Diplomacia: um instrumento crucial para o pós-covid

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Não salte já para o artigo seguinte. Eu também já não posso ouvir falar de Covid.

Tal como a maioria das caras e caros leitores do DN, há muito que esgotei a paciência para mais análises e reflexões sobre a monotemática que sequestrou o nosso espaço público.

Mas se não há dúvidas que as discussões em torno da pandemia se tornaram insuportáveis, é igualmente verdade que uma importante dimensão do fenómeno tem passado, em larga medida, despercebida.

Além da resposta sanitária, das medidas sociais, dos pacotes financeiros e das reformas económico-laborais, um país com as características de Portugal tem o dever de complementar a estratégia de saída da crise com um redesenho da sua agenda diplomática. Começando pelo lugar que ocupa na hierarquia de prioridades do Estado.

Não sendo eu funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, nem dependendo das ações ou omissões das Necessidades, considero ser nossa obrigação coletiva - nossa, de todos nós, cidadãos e contribuintes - reconhecer que a diplomacia não é um mero cost of doing business entre Estados, de utilidade questionável para o nosso dia-a-dia e desfasado da realidade do país.

A diplomacia deve ocupar uma posição central na estratégia portuguesa para o futuro.

Para isso, este instrumento de política externa, que tem como missão a defesa dos interesses nacionais por via pacífica, terá de manter os seus eixos centrais: a aliança com a principal potência atlântica e o compromisso com o projeto Europeu. Mas deverá reconfigurar a sua aposta nos palcos - geográficos, como a América Latina e Caraíbas, temáticos, como a Saúde, e conceptuais, como aliando-se ao setor privado - em que pode jogar proativamente, sem depender das dinâmicas globais de poder.

Apesar da necessidade de se adaptar tanto às consequências do acelerado Decoupling entre Estados Unidos e China, como aos avanços e recuos de Bruxelas no domínio dos assuntos exteriores, Portugal encontra-se hoje numa posição de rara vantagem para conquistar influência política e oportunidades de negócio à escala internacional.

A recente credibilidade - adquirida com a recuperação económico-financeira e com o êxito, até ver, da resposta à pandemia - e o nosso histórico capital de simpatia - reforçado, nos últimos anos, por vitórias no universo do soft power, diplomático, desportivo, turístico e cultural - constituem alavancas para o acesso preferencial a decisores, públicos e privados, e que conferem autoridade sobre os processos e mecanismos que mais nos interessam.

Sejamos realistas. Com um território continental exíguo e uma plataforma marítima virtualmente impossível de controlar, como de aproveitar, sozinho; demográfica e economicamente irrelevante no contexto global; sem conectividade a redes de mercados e consumidores com elevado poder de compra; com escassos recursos naturais ou meios tecnológicos e fiscalmente assustador para o investimento estrangeiro, Portugal é mais um espectador do que um ator, mesmo a nível regional.

Teremos sempre de navegar em ondas maiores do que a nossa pequena, mas digna, embarcação. E é por isso que, num quadro de globalização incerta e com superpotências em enfrentamento, a diplomacia é tão importante.

Neste contexto, um caminho possível - senão incontornável - para a modernização do nosso arsenal diplomático passa pela Saúde.

Portugal deve apostar numa Diplomacia da Saúde, apoiando-se nas valências do robusto cluster, que conseguiu estabelecer há mais de uma década, e exportando o manual de boas práticas e lições aprendidas com a resposta de emergência ao Covid. Desenvolvam-se projetos de cooperação com ministérios de outros países, autoridades da saúde e reguladores, que envolvam redes de hospitais privados e as cadeias-de-valor empresariais, e colabore-se ativamente em campanhas de sensibilização junto dos consumidores-utentes.

Olhe-se com determinação para a América Latina e Caraíbas, uma das regiões mais ricas e diversas do planetae onde as nossas vantagens comparativas são reconhecidas. Falamos de 33 países com infinito potencial e com inúmeros desafios, que temos capacidade empresarial, científica e institucional para ajudar a resolver, de onde os Estados Unidos têm vindo a desaparecer paulatinamente, onde a China tem uma presença crescentemente questionada e onde temos mais espaço para colaborar do que para competir com os nossos parceiros europeus.

Finalmente, esta é uma oportunidade para Portugal quebrar definitivamente com o velho paradigma dacooperação para o desenvolvimento. Primeiro, abandonando a obsoleta visão assistencialista, liderando redes de colaboração - descomplexadas e libertas de grilhões ideológicos - entre os esforços do Norte e do Sul Global.

E, depois, rompendo com a ineficaz obsessão estatista, que continua a privilegiar o monopólio insuficiente dos atores públicos e não lucrativos e que insiste em deixar de fora o valor que o setor privado pode e está disponível para acrescentar, nomeadamente na profissionalização, escrutínio e exigência de resultados.

Se defendemos respostas globais para problemas globais, trabalhemos, pois, em equipa. Coloquemo-nos de acordo sobre o insubstituível contributo da diplomacia para o futuro do Estado português: para a competitividade do país e para a prosperidade de todos os cidadãos.

Secretário-geral do IPDAL

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