Denunciou tráfico de pessoas e foi expulso. Agora teme pela vida
Victor Neto está sob ameaça de ser expulso de Portugal, mas se voltar ao seu país diz correr risco de vida. Tem "cabeça a prémio" desde que em março de 2013 denunciou a rede de tráfico de futebolistas comandada pelo seu antigo empresário, Oberdan Silva.
Uma grande reportagem transmitida para todo o Brasil pelo canal televisivo SBT demonstrou um esquema que falsificava desde exames médicos até registos de nascimento de jovens que pagavam verbas a rondar os dois mil euros para serem colocados no exterior, na Europa, mas sobretudo em países do Médio Oriente.
Victor chegou a Portugal em novembro de 2012. Era um defesa central alto e com algum talento. Por conselho do seu agente, afirmava ter menos quatro anos do que a idade que efetivamente tem. Chegou para representar o Vilanovense, que milita nos campeonatos distritais da Associação de Futebol do Porto com a designação de Vila FC, e com a promessa de dar um salto de gigante para os sicilianos do Catânia (agora no terceiro escalão do calcio), que nessa época estavam no topo do futebol italiano.
Faltava-lhe contudo o certificado internacional e Victor acabou a fazer testes no Olhanense, sem poder jogar e sem receber qualquer salário. Sentiu-se enganado e resolveu denunciar a situação.
"Falei com alguns colegas que viviam comigo no mesmo apartamento e percebi o esquema em que estava metido. Foi aí que resolvi contar à comunicação social a história do Oberdan Silva, que era o meu empresário desde os 14 anos. Essa denúncia abriu uma investigação que ainda decorre no Ministério Público de São Paulo e desde essa altura passei a ser ameaçado pelo telefone, pela internet, por carta... O meu agente avisou--me que se a reportagem sobre o esquema de jogadores passasse na televisão ele ia descobrir-me em qualquer sítio e matar-me. A reportagem foi transmitida, mas nessa altura eu estava já escondido aqui em Portugal", conta ao DN Victor Neto, agora com 26 anos, que confessa o receio de ter a vida em risco.
SEF não atendeu pedido
A tal ponto que, em maio de 2015, resolveu fazer um pedido de pro-teção internacional, que não foi atendido pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF). Desde que denunciou o caso, Victor Neto tem vivido um verdadeiro jogo do gato e do rato não só com quem o ameaça, mas também com o SEF.
Quer ficar a viver em Braga, onde estava a trabalhar numa agência de promoção de passeios turísticos. Já tinha trabalhado em cafés e restaurantes, sem nunca ter conseguido um contrato de trabalho que lhe permitiria permanecer no país.
""Os brasileiros não são bem-vindos em Braga", avisou-me António Martins, inspetor do SEF de Braga, que me disse que faria tudo para me mandar de volta para o Brasil. Acho que eles têm feito tudo para me prejudicar", conta Victor Neto, que recebeu a primeira ordem de expulsão do território nacional em abril de 2014, por estar em situação ilegal, após ter sido denunciado por uma ex-namorada. Chegou a mesmo a ser expulso em novembro de 2015, mas regressou a Portugal dias depois e em janeiro deste ano voltou a ser apanhado nas malhas do SEF.
Acusado de desobediência, esteve pouco mais de um mês a viver enclausurado nas instalações do SEF do Porto - cumpriu metade dos 60 dias que esta medida de coação pode durar -, onde concedeu entrevista ao DN, antes de na última semana ter sido libertado.
A medida de coação foi alterada e o antigo futebolista está agora obrigado a fazer apresentações periódicas nas instalações do SEF de Braga, onde mora, num apartamento com um amigo, enquanto aguarda uma decisão sobre o recurso do pedido de asilo.
Ouvida pelo DN, a sua advogada de defesa revela que interpôs um procedimento cautelar de suspensão do ato administrativo no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga para tentar reverter a expulsão do país.
Victor Neto mantém esperança de con- vencer as autoridades portuguesas de que merece o estatuto de proteção internacional, face à ameaça contra a sua vida a que poderá ficar exposto se voltar ao Brasil.
"Ainda hoje, há gente que continua em busca do meu paradeiro. Ainda há um mês, um grupo de pessoas foi à casa onde eu vivia, fazendo-se passar por agentes da polícia e que perguntam informações sobre mim e a minha família", conta o jovem brasileiro que, olhando para trás, confessa ter algum arrependimento por ter denunciado o caso: "O meu sonho já não é jogar na Europa. Com aquilo que revelei, a porta do futebol fechou-se para mim. Agora, só quero ficar em Portugal. Qualquer trabalho me serve."