De Sabu, o marinheiro, a Wilson, o ocupante da Torre Bela
"Aquela Avenida de Roma tem qualquer coisa para mim..."
Quando falou com o DN, Wilson tinha estado há poucos dias na alameda lisboeta. Que é o mesmo que dizer entre as duas grandes histórias da sua vida. Uma - a ocupação da Torre Bela - está em exibição no Cinema King . Da outra já só resta a memória: o banco que assaltou nos anos 70 deu lugar a uma loja de artigos para bebé. "Ainda entrei para ver, a senhora perguntou-me se queria ajuda. Se ela soubesse..."
O que ela não sabia é uma história que, por si, dava um filme. Nascido em Manique do Intendente, Wilson Filipe foi para a Marinha aos 16 anos. Daí à guerra do Ultramar foi um passo. Mas diz que as complicações começaram no regresso: "Em 1971, tinha vindo de África, tive um acidente que me deixou com um traumatismo craniano. A partir daí fiquei mais inquieto, mais ruim... Principalmente quando bebia uns copos."
Os anos passados como militar são um entra e sai dos calabouços. "Houve uma altura em que me voltaram a mobilizar para a Guiné. Roubei um carro e fui preso. Tive que fazer umas asneiras para conseguir sair da Marinha." Quando de lá saiu trouxe a alcunha pela qual ainda hoje o tratam em Manique - Sabu. E mais nada, nem a vontade de voltar para a terra natal. Ficou por Lisboa, parava entre o Bairro Alto e o Intendente: "Entrei no mundo da prostituição."
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Aos 23 anos, a Avenida de Roma. Wilson assalta a dependência de um banco. Diz que foi contratado, depois denunciado pela namorada de um dos contratantes - "tinha logo que acabar com ela naquela altura, com o saco de dinheiro do assalto lá em casa, e ela para se vingar...". Entre este episódio e a ocupação não tem dúvidas: "A Torre Bela foi o que me deixou mais satisfeito. Mas a maior aventura da minha vida foi o assalto ao banco. Tive medo." Cinco dias depois do assalto é preso no Bairro Alto. Acaba libertado logo após o 25 de Abril, tinha cumprido quatro anos de uma pena de seis.
O ano seguinte passa-o entre Lisboa e Manique, até ser escolhido para ir à capital tratar das questões da reforma agrária. Na cabeça leva o "A Terra a Quem a Trabalha" que lera escrito nas paredes da própria quinta. No regresso à vila ribatejana traz a solução: "Disseram-me que fizesse o mesmo que estavam a fazer no Alentejo." E assim fez.
Três décadas passadas, hoje vendedor de camiões, Wilson recorda com óbvia nostalgia o Verão de 75: "Nunca estive num sítio onde a democracia fosse tão intensa. Éramos uma família, tínhamos uma comuna extraordinária."Com fim anunciado: "Não podia ter sido de outra maneira. A partir do momento em que a política virou [com o 25 de Novembro] ser amigo da Torre Bela não dava jeito."
Nada que dê espaço a arrependimentos, diz este homem, descrito pelos seus conterrâneos com adjetivos tão antagónicos como "rufia" ou "idealista". "Voltava a fazer tudo igual. E se fosse com a juventude de hoje, a Torre Bela não parava."