Os 513 deputados brasileiros elegem nesta segunda-feira o novo presidente da Câmara dos Deputados que, além de ser a terceira figura na linha sucessória do país, só atrás de presidente e vice-presidente, ainda é quem decide sobre o futuro dos 56 pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro, por ora, guardados numa gaveta. E os dois principais candidatos ao cargo são, assumidamente, a favor e contra o governo, pelo que não é absurdo dizer-se que o futuro de Bolsonaro está em jogo..De um lado Arthur Lira, do Partido Progressista, apoiado pelo Palácio do Planalto, e representante do chamado "centrão", o punhado de partidos que está sempre a favor do governo, seja ele de esquerda, de direita ou de extrema-direita, como o atual, desde que receba em troca desse apoio cargos e fatias do orçamento de estado..Do outro, Baleia Rossi, que é do Movimento Democrático Brasileiro, o mesmo partido, por exemplo, de Michel Temer, mas que conta com o apoio de toda a oposição incluindo do Partido dos Trabalhadores (PT), de Dilma Rousseff, a presidente que se sentiu traída pelo seu então vice..Baleia já prometeu analisar, um a um, cada pedido de impeachment, ao contrário do presidente cessante, Rodrigo Maia, que, embora seja o patrocinador principal da sua candidatura e opositor de Bolsonaro, não sentiu haver condições para avançar com o impedimento do presidente durante os seus mandatos. Mas e agora, há?.As opiniões divergem: por um lado, partidos da oposição aumentaram a pilha de pedidos nas últimas semanas, ora por responsabilizarem Bolsonaro pela crise de covid 19 em Manaus que levou à morte de dezenas de pacientes por falta de cilindros de oxigénio, ora pelo presidente se ter manifestado solidário com os protestos no Capitólio em Washington a favor de Donald Trump, ora pelo fecho das fábricas da Ford no país..E a contestação ultrapassa as fronteiras da esquerda, já que no fim de semana de 24 e 25 de janeiro os grupos Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre, cuja ação foi importante para a queda de Dilma, voltaram a protestar, desta vez pelo fim do atual governo.."[O impeachment de Bolsonaro] é uma satisfação que devemos aos pósteros: o Partido Democrata dos EUA passou por idêntica situação em 2020 e optou por dar seguimento ao primeiro impeachment de Donald Trump, mesmo sabendo que o processo morreria no Senado. Os democratas e os americanos que os apoiavam fizeram questão de mostrar que não haviam ficado cegos nem abandonado as noções básicas de retidão e decência", escreveu o jornalista Hélio Schwartsman no jornal Folha de S. Paulo..Outro colunista, porém, Elio Gaspari, de O Globo, pergunta-se "para quê?". "O governo do capitão é desastroso no varejo e no atacado, diante de uma pandemia todas as suas e iniciativas estavam erradas, a sua "nova política" aninhou-se no "centrão", o Brasil virou um pária (...) mesmo assim, o grito de "fora Bolsonaro" é falta de agenda porque não tem base [parlamentar] nem propósito"..Nem base parlamentar, nem base nas sondagens - as últimas, do Instituto Datafolha dão conta de uma queda de seis pontos na aprovação de Bolsonaro (de 37 pontos para 31) e uma alta de oito na rejeição (de 32 para 40), mas mesmo assim pouco se comparados com os índices de Collor de Mello ou de Dilma, ambos impedidos, nos seus piores momentos..Não há oportunidade, defendeu, por outras palavras, Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a entidade em quem os apoiantes da deposição de Bolsonaro depositam esperanças na redação do impeachment, ao DN. "Há muitos juristas que entendem que houve crimes de responsabilidade, em especial no combate à pandemia, nós já colocamos em andamento o debate na nossa comissão de estudos constitucionais, mas esse debate não cabe só à OAB, é um debate do Congresso, é um debate principalmente da sociedade, é preciso que a população manifeste o seu pensamento"..Seja como for, a eleição na Câmara dos Deputados servirá de gatilho para colocar um travão, caso Lira ganhe, ou acelerar, se vencer Baleia. E, por enquanto, as contas parecem inclinar-se para o aliado de Bolsonaro. Contando com o apoio do líder do executivo, Lira tem mais poder de negociação de cargos e de outros privilégios, ao ponto de até no Democratas (DEM), partido de Maia, o patrocinador de Baleia, já se registarem deserções assumidas. Faltam as não assumidas, uma vez que a votação é secreta.."O Lira é favorito de acordo com as informações que recebo", diz ao DN o cientista político Alberto Carlos Almeida. "E isso, à partida, é positivo, sim, para Bolsonaro porque ele não vai atrapalhar o governo mas também não fará, como se pensa, tudo o que o governo quer".."Assim como as promessas de Baleia de analisar um processo de impeachment sirvam mais para conquistar os votos da esquerda e por razões mediáticas", continua Almeida. "A tradição no Brasil é que os pedidos de impeachment é que eles sejam aceites quando é provável a sua aceitação, não antes".."Tudo depende da conjuntura", acrescenta Vinícius Vieira, professor da Fundação Armando Álvares Penteado. "Se a crise da pandemia e económica se agravarem, Baleia, em caso de vitória, pode sim lançar impeachment mas isso tanto pode ocorrer com ele como com Lira, que pertence ao "centrão", que é um pântano que, por natureza, pende para um lado ou para outro".."O ingrediente que falta para o impeachment são as manifestações de rua, impossíveis na pandemia, porque o restante das condições haverá, incluindo a disposição do vice-presidente Hamilton Mourão em assumir o cargo, como [Michel] Temer e Itamar [Franco] no passado"..Vieira também concorda que Lira "está na frente por ter feito aquela política em micro nível de prometer cargos aos deputados"..Além dos dois principais candidatos, concorrem ainda mais seis deputados, entre os quais o ex-bolsonarista e ex-ator Alexandre Frota, do PSDB, de centro-direita, ou a ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina, do PSOL, de esquerda..Em paralelo, há eleições na câmara alta do Congresso, o Senado Federal, mas menos disputadas - o candidato Rodrigo Pacheco, do DEM, recolhe apoios tanto de bolsonaristas quanto do PT..Arthur Lira.Nasceu há 51 anos em Maceió, Alagoas.Agropecuarista habituado a trocar de partido - o PP, onde milita hoje, é o quinto da sua carreira - é filho de político, o ex-senador Benedito de Lira..É considerado um dos líderes do "Centrão", o grupo de partidos que apoia o governo em exercício em troca de nacos do estado - um grupo que o atual presidente jurou combater uma vez eleito..Foi acusado de pertencer a uma organização criminosa que fraudava impostos; de "auferir vantagens indevidas de praticamente todas as formas observadas no esquema de corrupção e lavagem de dinheiro relacionado à Petrobras", no âmbito da Lava Jato: e até de agressão doméstica.Baleia Rossi.Natural de São Paulo, tem 48 anos..Como boa parte dos políticos de carreira do Brasil é filho de outro político, no caso o ex-ministro da agricultura Wagner Rossi, com histórico de casos de corrupção..É, desde o início da carreira, militante do MDB, o partido de oposição durante a ditadura militar, que em democracia se transformou num "partido autocarro", onde cabem todas as ideologias, razão pela qual esteve em todos os governos menos no de Bolsonaro.É alvo da Lava Jato por alegadamente ter recebido valores ilícitos da JBS e da Odebrecht, as duas empresas mais envolvidas no escândalo