Diploma que conclui reorganização da Proteção Civil está na gaveta há três anos
Passados cinco anos dos trágicos incêndios de Pedrógão Grande, a reorganização daquele que é o comando máximo do combate aos fogos, ordenada pelo Governo em 2017, ainda não está concluída.
A nova lei orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC) foi aprovada logo em 2019, mas um derradeiro diploma, uma Portaria já proposta pelo atual presidente Brigadeiro General Duarte da Costa, está na gaveta há três anos.
Numa altura em que os incêndios voltaram a marcar a agenda com algumas acusações de descoordenação, o reforço da estrutura da Proteção Civil, determinada pelo Resolução de Conselho de Ministros (RCM) em 2017, ficou para trás, ao contrário da Agência Integrada para os Incêndios Florestais (AGIF) e do Instituto para a Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), que viram a sua reorganização terminada em 2018 e 2019, respetivamente, já com algumas atualizações.
Na RCM, que teve por base o relatório da Comissão Técnica Independente (CTI), mandatada pela Assembleia da República, sobre as causas dos incêndios de 2017, o Governo comprometia-se a "adotar um conjunto de medidas sólidas que configuram uma reforma sistémica na prevenção e combate aos incêndios florestais".
Tal reforma, era assinalado, "deve ser profunda, nos termos propostos pela CTI, mas levada a cabo sem ruturas, contando com a intervenção e valorizando todas as instituições que têm assegurado o Dispositivo contra Incêndios Florestais. Reforçar a profissionalização e capacitação do sistema exigirá ainda que a ANPC (atual ANEPC) seja definitivamente instalada, com mapa de pessoal próprio e devidamente dotado, com carreiras estáveis e organizadas, bem como uma estrutura de direção consolidada e preenchida nos termos da lei geral, mediante concurso".
Ficou ainda decidido "rever, até ao final do primeiro trimestre de 2018, e reforçar a estrutura orgânica da ANPC com os objetivos de redefinir a constituição e os critérios de designação da sua estrutura de comando e de criar uma carreira estável e organizada para a respetiva força operacional, fomentando a formação especializada o desenvolvimento de competências operacionais".
Passados dois anos, de facto, foi aprovada uma nova lei orgânica, mas para a concretizar seria preciso que fosse aprovada uma Portaria que estabelece toda a "estrutura nuclear" da ANEPC e respetivas competências das unidades orgânicas, consistindo num reforço das mesmas em recursos humanos qualificados.
"É fundamental o estabelecimento de uma estrutura capaz de responder às áreas diversas de intervenção no âmbito da proteção e socorro", sublinha uma fonte superior da ANEPC que está a acompanhar o processo, lamentando que, "passado tanto tempo" esta "continue desorganizada, com impactos negativos no seu funcionamento interno".
CitaçãocitacaoA não publicação da portaria colide irremediavelmente com a lógica regional, designadamente, a alteração do modelo de relação entre os diferentes níveis da administração, central, regional e sub-regional, patente na nova lei orgânica em vigor.
Uma outra fonte interna, sublinha que "a não publicação da Portaria colide irremediavelmente com a lógica regional, designadamente, a alteração do modelo de relação entre os diferentes níveis da administração, central, regional e sub-regional, patente na nova lei orgânica em vigor".
Exemplo disso, explica, "é a proposta de criação de uma nova Direção de Serviços de Coordenação Regional de Prevenção e Gestão de Riscos responsável, nas circunscrições territoriais correspondentes aos comandos regionais de emergência e proteção civil, pela organização da atividade de prevenção e gestão de riscos, e pela implementação do eixo de proteção contra incêndios rurais, no âmbito da prevenção".
A sua não publicação, alegam estas fontes da ANEPC, "só irá atrasar todas e quaisquer medidas que urge implementar em matéria de prevenção que terão um real impacto na resposta operacional. Em vez de se apostar na área da prevenção, os governantes continuam unicamente preocupados com o combate e com os números da área ardida".
CitaçãocitacaoO atraso da publicação da Portaria tem uma interferência direta na prossecução da missão da proteção civil.
"O atraso da publicação da Portaria tem, assim, uma interferência direta na prossecução da missão da proteção civil", alertam.
"Ainda que tenham sido realizados todos os esforços por parte da ANEPC no sentido de apresentar uma proposta de portaria adequada aos desafios que decorrem da necessidade de deter uma estrutura que consiga responder aos acidentes graves e catástrofes que acontecem cada vez com maior frequência, intensidade e impacto, a verdade é que a espera de três anos resulta num impasse, com impacto na eficiência do serviços, nos resultados operacionais e que desmotiva, até, os próprios trabalhadores", acrescenta o quadro superior.
Ao que o DN soube esta reorganização terá um custo estimado de quatro milhões de euros anuais, a somar aos pouco mais de 200 milhões de euros por ano do orçamento da ANEPC.
Questionado pelo DN, o gabinete do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro - que já encontrou este processo adiado na gaveta - não apresenta o argumento financeiro como entrave.
"Pretende-se que a publicação da portaria ocorra o mais rapidamente possível para ser implementada na ANEPC assim que possível", garante fonte oficial.
Recorda que "este processo iniciou-se em março de 2020, mas a alteração do titular da pasta da Administração Interna (dezembro de 2021), a marcação de eleições legislativas e a demora na conclusão do processo eleitoral para a constituição do XXIII Governo Constitucional (que só tomou posse a 30 de março de 2022), contribuíram para o atraso na aprovação desse projeto de Portaria".
O mesmo porta-voz afirma que a não publicação deste diploma "não tem qualquer interferência ou impacto na sua estrutura operacional e, consequentemente, na resposta operacional aos incêndios rurais" e que "devido à mudança do Governo, o projeto de Portaria está a ser novamente avaliado pelos atuais titulares das áreas governativas em causa", entre os quais o Ministro das Finanças, Fernando Medina.