Desde a dança à contemplação com Devendra Banhart

O músico apresentou o seu novo álbum, 'Mala', aos portuenses, ontem à noite, na Casa da Música. A primeira parte ficou a cargo do brasileiro Rodrigo Amarante, que deu a conhecer os novos temas do sucessor de 'Cavalo'.
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O menino traquina de cabelo comprido e gestos histriónicos que cantava "I Feel Just Like Child" pode estar já distante, mas Devendra Banhart preserva as mesmas expressões faciais e a mesma aura de criança irrequieta que sempre o caracterizaram. 'Mala', o novo álbum lançado no início deste ano, trouxe-o de volta a Portugal. Não só conseguiu, no final da atuação de ontem, pôr o público da Sala Suggia em pé com a contagiante' Carmensita', (tema que a própria plateia escolheu para o 'encore'), como deixou, posteriormente, um ligeiro sabor a pouco. As pessoas abandonavam a custo a sala da Casa da Música, no Porto, porque, certamente, ansiavam por mais um tema para a despedida: o que acabou por não acontecer.

Não é raro Devendra afirmar nas suas entrevistas que se sente confortável no seu próprio desconforto.Signifique o que isso significar, a verdade é que não pareceu intimidado na noite de ontem. De forma descontraída e divertida pediu desculpa aos que assistiam por não saber falar português. "Todos falam português", dizia enquanto apontava para os músicos que o acompanhavam, "todo o mundo fala português menos eu". De salientar que conseguiu dizer isto e algumas coisas mais na nossa língua, mas com um travo e sabor a Brasil.

Os temas de 'Mala', o novo álbum, constituíram a grande base do alinhamento do concerto de ontem. Se no final as pessoas se levantaram para dançar espontanamente ao som do ritmo latino de 'Carmensita', também houve quem não conseguisse parar quieto na cadeira ao som orelhudo de 'Hatchet Wound' e 'Cristobol Risquez'. Outro álbum em destaque foi 'Smokey rolls down thunder canyon'. A melancolia de 'My Dearest Friend', 'Bad Girl', ou a progressividade excelsa de 'Seahorse' acabaram por estabelecer um contraste inteligente com outras canções consideradas mais leves. 'The Body Breaks', por exemplo, do fabuloso 'Rejoicing in the Hands', é outro exemplo. No momento em que o artista interpreta este tema, os outros músicos abandonam o palco deixando-o a sós com a guitarra. A verdade, porém, é que Devendra é musicalmente um pequeno camaleão, com muitas camadas por desbravar a nível musical e de interpretação lírica. Talvez uma das qualidades de 'Mala' seja essa mesma: enunciar estados de amor não tão alegres com uma sonoridade que possa disfarçar essa suposta tristeza. Obriga a quem ouve tirar camadas e a desejar a ir um pouco mais fundo. Trata-se também de uma questão de subtileza.

Quem também impressionou o público foi Rodrigo Amarante, o músico brasileiro que tem acompanhado a comitiva de Devendra, ora tocando guitarra, ora estando entregue aos teclados. A primeira parte dos concertos desta digressão têm estado a seu encargo e de forma bastante comunicativa e divertida soube como prender o público. A par de 'Maná' e outros temas do álbum Cavalo, subiu ao palco com uma pequena viola acústica para também apresentar a bossa nova sussurrante e lânguida dos temas que farão parte de um próximo álbum. O álbum "ainda não existe", brinca, "mas vai existir". A forma como o público o aplaudiu no final, de pé e calorosamente, é a prova do impacto que provocou na Sala Suggia.

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