Deputados ganham controlo da agenda para impedir Brexit sem acordo

Quarta-feira é dia de decisões: deputados legislam pedido de novo adiamento do Brexit e um bloqueio a uma saída desordenada, mas também votam pedido de Boris Johnson para eleições antecipadas.
Publicado a
Atualizado a

Após três horas de debate, com o líder da Câmara Jacob Rees-Mogg a defender a inconstitucionalidade da iniciativa, os deputados votaram a favor da moção para tomarem o controlo da agenda parlamentar. Com 328 votos a favor, 301 contra e 27 abstenções os parlamentares abriram caminho para debaterem e votarem na quarta-feira legislação que peça um adiamento do Brexit e ao mesmo tempo impeça que este se dê sem acordo. Boris Johnson disse de seguida que vai apresentar moção para eleições antecipadas.

"Que não haja dúvidas quanto às consequências desta votação desta noite. Significa que o Parlamento está à beira de arruinar qualquer acordo que possamos conseguir em Bruxelas. Porque o projeto de lei de amanhã vai entregar o controlo das negociações à UE. E isso significaria mais hesitações, mais atrasos, mais confusão. E isso significaria que a própria UE seria capaz de decidir quanto tempo manter este país na UE. E uma vez que me recuso a concordar com este plano, vamos ter de fazer uma escolha", reagiu o primeiro-ministro Boris Johnson, num momento de grande tensão. Depois de voltar a dizer que não quer eleições e que o povo não quer eleições, confirmou que vai a votos nesta quarta-feira a moção para agendar eleições antecipadas. "Quem vai a Bruxelas no dia 17 de outubro?", perguntou Johnson.

Para se dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas é necessário o voto favorável de dois terços dos deputados. O resultado é incerto, uma vez que os partidos da oposição -- e os conservadores em rutura com o governo -- desconfiam das intenções do primeiro-ministro.

O líder do Labour Jeremy Corbyn respondeu a Boris Johnson: "Se o primeiro-ministro tem confiança na sua política do Brexit -- quando tiver uma que possa propor -- deve apresentá-la ao povo através de uma votação pública.E se quer apresentar uma moção para eleições gerais, ótimo, mas primeiro há que passar a legislação para excluir o Brexit sem acordo."

A deputada trabalhista Emily Thornberry, questionada sobre a possibilidade de Boris Johnson pedir eleições antecipadas, não mostrou grande entusiasmo, apesar de dizer que o Labour está "desesperado em chegar ao governo" . "Podemos votar contra, podemos abster-nos... não vamos aceitar a oferta de eleições gerais de Boris Johnson quando sabemos o que estão a tentar fazer, que é meterem-se no meio do caminho da aprovação de legislação contra o Brexit sem acordo".

21 rebeldes enfrentam expulsão

Contra as diretrizes do Partido Conservador votaram 21 tories, pelo que enfrentam a expulsão do partido. Entre estes conta-se os antigos ministros Phillip Hammond, Rory Stewart ou Ken Clarke, o deputado mais antigo em funções (ver à frente). Um deles, Guto Bebe, em declarações à Sky News, avisou o governo: "Preparem-se para mais uma derrota amanhã."

E enquanto o porta-voz de Downing Street confirmava que os deputados que votaram contra o governo deixam de imediato de representar os conservadores no Parlamento, outro deputado conservador rebelde, Sam Gyimah disse: "Esta noite, os deputados que acreditam no interesse nacional ergueram-se para desferir um primeiro golpe crucial para defender a democracia. Significa que Boris Johnson dificilmente vai contornar o parlamento para impor p seu Brexit antidemocrático ao povo britânico. Ninguém confia em Boris Johnson sobre a data das eleições ou os motivos para tentar convocá-las agora. A única forma legítima de resolver esta crise é confiar ao povo um referendo final."

Inconstitucional, avisa Rees-Mogg

Durante o debate, Jacob Rees-Mogg, o líder da Câmara dos Comuns -- o equivalente a ministro dos Assuntos Parlamentares -- em nome do governo, disse que a moção para que os deputados tomem controlo da agenda parlamentar para aprovar legislação que impeça um Brexit sem acordo "é extraordinariamente sem precedentes" e "irregular do ponto de vista constitucional".

Rees-Mogg, um dos mais ardentes brexiteers , criticou a decisão de Bercow em permitir o debate, uma vez que a moção apresentada, standing order n.º 24, é por natureza um debate de emergência cuja votação não era até hoje vinculativa. O speaker tomou a palavra e disse que nada tem de irregular, embora reconheça que este procedimento foi usado mais recentemente para o que chamou de "moções de avaliação".

