doria presidente em 2022? Se dependesse de mim, ele era presidente hoje", disse, em conversa com o Folha de S. Paulo, logo o jornal que mais irrita o presidente..No meio dos escombros do governo Bolsonaro - os eleitores que desaprovam a atuação do chefe de Estado passaram de 28,2% em fevereiro para 53,7% em agosto e a rejeição ao seu executivo cresceu 20 pontos no mesmo semestre, segundo sondagem CNT-MDA -, Marinho deu o tiro de partida para as eleições de daqui a três anos do lado conservador..Depois de tantos anos afastada do poder - na visão do mundo da nova direita brasileira os governos de Fernando Henrique Cardoso, também eram, assim como os de Lula da Silva e de Dilma Rousseff, de esquerda -, a direita não quer passar, outra vez, à oposição..E, para a maioria deles, neste momento o destino parece desaguar em Doria, o governador de São Paulo, a mais rica, influente e populosa das 27 unidades federativas do Brasil..Mas há opiniões contrárias - e não são poucas. "A esquerda passou décadas ouvindo que só se une no cárcere. Agora, pode desforrar-se e dizer que a direita só se junta no impeachment", resumiu Fábio Zanini, colunista da Folha..Com efeito, a direita parecia muito mais unida durante o descalabro galopante do segundo governo Dilma do que agora que o Planalto lhe caiu no colo. Nas ruas, grupos unidos em protestos pelo impeachment dela, como o Direita São Paulo e o Movimento Brasil Livre (MBL) passaram a estar em lados opostos da barricada..No Parlamento, deputados de direita moderada ou radical, conservadora ou liberal insultam-se - Kim Kataguiri, expoente do MBL, chamou na quinta-feira Eduardo Bolsonaro de "covarde" e de "fantasma", na enésima briga entre ex-aliados nesta legislatura. Alexandre Frota, Joice Hasselmann, Carla Zambelli, Major Olímpico e de novo Eduardo, todos deputados (ou ex-deputados, no caso de Frota) do partido de Bolsonaro, vêm trocando insultos de baixíssimo calão, para divertimento da audiência..E ao mais alto nível, Bolsonaro, além dos já lendários choques com o vice-presidente Hamilton Mourão, ainda puxa o tapete a Sergio Moro, o mediático ministro da Justiça, e vem divergindo muito mais do que convergindo com Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados e membro do DEM, o partido de direita com mais ministros no governo..No meio de toda essa fragmentação, há mais vida além de Doria, o novo afilhado de Marinho, na direita que aponta a mira para 2022. A começar, claro, por Bolsonaro..JAIR BOLSONARO (PSL) Presidente da República.Populista e carismático, o presidente, ao contrário dos seus potenciais rivais, é hoje conhecido de toda a população - "do Oiapoque (cidade mais a norte do Brasil) ao Chuí (cidade mais a sul)", como se costuma dizer no Brasil de alguém ou de alguma coisa com projeção nacional..Por isso, apesar das trapalhadas diárias em que se envolve, tem trunfos para 2022. Mas, para tanto, precisa que o país dê respostas económicas positivas até lá. E ter vontade de permanecer num cargo para o qual até o próprio, numa ocasião, já se disse sem vocação. No entanto, noutra ocasião, lançou-se à reeleição, sem ninguém lhe perguntar nada..E vai mandando indiretas a Doria e ao apresentador (e candidato?) Luciano Huck - "mamaram nos governos do PT". E cotoveladas a Moro - "quem manda na Justiça sou eu" - por trás dos afagos públicos..JOÃO DORIA (PSDB) Governador de São Paulo.As eminências pardas da direita, incluindo os tubarões do mercado, estão do seu lado e o tempo também. Esperto (os adversários preferem o adjetivo oportunista), soube pedir o voto "BolsoDoria" na campanha - Bolsonaro para presidente, Doria para governador - e afastar-se do chefe do Estado à medida que a sua popularidade se esvaía..Chocou de frente com o presidente em questões como a mudança da sede do Grande Prémio do Brasil em fórmula um de São Paulo para o Rio e repreendeu o ataque presidencial à família Santa Cruz, vítima da ditadura militar..Mais: aproveitando a guerra surda entre Bolsonaro e Moro, já namora o ministro da Justiça como seu candidato a vice em 2022. "Quem não gostaria de o ter?", perguntou-se..Entretanto, está a sentir dificuldades para domar o seu próprio partido: defendeu a expulsão de Aécio Neves, réu por corrupção, mas foi derrotado em toda a linha (30 votos a quatro) na comissão executiva do PSDB..Este fim de semana, comentando o tema eleições de 2022, Bolsonaro disse sobre Doria: "Doria está morto" para 