Descrição de como célula se recicla vale Prémio Nobel da Medicina
Yoshinori Ohsumi estava no seu laboratório quando o telefone tocou. Do outro lado, a 8169 quilómetros de distância em linha reta, estava Thomas Perlmann, secretário do Comité do Prémio Nobel. Yoshinori Ohsumi, biólogo do Instituto de Tecnologia de Tóquio é o Prémio Nobel da Medicina deste ano, atribuído pela forma decisiva como contribuiu para que fossem conhecidos os mecanismos da autofagia celular. Uma dupla surpresa, como admitiu: o prémio em si e ter sido o único laureado (desde 2000 que o galardão é dividido, com uma exceção em 2010).
Em comunicado, a academia explicou esta segunda-feira que o laureado "descobriu e elucidou" sobre os mecanismos da autofagia [significa comer-se a si próprio], um "processo fundamental para a degradação e reciclagem dos componentes celulares". O conceito surgiu na década de 1960, quando os investigadores observaram pela primeira vez que a célula tinha a capacidade de destruir os seus próprios componentes. O termo de "autofagia" foi cunhado em 1963 por Christian de Duve, também ele distinguido com o Nobel da Medicina, em 1974.
Yoshinori Ohsumi, 71 anos, começou a investigar este mecanismo há mais de 27 anos, usando levedura para fazer uma série de experiências que permitiram identificar os genes essenciais para a autofagia. "É uma honra poder ser valorizado desta maneira porque eu fiz um estudo de medicina básica. Este prémio é o maior motivo de alegria e satisfação para um cientista", afirmou em conferência de imprensa.
O que é autofagia? "É o processo pelo qual a célula degrada componentes para os transformar em nutrientes e energia, permitindo que sobreviva durante um curto espaço de tempo. A autofagia é um processo de sobrevivência que acontece todos os dias no nosso organismo, mas pode estar desregulada e aparecem doenças", disse ao DN Valdemar Máximo, investigador do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup) e professor de biopatologia na faculdade de medicina.
A trabalhar na investigação da autofagia nas células cancerígenas, Valdemar Máximo explicou o efeito que este mecanismo pode ter em várias doenças. "Se a autofagiafor excessiva, a célula degrada-se e morre. Acontece nas doenças degenerativas. No caso do cancro, as células cancerígenas acumulam componentes mal formados. Se a autofagia funcionasse bem, a célula iria degradar as proteínas alteradas e aniquilá-las. Mas em muitos tumores não existe autofagia e a célula acumula defeitos e não morre."
Caminho para mais investigação
Se a autofagia não era desconhecida, o que não se sabia era como a célula o fazia. Esse é o grande feito de Yoshinori Ohsumi: descrever este processo. "Uma célula tem núcleo, citoplasma e membrana. Quando esses componentes, por exemplo as proteínas, estão alterados, as células produzem membranas que os envolvem. Forma como que um saco de lixo. O que faz a seguir é levar esse saco de lixo para um componente celular que é o lisossoma. Este tem enzimas que degradam o lixo. O que Yoshinori Ohsumi fez foi descrever o mecanismo como a célula de vê livre dos componentes indesejáveis. É muito importante porque ao sabermos que é assim que o mecanismo funciona, permite-nos controlá-lo", adiantou Valdemar Máximo.
O resultado deste trabalho é imenso, mas como o biólogo japonês reconheceu, em entrevista ao site oficial do Prémio Nobel, "ainda temos tantas perguntas", mais do que quando começou a investigar. Valdemar Máximo refere que o trabalho desenvolvido por Yoshinori Ohsumi "abre campo para muitas áreas importantes como cancro, doenças degenerativas e doenças autoimunes, embora ainda não se perceba bem o papel que a autofagia pode ter em cada uma delas". Esse será o trabalho que se irá desenvolver agora, um pouco por todo o mundo. Já estão a ser feitos testes com algumas drogas, mas ainda de forma muito preliminar em ratinhos de laboratório, com o objetivo de perceber que medicamentos podem ser criados no futuro para ativar ou anular a autogafia da células. Um caminho que será longo.