Depois da polémica da dança, a música gótica fica fora de igreja de Leiria

Câmara pediu a mudança de dois concertos do Festival Extramuralhas. Motivo: "A recente polémica gerada em torno da utilização deste espaço dessacralizado para um espetáculo de dança". Os concertos serão no Museu de Leiria, um edifício que também já foi um convento-igreja
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A Igreja da Misericórdia, em Leiria, foi dessacralizada em 2014 e hoje até se chama Centro de Diálogo Intercultural. No mês passado foi criada uma polémica com um espetáculo de dança que ali decorreu quando vereadores do PSD questionaram a Câmara por ter autorizado um evento "impróprio e lascivo" em que "jovens atuaram com vestimenta menos adequada para o local". A própria diocese de Leiria, que cedeu o espaço, tomou posição pedindo cuidado nos eventos culturais permitidos. Agora a Câmara decidiu que dois concertos do festival de música gótica Extramuralhas programados para a antiga igreja mudariam de local, para o Museu da cidade, "por causa da polémica" gerada com o espetáculo de dança do programa do festival Metadança 2018 que se realizou em abril.

A Fade In, associação cultural que organiza o Extramuralhas - o nome era Entremuralhas mas com o Castelo de Leiria em obras o festival teve de se mudar para a cidade - esclareceu com "um comunicado os motivos da mudança: "Os concertos do Festival Extramuralhas inicialmente anunciados para a antiga Igreja da Misericórdia, dias 24 e 25 de Agosto, vão ser realizados no Museu de Leiria. Por detrás desta mudança, está a recente polémica gerada em torno da utilização deste espaço dessacralizado para um espetáculo de dança."

A organização evita gerar mais discussão e prefere um discurso pela positiva: "Com esta alteração, pretendemos garantir que o Extramuralhas se realize com o espírito festivo que lhe é tão característico e evitar que possa ser associado a uma polémica a que é totalmente alheio. Apesar da mudança, garantimos que os concertos do Museu de Leiria terão as melhores condições para este evento que constitui um marco da programação cultural de Leiria." A Câmara de Leiria divulgou o mesmo comunicado.

Concertos poéticos e intimistas

Em declarações ao Jornal de Leiria, Carlos Matos, diretor artístico do festival, não deixou de mostrar algum descontentamento por considerar que os dois espetáculos "seriam os mais poéticos e intimistas concertos da edição deste ano." E como tal adequados ao espaço da igreja.

Os concertos são no dia 24 e 25, e a entrada é gratuita no museu, com o alemão Christian Wolz, que se estreia em Portugal e se dedica à improvisação e experimentalismo apenas com a voz, e com os franceses Rïcïnn, em que Laure Le Prunenec usa o canto lírico e operático em que se pode sentir influências de Diamanda Galas e dos Dead Can Dance.

Mas a tradição católica não se afasta do festival, já que o Museu de Leiria ocupa o espaço de um antigo convento. "Em 2006 iniciou-se o processo que devolve à vivência da Cidade o Convento de Santo Agostinho, monumento construído a partir de 1577 (a igreja) e 1579 (o complexo conventual), e agora habitado pelo novo Museu de Leiria", lê no site da autarquia. Mas a secularização do espaço é mais antiga do que o verificado na igreja.

Current 93 e Ulver no cartaz

O Extramuralhas decorre de 23 a 25 de agosto, em espaços como Teatro José Lúcio da Silva e o Jardim Luís de Camões. os Current 93, veteranos da música neofolk liderados por David Tibet, e os noruegueses Ulver, que cruzam o metal com experimentalismo ambiental, são as principais figuras do cartaz.

"Não é um espaço qualquer"

Conta o Jornal de Leiria que a Igreja da Misericórdia, propriedade de Misericórdia de Leiria, é um edifício onde a autarquia de Leiria e as Rotas Sefarad investiram cerca de 437 mil euros, a fim de participar na Rota das Judiarias e para acolher um Centro de Diálogo, baseado na cultura, e manifestações artísticas, música e actividade cultural diversa, entre elas, música, dança e exposições. Criado há um ano, o Centro de Diálogo Intercultural de Leiria recebeu 17 mil visitantes no primeiro ano de atividade.

Em julho a polémica foi levantada pelos vereadores Álvaro Madureira e Fernando Costa, do PSD. Este último considerou que "a Igreja da Misericórdia não é um espaço público e profano qualquer" e "não pode ser utilizado para fins considerados contra os princípios da moral e da ética cristãs". Os autarcas disseram ter recebido "reações muito negativas". O Executivo socialista desvalorizou a polémica mas a própria diocese tomou posição. A direção do Metadança considerou que não havia nada de mal no espetáculo de dança e que se estavam afazer "interpretações erróneas."

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