2022, declarou, citado pelos media brasileiros..SERGIO MORO Ministro da Justiça.Mais popular do que Bolsonaro e do que Doria, só não será candidato a presidente se não quiser. Ou seja, se preferir agarrar um lugar no Supremo Tribunal Federal conforme o presidente lhe prometera em novembro. Mas o ex-juiz da Lava-Jato já sabe o que a palavra do presidente vale: também em novembro, Bolsonaro deu-lhe carta-branca para escolher os colaboradores que quiser; agora, com o filho Flávio em maus lençóis na justiça, diz que quem manda é ele..Só não será candidato a presidente se não quiser ou se não puder: a Vaza Jato, conjunto de reportagens em que a sua parcialidade no julgamento de Lula foi escancarada, causou-lhe danos graves na imagem e não tem data para acabar..LUCIANO HUCK Apresentador de televisão.Em 2018, Fernando Henrique Cardoso lançou o nome do apresentador do Caldeirão do Huck, programa vespertino popularucho, para a arena eleitoral. Houve quem risse. E houve quem levasse a eventual candidatura muito a sério - a começar pelo próprio e por Paulo Guedes, o hoje ministro da Economia e guru financeiro de Bolsonaro, que só abraçou o projeto do capitão depois de o comunicador decidir sair do pleito..Envolvido com política desde então, já se posicionou sobre o atual governo, ao criticar a ministra Damares Alves, assumindo-se como liberal nos costumes, e ao chamar Bolsonaro de "último capítulo do caos". O presidente acusou o golpe e respondeu, divulgando uma lista, de que Huck faz parte, assim como Doria, de beneficiados com crédito público para aquisição de um jato..WILSON WITZEL (PSC) Governador do Rio de Janeiro.A revista Época divulgou uma imagem que o governador do Rio gosta de partilhar com os amigos nos grupos de WhatsApp de que faz parte: é uma montagem do próprio com a faixa presidencial ao peito..A insistência de Witzel em assumir-se candidato ao Planalto em 2022 é tanta que o Flávio Bolsonaro, senador pela Cidade Maravilhosa, que o apoiou em 2018, já se confessou incomodado perante colaboradores..Entretanto, o governador, juiz de profissão, eleito na senda do bolsonarismo com o discurso "bandido bom é bandido morto", já faz campanha. Após um sniper abater um sequestrador de autocarro no início do mês, fez-se filmar a festejar a morte do criminoso como se o seu clube de futebol acabasse de marcar um golo..HAMILTON MOURÃO (PRTB) Vice-presidente da República.O descompasso total da agenda do presidente e do seu vice - quando um se reunia com israelitas, literalmente, o outro encontrava-se com os países árabes - levou Olavo de Carvalho, guru intelectual de Bolsonaro, e Carlos, o segundo filho do presidente, a lançarem violentos ataques ao general nas redes sociais com base em suspeitas de traição..Enquanto isso, no PRTB, o pequeno partido de Mourão, não há dúvidas de que o seu correligionário daria um ótimo presidente. Em 2022? No caso dele, na eventualidade de um impeachment, até antes..RODRIGO MAIA (DEM) Presidente da Câmara dos Deputados.Se Bolsonaro, por força da campanha e do desempenho da presidência, é conhecido do Oiapoque ao Chuí, o chefe dos deputados, num país de dimensões continentais e ainda muito mais apolítico do que a média dos países europeus, é famoso em Brasília, no Rio de Janeiro natal e pouco mais..Aí, no entanto, vem costurando uma rede de apoios políticos e económicos graças à sensatez demonstrada no meio dos dislates bolsonaristas que lhe podem ser úteis caso decida concorrer - em 2018 ameaçou entrar na disputa mas saiu da corrida, lá está, por lhe faltar fôlego nacional.JOÃO AMOÊDO (NOVO) Empresário.Em 2018, as televisões não o convidaram para os debates por, supostamente, valer "zero vírgula qualquer coisa" nas sondagens. Mesmo assim, o milionário presidente do Novo foi o quinto mais votado, à frente de Henrique Meirelles, Marina Silva, Álvaro Dias e Guilherme Boulos, que participavam nesses debates - Bolsonaro também pouco participou e ganhou, diga-se..Ultraliberal na economia e também liberal nos costumes - o que o separa do presidente -, voltará em 2022 como nome forte, sobretudo, no sudeste do Brasil, região mais permeável à sua agenda..O pequenino partido que fundou, entretanto, está com dores de crescimento: os seus dois principais representantes saídos de 2018, Romeu Zema, governador de Minas Gerais, e Ricardo Salles, o ministro do Meio Ambiente sobre o qual caiu a revolta no mundo, não têm tido mandatos muito auspiciosos.