Desirée Vila, promissora atleta espanhola de ginástica acrobática, foi obrigada a amputar a perna direita em 2015 devido a um erro médico na sequência de uma operação a uma fratura da tíbia e no perónio. Tinha 16 anos na altura e todo um futuro pela frente. Hoje, cinco anos depois, não chora as feridas do passado. Tornou-se atleta paralímpica, pratica atletismo, garante que não trocava a vida de agora pela que tinha antes e prepara-se para participar nos Jogos Paralímpicos de Tóquio agendados para este verão.."Sinto-me abençoada. Não trocava a minha vida de agora pela que tinha antes, não trocava tudo o que tenho aprendido. Creio que apesar de todo o mal por que passei, tive muita sorte. Sou uma pessoa feliz apesar de ter estado numa situação crítica, pois podia ter morrido. Ajudou-me a relativizar as coisas e a perceber o que realmente é importante na vida", disse numa reportagem do jornal espanhol Marca.."Não vejo a amputação como algo de mau, até me trouxe coisas boas e mais oportunidades. Se não tivesse ficado sem a perna direita, nesta altura não estava a preparar-me para os Jogos Olímpicos, porque o desporto que praticava, a ginástica acrobática, não faz parte das modalidades olímpicas. Nem tão-pouco teria a oportunidade de viver no CAR de Madrid [um centro de alto rendimento desportivo na capital espanhola] nem seria embaixadora de marcas", revelou..Desirée Vila prometeu a si própria não cair em depressão nem se deixar ir abaixo. Pôs mãos à obra e escreveu um livro a contar todos os pormenores da sua vida desde a amputação. "A única coisa incurável é a vontade de viver." O livro relata histórias vividas no internamento no hospital, episódios da vida que praticava antes do incidente, da sua vida em geral e como foi a adaptação à nova realidade. "É quase como se fosse um diário pessoal.".A atleta não nega que às vezes lhe custa "ter de colocar uma prótese para poder correr" e que os primeiros tempos foram duros quando começou "a aprender a andar com a prótese ou quando queria andar de bicicleta". "Mas foram mais as coisas boas do que as más. Diria que foi uma grande aprendizagem", indicou..O primeiro ano foi mais complicado. Foi o tempo que demorou a colocar nas redes sociais fotografias em que aparecia com a prótese. "Quando alguém publicava uma fotografa onde se via, pedia logo para tirar. Agora sou eu que corto as minhas calças para que se veja. Gosto de ter a prótese e às vezes até mudo de cor. Sou uma pessoa feliz e, confesso, um pouco louca. Faz parte da minha identidade.".O funeral da perna para ultrapassar o trauma.Para superar o trauma, Desirée e a família fizeram uma ação simbólica. "Enterrámos a minha perna. Para mim foi como que o encerrar de uma etapa, bonita e de êxitos, mas consciente de que não podia focar-me no passado mas sim no presente e nas minhas limitações. Sou uma pessoa que acredita no destino e acho que isto está a acontecer-me por alguma coisa e que, mesmo que não tivesse havido negligência médica, teria acontecido de outra forma. É importante assumir e aceitar o luto e esquecer o passado", contou numa entrevista ao jornal La Vanguardia..A prótese de Desirée Vila é especial e pode ser controlada remotamente através do telemóvel ou por computador. "Posso pôr em modo bicicleta elétrica, correr ou qualquer outra atividade desportiva. O problema é quando acaba a bateria", confessou a atleta espanhola, que concilia os treinos de atletismo com os estudos de Relações Internacionais. "Todos temos discapacidades, que são os nossos limites, e também super-capacidades.".Foi no desporto, mais concretamente no atletismo, que Desirée voltou a encontrar "um caminho e uma motivação". "Foi como voltar a nascer. Fez-me recuperar a ilusão e ter um objetivo para me focar diariamente nos próximos anos", revelou. Antes do atletismo, chegou a tentar o ténis de cadeira de rodas, o basquetebol e a natação. Esteve um ano e meio sem correr antes de colocar a primeira prótese e desde essa altura tudo mudou..Desirée, já na condição de atleta paralímpica, estreou-se nos Europeus de Berlim, em 2018, e em Mundiais no ano a seguir, no Dubai. Treina diariamente no Centro de Alto Rendimento de Madrid ao lado de atletas sem discapacidade. Por estes dias está em isolamento em casa, com o namorado, e é na sua residência que se exercita todos os dias depois de decretado o fecho do Centro de Alto Rendimento. "Até encerram os parques, era ali que treinava. Em casa é mais limitado. Mas temos de ser desportistas 24 horas por dia e continuo a manter a forma. Se os Jogos se realizarem, sei que não terei hipótese de chegar às medalhas, mas o meu grande objetivo é posicionar-me a nível internacional", referiu..Batalha judicial e no mundo da Barbie.O caso de negligência médica que esteve na base da amputação da perna direita de Desirée Vila motivou uma disputa judicial. Inicialmente, o médico que a acompanhou foi condenado a dois anos de prisão e a quatro sem poder exercer a profissão. Mas, em janeiro do ano passado, a sentença foi alterada e a pena passou a uma multa de 9000 euros, com o tribunal a considerar que o clínico foi autor de um delito de lesões por imprudência menos grave. O coletivo de juízes admitiu que existiu um atraso no diagnóstico, mas que em nenhum momento abandonou a paciente..A seguir chegaram os problemas relacionados com a indemnização a receber das seguradores. Inicialmente foi pedida uma indemnização de 2,1 milhões de euros, mas depois de a seguradora e o médico recorrerem, o tribunal decretou que a indemnização seria mais baixa, considerando a perda de qualidade de vida, a idade da doente e o valor a pagar pelas próteses nos próximos anos. Contas feitas, Desirée ficou mais ou menos com um quarto do valor inicialmente reclamado..A forma positiva como encarou as adversidades e o grande exemplo de superação levaram a empresa Barbie a elegê-la como um modelo a seguir para inspirar as crianças. "É uma responsabilidade positiva. Através da minha história pessoal e dos valores do desporto posso passar uma mensagem às raparigas no sentido de conseguirem atingir tudo aquilo a que se propuserem. Para elas também é importante terem em quem se inspirar para alcançarem êxitos. Há circunstâncias que podem alterar o nosso caminho, mas podemos seguir sempre outras vias e outros desafios.".Nas várias conferências e palestras que dá no âmbito deste projeto da Barbie, nunca fala dos seus medos. "Por exemplo, jamais pensava que um dia ia ter namorado e agora tenho. A principal curiosidade das pessoas é saberem se com uma incapacidade podes levar uma vida normal. E eu digo-lhes que faço precisamente as mesmas coisas que fazia antes, algumas de forma diferente. Sinceramente, às vezes até acho que faço mais coisas do que as pessoas sem qualquer discapacidade."