Caro leitor, se porventura tiver cometido algum ilícito com dinheiro público reze para não ser julgado por alguém com a severidade daquele implacável juiz da Operação Lava Jato..Na sua oração, peça, pelo contrário, para enfrentar alguém suave, dócil, compreensivo, como o atual ministro da justiça do Brasil..Sim, são uma e só pessoa - Sergio Fernando Moro - mas parecem duas..O juiz que mandou para a cadeia dezenas de poderosos sem pestanejar, ao ponto de perder a noção do dever de imparcialidade que define a sua profissão e ter dirigido os advogados de acusação do antigo presidente Lula da Silva, chamava de "crime contra a democracia" qualquer verba não declarada para financiamento de campanha eleitoral..Deputados e senadores suplicaram que a Lava-Jato separasse o trigo do joio, colocando em sacos diferentes os que desviaram dinheiro público para comprar iates dos que não haviam declarado todas as doações de campanha, mas Moro jamais condescendeu..Pelo contrário: "A corrupção para financiamento de campanha é pior do que para enriquecimento ilícito", disse, na Brazil Conference, uma chique palestra em Harvard, em abril de 2017, o duro juiz da Lava Jato Sergio Moro..O mole ministro da justiça Sergio Moro, por sua vez, acabado de assumir o cargo em novembro de 2018 foi confrontado com a situação do seu colega de governo Onyx Lorenzoni, braço direito do presidente da República Jair Bolsonaro, que recebeu o equivalente a mais de 20 mil euros não declarados para financiar a sua campanha para deputado.."Tenho grande admiração por Lorenzoni, ele admitiu o erro, pediu desculpas e tomou providências para repará-lo", respondeu, apenas um ano e sete meses depois de Harvard..O novo Moro passou a considerar que basta a alguém a quem o velho Moro chamava de criminoso pedir desculpas pelo seu crime para ter a reputação ilibada. E até pertencer ao governo de um país..Depois da absolvição instantânea de Onyx, o ex-juiz da Lava Jato e hoje ministro da justiça de Bolsonaro deparou-se com o "Caso Queiroz". Um assessor do gabinete de Flávio Bolsonaro, primogénito do presidente, de nome Fabrício Queiroz e histórico de proximidade com a milícia Escritório do Crime, considerada a mais sanguinária da cidade, movimentou volume atípico de dinheiro..A suspeita da polícia é que Flávio praticava "rachadinha", isto é, ficava com a maior parte do salário dos seus assessores, num caso que envolve ainda depósitos na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro e negócios imobiliários milionários..Ao ser confrontado no Congresso com o escândalo, o ministro, muito distante daquele juiz destemido das palestras nos EUA, preferiu não responder por considerar as perguntas "ofensivas"..No fim de semana passado, o jornal Folha de S. Paulo noticiou que na investigação sobre candidaturas fantasma que envolvem o PSL, partido do presidente, no estado de Minas Gerais, uma testemunha revelou que o dinheiro público desviado servira, também, para abastecer a candidatura presidencial de Bolsonaro..Foi o depoente que disse, com uma planilha a sustentar a sua tese, não a Folha, que só ecoou o depoimento..Ainda antes de Bolsonaro chamar o jornal de "panfleto ordinário", já Moro, que outrora se tornou famoso por dar toda a credibilidade a delatores, se apressava a absolver o chefe. O relato "não condiz com a realidade", a campanha do atual presidente foi "a mais barata da história" e "nem o delegado, nem o Ministério Público, que atuam com independência, viram algo contra o presidente", disse o ministro da justiça..De juiz com queda para a acusação, tornou-se um ministro com queda para a defesa..Depois de trocar a gelada Curitiba pela sufocante Brasília, terá sido o clima a derreter o coração de Moro? Ou terá sido a idade - afinal o ministro de hoje é mais velho um ano do que o juiz de 2018 - a amolece-lo?.Quem pensou que ele iria mudar o Brasil, vê que afinal o Brasil o mudou a ele primeiro.. Em São Paulo