Demissexuais: só têm desejo quando há ligação afetiva

Não são assexuais, mas não se interessam por sexo com a mesma facilidade que a maioria das pessoas. Não têm relações casuais e a atração sexual pode só surgir ao fim de anos
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Noémia Santos, 23 anos, é demissexual. Quer isto dizer que só sente atração sexual por alguém com quem já estabeleceu uma ligação emocional forte. "Aos 14 anos, quando os meus amigos falavam de quem gostavam, achavam estranho eu não gostar de ninguém. Perguntavam-me se era homossexual ou se estava a esconder alguma coisa." Para a estudante de Biologia, era normal não se sentir atraída por ninguém. "Mas isso causava estranheza nos outros. Era mais confuso para eles do que para mim", recorda.

Apaixonou-se aos 15 anos por alguém que conheceu na internet. "Até foi estranho perceber o que estava a sentir." Seguiu-se um namoro à distância. "De ano para ano, a parte física - a necessidade de estar sexualmente com a pessoa - crescia. Mas demorou algum tempo." Noémia, fundadora do GAAP - Grupo Assexual e Arromântico Português, já tinha ouvido falar em assexualidade, pessoas que não sentem atração sexual, mas achava que era uma exceção dentro desse grupo, já que se sentia atraída fisicamente se houvesse uma ligação emocional forte. Aos 18 anos, descobriu a demissexualidade. "Percebi que me enquadrava nesta denominação", explica.

É um conceito recente. Rita Alcaire, antropóloga a trabalhar num doutoramento sobre assexualidade, diz que os demissexuais "são pessoas que sentem atração sexual com a condição de ter um vínculo emocional forte". É uma designação que se enquadra no espectro da assexualidade, conhecida e publicitada desde o início dos anos 2000, mas só apareceu mais tarde, depois de muitas experiências trocadas numa comunidade online sobre o tema. "Começou a criar-se um vocabulário próprio para traduzir aquilo que as pessoas sentem." Mas "sempre existiram pessoas" que só sentem atração depois de estabelecer uma relação afetiva, o que não existia era "uma designação para lhe dar".

Por ser um conceito novo, ainda não existem muitos estudos, números ou percentagens. A sexóloga Joana Almeida diz que, "antigamente, as pessoas podiam sentir-se únicas na maneira como viviam a sua sexualidade, porque estavam mais isoladas", mas a internet veio facilitar o convívio e potenciar encontros entre pessoas com as mesmas orientações.

Em consultório, Joana Almeida refere que ainda não contactou com nenhum demissexual. "Mas ao mesmo tempo já. Não é novo que as pessoas prefiram ter relações sexuais com pessoas com as quais têm uma relação de afetividade." É frequente? "Acho que sim. Tal como há muitas pessoas que gostam de ter relações mais focadas no sexo e na satisfação sexual e não numa relação afetiva. Ambos são comuns."

Na opinião de Noémia Santos, numa sociedade onde o romance e o sexo são tão mediatizados, as pessoas têm dificuldade em aceitar que possa haver algo diferente". No seu caso, "foi agradável descobrir que existia um nome" para aquilo que sentia. Acredita que "há muita gente que está dentro deste espectro e não sabe". Quem desconhece estas orientações sexuais, acaba "em busca da normalização", o que faz que as pessoas embarquem em relações que "exigem uma parte sexual que não conseguem dar".

É certo que muitas pessoas só querem ter sexo depois de conhecerem bem o outro, mas a atração sexual - que não é controlada - pode acontecer, o que não ocorre com os demissexuais. De acordo com o portal Demisexuality Resource Center, que reúne informações sobre o tema, o vínculo necessário para um demissexual sentir atração por outra pessoa depende das experiências de cada um e é normalmente diferente para cada pessoa. Formar um vínculo emocional não é garantia para que apareça o desejo, mas é um requisito para que ocorra. E tanto pode acontecer ao fim de uma semana, como demorar meses ou anos.

Os demissexuais integram a comunidade assexual porque, a maior parte do tempo, não sentem atração sexual por ninguém. Muitos, lê-se no site, só sentem desejo sexual por uma pessoa ao longo da vida. De acordo com um estudo feito em 2014, dois terços dos demissexuais - que podem ser homo ou heterossexuais - não estão interessados ou sentem mesmo repulsa pelo sexo,

A ativista Arf Gray, que criou o portal, descobriu aos 22 anos que era demissexual, quando explorou o site da organização Asexual Visibility and Education Network (AVEN). Numa entrevista, explicou que achava que era apenas uma "mulher homossexual clássica", que nunca iria encontrar melhor definição para si. Gostava de sexo, mas nunca encontrava ninguém com quem sentisse vontade de ter relações sexuais. Podia achar uma pessoa interessante, mas "nunca quente, sexy".

Embora ainda não tenha ouvido ninguém dizer "sou demissexual", a sexóloga Joana Almeida acredita que isso vai acontecer em breve. "Começam a criar-se grupos. Mais cedo ou mais tarde, vamos adotar estes conceitos. O desejável é que haja diversidade e espaço para ela." Rita Alcaire, a fazer doutoramento sobre "assexualidade em Portugal pela lente dos Direitos Humanos", diz que é importante perceber que "a sexualidade é muito ampla", pois "existem tantas sexualidades quanto pessoas". Na internet, as pessoas que sentem-se em comunidade.

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