De roupeiro a guarda-redes na NHL: o sonho americano de Jorge Alves

Lusodescendente faz história ao assumir baliza dos Carolina Hurricanes. "Foi uma experiência incrível", disse ao DN
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Jorge Alves imaginava, desde a adolescência, como seria estrear-se nos ringues da NHL - liga norte-americana de hóquei no gelo. Contudo, aos 37 anos, convertido em roupeiro e há muito afastado da carreira de jogador mediano, já se tinha convencido de que "provavelmente isso nunca iria acontecer". Contra todas as expectativas, "o sonho tornou-se realidade": o lusodescendente, técnico de equipamentos dos Carolina Hurricanes, foi chamado à baliza da equipa de Raleigh (Carolina do Norte, EUA), na visita aos Tampa Bay Lightning, após o guarda-redes suplente se ter lesionado. "Ainda mal acredito que aconteceu", admite, em declarações ao DN.

Nos 7,6 segundos finais da partida, realizada no sábado, dia 31, um simples roupeiro - ou equipment manager - esteve em campo, ao lado dos melhores jogadores mundiais de hóquei no gelo. E isso valeu-lhe um período de fama mais duradouro, despertando interesse mediático nos EUA e pelo mundo fora. Ontem, era dia de jogo caseiro com os New Jersey Devils, mas Jorge - filho de dois madeirenses radicados em Stoughton (Massachusetts), após terem vivido na Venezuela - arranjou uns minutos para contar ao DN a história do seu sonho americano.

Devido à lesão de última hora de Eddie Lack, habitual guarda-redes suplente dos Hurricanes (que só tinham dois guardiões no plantel), o roupeiro - antigo jogador e já habituado a dar uma ajuda, indo à baliza, nos treinos - foi convidado pelos responsáveis da equipa a assumir novas funções. "Quando me contactaram, o meu primeiro pensamento foi de preocupação. Fiquei mais arreliado com o estado dos guarda-redes do que excitado com a oportunidade", explicou.

Horas antes do jogo em Tampa Bay, Jorge Alves assinou um contrato de curta duração como jogador (uma prática comum nas principais ligas desportivas dos EUA), rubricado à pressa no telemóvel do vice-presidente e diretor de comunicação Mike Sundheim. Depois, como prémio, o treinador Bill Peters deu-lhe oportunidade de render o titular Cam Ward, nos segundos finais, quando a partida já estava resolvida - vitória dos Lightning, por 3-1.

"Foi uma experiência incrível. Só quero agradecer à equipa por me ter apoiado num momento tão especial. Nunca esquecerei o olhar do treinador quando me chamou e disse para me preparar para me equipar para entrar. Foi um sonho tornado realidade", contou o lusodescentente, num português fluente entrecortado por expressões tipicamente anglo-americanas.

"Eu não sabia que ia acontecer. Foi algo muito especial", sublinha Jorge Alves, "grato" ao treinador Bill Peters por lhe ter dado a oportunidade para estrear-se, quando pensava que não passaria do banco de suplentes. "Estava a pensar "it"s almost over, está a acabar, passou tão rápido", quando ele me chamou", recorda. A estreia na NHL foi uma recompensa pela dedicação do lusodescendente à equipa e ao hóquei.

O roupeiro - que não visita a Madeira desde a infância - cresceu a ver o pai vibrar com os jogos de hóquei no gelo. No entanto, só "aos 13/14 anos" começou a praticar a modalidade na escola - "o único sítio onde não se pagava para jogar". Após passar quatro anos nos fuzileiros dos EUA, estudou na Universidade do Estado da Carolina do Norte e, a partir da equipa universitária, lançou-se para uma humilde carreira como guarda-redes nas ligas secundárias norte-americanas. Desde 2012/13 que trabalha a tempo inteiro como roupeiro dos Hurricanes (campeões da NHL em 2006 e atuais 12.º classificados da Conferência Este da competição).

Nome Alves até vende camisolas

Com Jorge a participar frequentemente nos treinos da equipa, a hipótese de um dia se estrear já era motivo de brincadeira entre os jogadores. Ele relativizava: "Amo o hóquei e o meu trabalho mas nunca pensei que isto pudesse acontecer". Contudo, de rompante, o sonho tornou-se realidade. E o roupeiro só caiu em si enquanto despia a camisola e o capacete personalizados, após a partida. "Parei um segundo e pensei para comigo: "Aconteceu! Não posso acreditar que aconteceu!" E comecei a chorar...", contou ao DN, ainda emocionado.

Os últimos dias aumentaram a comoção, com o guarda-redes improvisado a receber "centenas de mensagens" de felicitações e a tornar-se um fenómeno de popularidade entre os fãs da mais famosa liga mundial de hóquei no gelo. "Até estão a vender camisolas com o meu nome e número na loja do clube", revela. E nem o facto de os Hurricanes já terem arranjado um novo guarda-redes para envergar o mesmo jersey #40 - chamaram de volta Daniel Altshuller, dos Charlotte Checkers, sua equipa-satélite nas ligas secundárias - apaga a história da noite especial de Jorge Alves.

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