Diabetes mata uma pessoa a cada cinco segundos

A nível global, um em cada dez adultos vive com diabetes, uma doença que afeta cerca de 537 milhões de pessoas e responsável por 6,7 milhões de mortes em 2021. As novas terapias abrem uma janela de esperança, mas ainda não chegam a todos de forma igualitária.
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No ano em que se celebram os 100 anos da descoberta da insulina, ainda se morre por falta da terapia que salva vidas. José Boavida, médico endocrinologista e presidente da APDP - Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal recorda a importância desta inovação terapêutica, mas alerta para as desigualdades na sua distribuição e comercialização em algumas partes do mundo. À margem do Congresso Virtual IDF 2021, que terminou no sábado, e que teve como tema principal as complicações da diabetes e o impacto da covid-19, o clínico criticou a atuação da indústria e dos governos que não fazem o suficiente para que a insulina seja distribuída a um preço justo. "A insulina foi dada aos laboratórios, por quem a descobriu, pela quantia simbólica de um dólar pela patente, porque era um bem da humanidade", reforça, acrescentando que "não podemos continuar a assistir a uma ganância da indústria farmacêutica, especialmente em África, onde as insulinas são completamente inacessíveis, e vendidas sem condições".

A juntar à temática da insulina, estiveram ainda em debate as complicações da diabetes e as terapêuticas que poderão contribuir para a inversão da tendência crescente da doença que afeta atualmente cerca de 537 milhões de pessoas em todo o mundo. José Boavida explicou que a diabetes é avaliada em três eixos consoante as suas implicações, sendo um deles as doenças cardiovasculares, que representam a principal causa de morte. "A diabetes aumenta três a quatro vezes o risco de doença cardiovascular", salienta.

Num segundo eixo, que inclui as complicações na visão e nos rins, também tem havido avanços significativos no que se refere às terapêuticas. "As injeções dentro do olho permitem diminuir a evolução para a cegueira, embora a diabetes seja ainda a principal causa de cegueira em pessoas adultas", destaca. Em relação ao rim, a situação é semelhante à das doenças cardiovasculares, com os novos medicamentos a conseguir reduzir o número de pessoas que caminham para insuficiência renal. Ainda assim, aponta o presidente da APDP, a diabetes continua a ser a principal causa da insuficiência renal. "Quase 40% das pessoas fazem hemodiálise por causa da diabetes, e a perspetiva é que este número vai finalmente começar a baixar e vamos assistir a uma inversão da tendência".

O terceiro eixo, da neuropatia (diminuição da sensibilidade nervosa e das amputações) e do problema do pé diabético, exige também, na perspetiva de José Boavida, muita atenção. Ao longo dos últimos dois anos, desde o início da pandemia de covid-19, e de acordo com a OCDE, o número de amputações em Portugal aumentou e representa um dos piores resultados a nível europeu.

Por fim, e porque o tema da covid-19 é hoje incontornável, o impacto do vírus na diabetes foi incluído na agenda do congresso como um quarto eixo de complicações que não pode ser ignorado. "Isto foi abordado de dois pontos de vista: do aumento possível de pessoas com diabetes pelas condições que a pandemia criou - de isolamento e de mais sedentarismo -, mas também das pessoas que se infetaram com covid e em que a inflamação global do organismo levou ao aparecimento de diabetes", explica o presidente da APDP. Inclusivamente, acrescenta, "hoje coloca-se a hipótese de o vírus poder atacar o pâncreas e diminuir a produção de insulina".

O outro ponto de vista é o do impacto da covid na diabetes e vice-versa. Os números são claros: dos cerca de 10% das pessoas que, a nível global, são internadas, 30% a 40% têm diabetes; cerca de 20% a 30% vão para os cuidados intensivos e, dessas pessoas, cerca de 20% morrem. "São números que demonstram o impacto da diabetes e que justificam muita da ação que a APDP teve junto do Governo e das autoridades de saúde, colocando sempre a necessidade de uma atenção especial às pessoas com diabetes".

Travar o avanço da diabetes, que é hoje uma doença crónica nos países mais desenvolvidos, exige um aumento da sensibilização. Em Portugal, um dos países da Europa com maior incidência da doença, este trabalho é ainda mais prioritário. José Boavida destaca o envelhecimento da população como a primeira causa, mas também a obesidade. "Durante vários anos, Portugal esteve nos primeiros três lugares de países com mais obesidade infantil, embora agora pareça começar a estar a controlar-se melhor", salienta o presidente da APDP. É preciso, por isso, e como recomenda o clínico, que a população aposte numa alimentação equilibrada e em atividade física regular. "Temos sempre de ter em conta a prevenção da diabetes, depois a prevenção das suas complicações e a prevenção das incapacidades das complicações da diabetes", conclui.

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