A história do mítico Regimento de Comandos ficou ontem ensombrada com a detenção de sete militares por suspeita de crimes praticados na instrução. Mas, se apurar as causas das duas mortes ocorridas em setembro suscita consenso, já o mediatismo da sua transferência para Tomar e regresso hoje a Lisboa para interrogatório suscitou mal-estar nas fileiras e em antigos oficiais.."As dúvidas que tenho, a tristeza que sinto, passam por os ter visto detidos sem nenhuma necessidade. Nenhum dos militares iria fugir nem constituíam perigo para ninguém", lamentou ao DN o coronel Carlos Matos Gomes, um dos mais prestigiados militares comandos e que foi fundador de três unidades da especialidade..Os sete militares, cinco oficiais - um deles diretor do curso e outro o médico - e dois sargentos foram detidos pela Polícia Judiciária Militar no âmbito do inquérito criminal à morte de dois instruendos no 127.º Curso de Comandos. São suspeitos da prática dos crimes de "abuso de autoridade por ofensa à integridade física" (tipificado no Código de Justiça Militar) e de "omissão de auxílio" (especificado no Código Penal)..O primeiro crime é punível com prisão de cinco a 12 anos e o segundo com pena de prisão de até dois anos ou multa até 240 dias.."Acho uma medida extrema" a detenção para interrogatório, "que vai ter impacto muito grande na vida deles e da própria instituição", continuou Matos Gomes, considerando que "um juiz ou magistrado do Ministério Público deveria entender que há razões de justiça individual e de justiça institucional"..Isto resulta da perceção de que "quando se está a punir, em antecipação, elementos de uma instituição como as Forças Armadas está--se a afetá-la como um todo", em especial quando um deles é um oficial superior (o tenente-coronel diretor do curso), insistiu o militar..Nas redes sociais, militares dos Comandos mostravam ontem incompreensão com "o porquê da prisão" para interrogatório, "pois são militares no ativo" - pelo que, contou ao DN o coronel de infantaria na reserva Nuno Pereira da Silva, alastrava o entendimento de que "o objetivo é denegrir a instituição militar, dando um recado de que ninguém está acima da lei"..Associado a estas mortes está a memória de que "estes acidentes quase só acontecem nos Comandos", o que "é muito estranho", assinalou Nuno Pereira da Silva..Um militar no ativo adiantou, sob anonimato, por não estar autorizado a falar, que em cursos anteriores (como em 2015) era frequente haver instruendos internados com sintomas de rabdomiólise como os apresentados pelos do curso atual..O inquérito criminal da PGR, onde dois sargentos enfermeiros já tinham sido constituídos arguidos, foi aberto na sequência da morte de dois instruendos e do internamento de outros nove nos três dias seguintes, por causas atribuídas a um "golpe de calor". Eram todos militares do Exército voluntários para o Curso de Comandos, cujo primeiro dia de exercícios foi a 4 de setembro no Campo de Tiro de Alcochete..Ainda sem preparação ou resistência física e psicológica obtidas pelo treino nas forças especiais como Comandos, Paraquedistas, Fuzileiros ou Operações Especiais, os instruendos realizaram logo no primeiro dia exercícios sob temperaturas acima dos 40º centígrados.."Custa a crer e a aceitar que a culpa recaia nos instrutores do curso", observou o major-general comando Raul Cunha (na reserva), uma vez que "há fichas de instrução que têm padrões, repetições, tempos" para os diferentes exercícios. "O curso é duro, tem de o ser para preparar homens para as condições mais exigentes" nos teatros de guerra, sublinhou o juiz militar na Relação do Porto, lembrando que o Reino Unido "só num ano teve 80 baixas"..Acresce que os instruendos "já tinham semanas de adaptação" à dureza do curso, embora "as temperaturas tenham sido excecionais e aí depende muito da vontade de cumprir, quer de instrutores quer de instruendos", ressalvou ainda Raul Cunha. Certo é que "tem de ficar estabelecido nos referenciais do curso que determinados limites não podem ser excedidos, entre eles os de temperatura", alertou..O presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas, tenente-coronel António Mota, defendeu que o processo "seja levado às últimas consequências" para serem "apuradas as responsabilidades militares e também as políticas". Em causa, "a efetiva falta de recursos e meios que estavam alocados a esta situação concreta e que não dissociamos dos cortes feitos em termos de meios, pessoal e logística", frisou.