Para Rees-Mogg a legislação que vai ser debatida e votada amanhã é uma "tentativa deliberada" para os deputados ou aceitarem o backstop (mecanismo de salvaguarda), ou permitirem uma nova extensão do Artigo 50.º ou que seja revogado e o Brexit cancelado, o que criaria "um governo de marionetas".

No final da sua intervenção, Rees-Mogg deixou o aviso: "Quando chegarmos à votação hoje, espero que todos os membros contemplem a atual confusão constitucional e considerem o caos que essa concatenação de circunstâncias poderia criar."

John Bercow reafirmou que nada o desviará, citando o primeiro-ministro Boris Johnson, "aconteça o que acontecer, fazer ou morrer": "Está em conformidade com o que eu tenho praticado. Eu recebi aconselhamento especializado. Fi-lo, faço-o e farei o melhor que puder, sem medo nem favores."

O speaker John Bercow aprovou durante a tarde de terça-feira um debate de emergência no Parlamento sobre o Brexit, proposto por um grupo de deputados que procura bloquear a saída da UE sem um acordo.

O deputado que apresentou a proposta, Oliver Letwin, explicou o porquê da proposta: o governo não apresentou um plano para o Brexit e pretende sair sem acordo; esta é a última hipótese de os deputados poderão bloquear uma saída desordenada; e uma saída sem acordo é uma "grave ameaça" para o país.

Ken Clarke arrasa governo

O conservador Ken Clarke, deputado desde 1970 -- quando Boris Johnson tinha seis anos -- com humor e autoridade em iguais doses, não deixou pedra sobre pedra. O homem que votou a favor do Brexit das três vezes que foi ao Parlamento começou por dizer que "o motivo para esta moção é simplesmente porque o governo insiste em seguir uma política à qual se opõe a maioria no parlamento. Não há precedente, certamente não nos tempos modernos. "Este primeiro-ministro pôs-se numa posição em que só pode não conseguir um acordo. E todos sabemos que assistimos às mais extraordinárias tentativas feitas para anular a possibilidade de esta Câmara ter oportunidade de votar, debater e desempenhar um papel nesse processo."

Clarke respondeu também ao líder da Câmara, que minutos antes dissera que em caso de Brexit sem acordo seria "aceitável" o Reino Unido passar a seguir as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). "Sem dúvida que os norte-coreanos prosperam com esse regime", comentou, dizendo ainda que apenas a Argélia e a Sérvia também fazem comércio pelas regras da OMC. Por fim, disse que admira "a capacidade de Rees-Mogg em manter uma cara séria quando estava a defender este tema".

O "pai do Parlamento" -- o deputado há mais anos na Câmara -- disse ainda que se sentia "ligeiramente irritado" por Jacob Rees-Mogg usar o chavão da extrema-direita de que aqueles que querem impedir um Brexit sem acordo querem parar o Brexit na totalidade.

Clarke, que enfrenta a expulsão do partido por votar contra o governo, defendeu um Brexit suave, que mantenha o Reino Unido no mercado comum.

O deputado conservador Dominic Grieve, que defende a permanência do Reino Unido na UE, também respondeu a Rees-Mogg. "Discordo totalmente com o líder da Câmara quando diz que se está a agir de forma inconstitucional. A nossa constituição é adaptável e tem de se adaptar à realidade de que o governo não tem maioria e já não a tem há algum tempo." O antigo procurador-geral diz que neste momento não sabe o que é a vontade do povo, pelo que defende um segundo referendo.

Rees-Mogg ouviu a réplica de Grieve quase deitado, o que não passou despercebido.

"A personificação física da arrogância, do privilégio, do desrespeito e do desprezo pelo nosso Parlamento", escreveu a deputada Anna Turley.

A deputada dos Verdes Caroline Lucas não deixou para as redes sociais o que sentiu com a visão de Rees-Mogg esparramado. "A sua linguagem corporal durante toda esta noite foi extremamente desdenhosa desta câmara e do povo. E em proveito de Hansard [o registo dos discursos parlamentares], o líder da Câmara tem estado esparramado em três lugares, deitado como se isto fosse algo muito aborrecido para ele ouvir esta noite."

Grupo trabalhista quer quarta votação

Um grupo de 17 deputados trabalhistas, autointitulado Trabalhistas pelo acordo, publicou uma declaração a pedir que o acordo assinado por Theresa May e Bruxelas e reprovado por três vezes volte a ser agendado. O primeiro subscritor é Stephen Kinnock.

No início do debate, o líder dos trabalhistas Jeremy Corbyn disse que aprovar a legislação a debater na quarta-feira não é reverter o Brexit. O projeto de lei permite "espaço vital para respirar" e para se encontrar uma solução. Uma oportunidade que pode ser a última dos deputados. "Quer tenham votado pela permanência quer pela saída, os eleitores não votaram pelo encerramento da democracia", disse em alusão à suspensão de cinco semanas do Parlamento.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt