De norte a sul, é na América que o coronavírus mais estragos faz

Brasil ultrapassa Itália em número de mortos, mas outros países como México, Equador, Peru e Chile juntam-se aos EUA e ao Canadá nas tristes listas de países mais afetados.
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A França declarou na sexta-feira ter controlado a pandemia. A República da Irlanda vai acelerar as fases de desconfinamento. A Suíça vai reabrir as fronteiras com os países vizinhos. Na Europa, apesar de continuar a registar-se um número elevado de novos casos nalguns pontos, bem como de mortes, a pandemia mostra sinais de estabilização ou de declínio. E, em consequência, os governos têm anunciado medidas de reabertura da sociedade de há semanas para cá. Em sinal contrário estão alguns países do continente americano, do Canadá ao Brasil, mas também, embora em menor grau, no sul da Ásia.

Perante o facto de no México o número de mortos diários de covid-19 ter passado de 500 para o dobro, o presidente justificou na quinta-feira os dados com ajustes relacionados com óbitos de dias anteriores que não tinham sido contabilizados. "Não significa que tenham falecido num dia mil pessoas", disse Andrés Manuel López Obrador, também conhecido como AMLO. "Que não haja psicose, que não haja medo, e que ao mesmo tempo também não prestemos atenção ao sensacionalismo", aconselhou. Todavia, dados parciais de sexta-feira faziam antever que o país se mantém num caminho ascendente de vítimas mortais.

Óbitos. Os 10 +

MORTES entre 29 de maio e 4 de junho

Brasil 7275

Estados Unidos 6843

México 3132

Reino Unido 1684

Índia 1652

Rússia 1242

Peru 932

Canadá 760

Itália 547

Paquistão 510

Portugal 86

MORTES por milhão de HABITANTES *

Bélgica 826

Reino Unido 593

Espanha 580

Itália 559

Suécia 452

França 445

Países Baixos 351

Irlanda 337

Estados Unidos 334

Suíça 222

Portugal 144

* Em países com mais de um milhão de habitantes

"Nova normalidade"

Quando no mundo inteiro se registaram oficialmente quase 400 mil mortes devido à covid-19, no México contam-se mais de 12 500. O vice-secretário da Saúde, e encarregado da estratégia contra a pandemia, Hugo López-Gatell, considera provável que no país de 120 milhões de habitantes se atinja os 30 mil mortos.

Este novo pico de mortes surge num momento em que as autoridades se preparam para a transição do que chamam a "nova normalidade". De visita à estância turística de Isla Mujeres (perto de Cancún), AMLO anunciou a reabertura de atividades produtivas relacionadas com a indústria automóvel, as minas e a construção civil.

"Temos de seguir em direção à nova normalidade, porque isso é necessário para a economia nacional, o bem-estar do nosso povo. Precisamos de ir, pouco a pouco, normalizando as atividades produtivas, económicas, sociais e culturais", enfatizou. Englobadas nesta nova etapa estão as obras do comboio maia, que López Obrador inaugurou.

A linha turística terá uma extensão superior a 1500 quilómetros e percorre as principais atrações turísticas da península do Iucatão, atravessando cinco estados (e floresta, para apreensão dos ambientalistas). "A pandemia levou a uma crise económica, ao desemprego nesta região e no país." Por isso, comentou Obrador, "é muito oportuno iniciar esta obra neste primeiro trecho", cerca de 260 quilómetros a construir por um consórcio liderado pela empresa portuguesa Mota-Engil.

Tal como no México, outros países latino-americanos começaram a recuar nas medidas impostas devido à pandemia com o objetivo de contrariar os efeitos negativos para a economia provocados pelas quarentenas. Estas decisões dos governos preocupam a Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), que alertou para possíveis novos surtos da doença, num momento em que a América Latina é o atual epicentro do novo coronavírus, sucedendo a Wuhan, China, onde eclodiu no final do ano passado, e na Europa, em especial na Lombardia (Itália) e em Madrid (Espanha).

"Na última semana houve 732 mil casos novos em todo o mundo e desses mais de 250 mil foram nos países latino-americanos, uma preocupação séria que deveria servir como alerta para redobrar os nossos esforços", afirmou Carissa Etienne, a diretora da OPAS, agência regional da Organização Mundial da Saúde (OMS). "Devemos ser cuidadosos. O meu conselho é que não reabram rapidamente de mais ou corre-se o risco de um ressurgimento da covid-19 que poderia acabar com os avanços obtidos nos últimos meses", advertiu.

Além do México, outros países latino-americanos mais afetados pela epidemia, como o Peru e o Equador, anunciaram passos para um desconfinamento. O Peru é o terceiro com mais mortes na América Latina, depois do Brasil e do México, estando os hospitais com mais de nove mil pessoas internadas com covid-19. Numa altura em que o sistema de saúde está à beira do colapso e com escassez de oxigénio para tratar os pacientes em estado grave, chegou uma equipa de 85 médicos cubanos, juntando-se a colegas alemães e chineses. O país está há quase três meses em confinamento obrigatório, o que não impediu a propagação da pandemia.

"Situação delicada" no Brasil

Pela combinação da sua dimensão, quer territorial quer demográfica, assim como as políticas adotadas, o Brasil é um dos casos mais preocupantes da América. A atingir os 35 mil mortos, tendo ultrapassado a Itália, e estando apenas atrás de EUA e Reino Unido, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro continua a opor-se às medidas de confinamento, o que já custou a demissão de dois ministros da Saúde.

Porém, no geral as autoridades estaduais ou municipais não seguiram a sua política. Por exemplo, com o agravamento da crise uma grande parte do estado da Bahia passou nesta semana a estar sob recolher obrigatório. Em sentido contrário, o estado de São Paulo retomou na segunda-feira algumas atividades económicas, e no Rio de Janeiro os cultos religiosos e a prática de desportos aquáticos voltaram a ser permitidos, com distanciamento social.

"A situação no Brasil é delicada e estamos muito preocupados, porque o que vimos é um aumento de casos e mortalidade na última semana", comentou o diretor do Departamento de Doenças Transmissíveis da OPAS, Marcos Espinal.

Mas nem todos os países latino-americanos dão sinais de reabertura. No Chile, perante um aumento de mortes sem precedentes (466 no período entre 29 de maio e 4 de junho), o governo presidido por Sebastián Piñera decidiu prolongar as medidas de encerramento da capital Santiago por três semanas.

Pandemia superada para Trump

Na sexta-feira, o presidente Donald Trump declarou que o país está a virar a página da pandemia. "Tínhamos a maior economia da história. E essa força permitiu-nos superar esta horrível pandemia, que já superámos, em grande medida. Acho que estamos a ir bem", disse numa conferência de imprensa em que se regozijou com a queda do desemprego, em declarações em que misturou a morte de George Floyd. "É um grande dia para ele. E um grande dia para todos", afirmou.

Se não contarmos em número de mortes por milhão de habitantes - onde a Bélgica lidera um pelotão de países europeus -, os Estados Unidos são os mais atingidos, com mais de 110 mil mortos. Receia-se que a onda de protestos em curso, que eclodiu devido à morte de Floyd pela polícia, possa alimentar a propagação do vírus. Como Cav Manning, nova-iorquino de 52 anos, muitos alegam que estão conscientes do risco de infeção, mas a questão do racismo e da violência policial sobrepôs-se. "O que vimos é tão perturbador que temos de estar aqui. Apesar da covid, apesar do facto de poder vir a ser infetado", disse à AFP.

Quem não tem consciência dos riscos que corre são os jovens da América Latina e Caraíbas. Um inquérito da UNICEF realizado a 10 500 pessoas de 13 a 29 anos em 31 países latino-americanos concluiu que um em cada três entrevistados considera não correr risco de se contagiar com o novo coronavírus, resultado considerado "preocupante" pela agência das Nações Unidas.

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