São deputados de dia e presidiários à noite

Três parlamentares brasileiros discutem leis durante o horário de trabalho no Congresso Nacional e voltam à penitenciária de Brasília para dormir.
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O dia 30 de junho de 2017 calhou a uma sexta-feira, dia em que as sessões do Congresso brasileiro ficam às moscas porque parte dos parlamentares voa para os seus estados de origem. Acresce que junho no Brasil, como em Portugal, é um mês de feriados, festividades e pontes, o que contribuiu ainda mais para o esvaziamento. E naquela oportunidade, a oposição a Michel Temer ainda havia marcado manifestações contra o presidente em Brasília, pelo que não era o dia ideal para os eleitos se passearem pelo local. Resumindo, dos 513 deputados da nação, só um cumpriu o dever da assiduidade, logo às 09.00: foi Celso Jacob, do MDB, acabadinho de chegar da prisão.

O caso do deputado do MDB, condenado a sete anos e dois meses por falsificação de documentos como prefeito de Três Rios, no Rio de Janeiro, mas autorizado a deixar a cela onde pernoita para trabalhar na câmara, com direito a legislar, a participar em comissões, a uso de gabinete com oito funcionários e a fiscalizar o poder judicial que o condenou, ganhou os noticiários pelo ineditismo. Já não é inédito. Desde esta semana, Nilton Capixaba junta-se a Jacob na situação de deputado e preso. Os dois têm ainda a companhia de João Rodrigues desde o início do ano.

Condenado por corrupção passiva a seis anos, dez meses e seis dias em regime semiaberto, Capixaba, do PTB de Rondônia, foi autorizado na quarta-feira a trabalhar na Praça dos Três Poderes à tarde e voltar à Penitenciária da Papuda, a alguns quilómetros dali, à noite, tal como os colegas. O deputado, que já esgotou todos os recursos, foi condenado por participação no esquema criminoso conhecido como "máfia das sanguessugas", em que parlamentares desviavam dinheiro destinado a ambulâncias para benefício da empresa Planam, que depois lhes distribuía subornos e comissões.

Por sua vez, João Rodrigues, preso em fevereiro ao tentar escapar para Assunção, no Paraguai, o que lhe valeu inclusão na lista de procurados da Interpol, foi condenado por crimes fiscais enquanto prefeito de Pinhalzinho, em Santa Catarina, a cinco anos e três meses no mesmo regime semiaberto dos colegas.

Tanto Rodrigues como Jacob e Capixaba votaram pela queda de Dilma Rousseff, do PT, e pelo arquivamento das duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra Temer, do MDB, por corrupção.

Deputado pelo PSD e conhecido por ser defensor da pena de morte e do slogan "bandido bom é bandido morto", Rodrigues já fora notícia no parlamento, em 2015, por estar a ver, e a partilhar, vídeos pornográficos. Jacob ficou célebre por se queixar da pouca atenção dada pelos ministros de Temer às suas reivindicações em termos considerados preconceituosos: "Sinto-me a filha gostosa da empregada pobre, só serve para comer, depois nem lhe falam." Capixaba, como membro da igreja Assembleia de Deus, pertence à bancada suprapartidária da Bíblia, como é conhecido o grupo de deputados evangélicos que se une em torno de causas comuns.

Salário de deputados e auxílio moradia

O jornal O Globo noticiou que além de receberem o salário de deputados os três ainda beneficiaram do auxílio moradia, mesmo dormindo na prisão.

A bancada dos presos obedece, ao contrário dos colegas em liberdade, a maioria deles muito faltosa, a horários rígidos: trabalham das 09.00 às 12.00 pela manhã e das 13.30 às 18.30 à tarde. Caso as sessões se estendam pela noite, devem justificar a ausência à polícia, sob pena de falta disciplinar.

O mais antigo dos deputados presos, Celso Jacob, aquele que participou sozinho na sessão parlamentar de 30 de junho de 2017, foi também o primeiro a ser punido. Cinco meses depois, colocaram-no no isolamento da prisão da Papuda por sete dias após ser apanhado na revista aos detidos a tentar entrar ilegalmente com dois pacotes de biscoitos e um queijo provolone nas calças. Entretanto, desde junho de 2018 que está em regime aberto, ou seja, pode dormir em casa.

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