Descobrir um cineasta chamado… Charles Aznavour
Chega nesta semana às salas portuguesas Aznavour por Charles, um filme capaz de nos conduzir a uma revisitação nostálgica do formato Super 8. É verdade: esses filmezinhos das pequenas câmaras amadoras vulgarizadas ao longo da década de 1960 que, afinal, desde as experiências pioneiras de Andy Warhol até autores portugueses contemporâneos como Edgar Pêra ou Rodrigo Areias têm pontuado os mais diversos capítulos da história do cinema profissional. E quem nos conduz nessa viagem é, como o título indica, o mais inesperado dos cineastas: Charles Aznavour.
Aznavour faleceu há pouco mais de dois anos, a 1 de outubro de 2018, contava 94 anos. Nos tempos finais da sua vida, conviveu e trabalhou com Marc di Domenico, produtor musical e realizador, a quem revelou uma pequena filmoteca pessoal, até aí conhecida apenas por algumas pessoas do círculo privado do cantor.
Ao longo de décadas, usando o formato Super 8 (e também o 16 mm, este frequente em produções mais ou menos independentes dos anos 60/70), Aznavour foi registando de tudo um pouco, dos seus encontros com personalidades do mundo do espetáculo até ao burburinho das ruas das cidades de todos os continentes por onde passou a sua fulgurante carreira.
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Os materiais do filme são necessariamente diversos e, de alguma maneira, "desordenados". Em boa verdade, é isso mesmo que lhes confere uma sedução muito particular. O olhar de Aznavour tem tanto de obsessivo como de incansável: através do grão muito particular das películas (e das cores deliciosamente saturadas do Super 8), vamos descobrindo momentos efémeros de uma existência de muitos contrastes: das ruas agitadas de Tóquio até à intimidade das cenas em família, sem esquecer a emocionada evocação das raízes arménias da família de Aznavour.
Infelizmente, tudo isto se apresenta "contaminado" por uma opção narrativa, no mínimo, discutível. Assim, tendo como ponto de partida as palavras do próprio Aznavour (colhidas em entrevistas ou textos escritos), Marc di Domenico e o argumentista Antoine Barraud "inventaram" uma voz off, na primeira pessoa, lida pelo ator Romain Duris... Quase sempre os resultados soam a falso, um pouco como as explicações retóricas de uma notícia televisiva construída sem verdadeira crença no poder revelador das imagens. E também não ajuda o facto de Duris interpretar o "seu" Aznavour no tom mais ou menos teológico de quem está sempre a transformar os incidentes do quotidiano em sinais do "destino".
Aznavour por Charles não deixa de ser um objeto curioso, permitindo-nos conhecer um pouco do olhar de quem, de forma mais ou menos intuitiva e improvisada, foi filmando as pessoas e os lugares à sua volta - é esse olhar, aliás, que surge citado no título original do filme (Le Regard de Charles). É pena que a voz de Duris, omnipresente e, em última instância, normativa e redundante, limite a consistência dos resultados finais.
* * Com interesse