Se não é um caso inédito no mundo do futebol, andará lá perto. Na temporada que está a começar, os treinadores dos principais candidatos ao título grego são portugueses: Abel Ferreira treina o campeão PAOK, Pedro Martins o Olympiacos e Miguel Cardoso o AEK. Ou seja, só uma espécie de Leicester helénico ou um renascer do histórico Panathinaikos poderá impedir que um dos três técnicos portugueses festeje no final da temporada, imitando os feitos dos compatriotas Leonardo Jardim (2012-13), Vítor Pereira (2014-15), Marco Silva (2015-16) e Paulo Bento (2016-17), todos pelo Olympiacos, ainda que apenas Marco Silva tenha feito a época do título completa. "Tenho a certeza de que o título vai para um deles, estou certo disso", assegura Zeca, jogador português naturalizado grego, que durante seis temporadas vestiu a camisola do Panathinaikos, histórico de Atenas que foi 20 vezes campeão mas que tem vivido um período de menor fulgor, ao ponto de não se ter qualificado para as competições europeias nas duas derradeiras temporadas. Também convicto desta (quase) certeza está Vasilis Tempelis, jornalista grego do Sport24.gr que fala um português invejável. "Acho que sim! Normalmente, a equipa que vai à frente não muda de treinador, mas nem sempre na Grécia as coisas são normais", disse ao DN, provavelmente em alusão ao estranho despedimento de Leonardo Jardim em janeiro de 2013, quando seguia invicto e levava dez pontos de avanço sobre o perseguidor PAOK no campeonato e ainda estava envolvido na Taça da Grécia e na Liga Europa.. Para ambos, Olympiacos e PAOK partem à frente do AEK em termos de favoritismo, mas o jogador que atua no Copenhaga e que é internacional grego desde março de 2017 acredita que o conjunto de Abel Ferreira e que tem o lateral português Vieirinha no plantel "é um bocadinho mais favorito". Tempelis avisa que "o Olympiacos investiu muito dinheiro neste mercado", tendo parte desse investimento sido canalizado para as contratações a título definitivo dos portugueses José Sá, Roderick e Rúben Semedo, que se juntaram ao compatriota Daniel Podence. Já o AEK de Miguel Cardoso e dos portugueses Hélder Lopes, Paulinho, André Simões, David Simão e Francisco Geraldes parte "um bocadinho atrás, porque não investiu muito no mercado", considera o jornalista, que deixa elogios a outro português. "O PAOK tem a sorte de ter um diretor desportivo como Mário Branco, que conhece bem o mercado português e o europeu, e fez boas escolhas, como, por exemplo, a substituição rápida de Razvan Lucescu [saiu para os sauditas do Al-Hilal] por Abel Ferreira. Não perdeu tempo. Para mim é um diretor desportivo excelente, poderá vir a ser diretor desportivo de um dos três grandes de Portugal", referiu a propósito do dirigente que passou por Leixões, Astra Giurgiu, Estoril e Hajduk Split, responsável pelo recrutamento do ex-treinador do Sp. Braga..Uma obra creditada a Santos.Para que haja um português a levantar a taça de campeão em maio do próximo ano, muito se deve a Fernando Santos, que deixou uma marca na Grécia ao leme de AEK, Panathinaikos, PAOK e na própria seleção helénica, embora só tivesse conquistado uma Taça da Grécia em quase dez anos. "Cada vez mais os treinadores portugueses têm vindo a fazer grandes trabalhos e a ganhar títulos no estrangeiro. É uma aposta normal, porque acho que temos uma das melhores escolas de treinadores. Todos os técnicos portugueses que passaram pela Grécia foram bem-sucedidos. Tudo começou com Fernando Santos, que tem uma imagem muito forte na Grécia e é muito acarinhado, e continuou com outros como Leonardo Jardim, Jesualdo Ferreira ou Marco Silva. Veja-se onde esses treinadores estão. As pessoas reconhecem a competência dos treinadores portugueses", considera Zeca, 17 vezes internacional pela Grécia e lançado no Panathinaikos por Jesualdo, em 2011.. "Fernando Santos abriu caminho para os treinadores portugueses na Grécia, mas é verdade que é a primeira vez que há três treinadores da mesma nacionalidade estrangeira nos principais candidatos ao título. Acho que o Olympiacos também ajudou a abrir esse caminho, com Leonardo Jardim, Marco Silva, Paulo Bento e Pedro Martins. A escola portuguesa é superior à escola grega. Abel Ferreira, Miguel Cardoso e Pedro Martins são superiores aos treinadores gregos", assumiu Vasilis Tempelis. Embora esteja a jogar na Dinamarca desde o verão de 2017, Zeca, médio de 30 anos, diz que "as pessoas gostam de falar" do atual selecionador português e que ainda recordam o trabalho de Fernando Santos. "Estão sempre a dizer que gostavam de vê-lo voltar à seleção grega, porque é um grande treinador. Só oiço coisas boas por parte de jogadores e dirigentes acerca de Fernando Santos. Abriu as portas para tantos treinadores portugueses irem para a Grécia. Não é fácil ganhar campeonatos, mas ganhou o respeito e o carinho através do trabalho e da competência que tem", acrescentou, corroborado pelo jornalista do Sport24.gr."Fernando Santos parece que é um grego: fala grego, todos os jornalistas tentam entrevistá-lo e é uma personalidade muito amada na Grécia", descreve Tempelis, ressalvando que Marco Silva "foi talvez o melhor treinador do Olympiacos nas últimas décadas" e que Leonardo Jardim "só esteve cinco ou seis meses no Olympiacos, mas quando voltou à Grécia para um seminário os gregos cantaram o nome dele". "Foram escolhas brilhantes e são pessoas fantásticas, mas há pessoas que não encaixam no perfil grego, como Paulo Bento", acrescentou, realçando o percurso ascendente dos atuais técnicos de Everton e Mónaco depois de terem deixado o emblema do Pireu.. Para Zeca, a facilidade com que os portugueses se adaptam à Grécia tem que ver com as semelhanças que acredita existirem entre os dois países. "A cultura é parecida com a nossa e o clima também. São dois países de mar e a comida não é muito diferente, por isso a diferença que sentimos não é muita", acredita o médio que no verão de 2011 trocou o Vitória de Setúbal pelo Panathinaikos, onde se tornou capitão, tendo atuado em 248 jogos e marcado sete golos pelos verdes de Atenas..Menos pressionados do que os gregos.Para Vasilis Tempelis, os treinadores portugueses "encaixam bem no perfil do futebol grego, porque é um futebol não tão ofensivo como o espanhol, mas é mais tático, como o português".Inversamente ao que acontece noutros países, na Grécia não existe desconfiança em torno dos treinadores estrangeiros. "Pelo contrário! Os gregos são mais pressionados", atira o jornalista, utilizando como exemplo a confiança dada pela administração do Olympiacos em Pedro Martins, que continua nesta época no clube apesar de não ter conquistado o título na época passada. "Pedro Martins, Miguel Cardoso e Abel Ferreira vão ter direito a um período de crédito e de adaptação. O Olympiacos não só manteve a aposta em Pedro Martins como investiu em Rúben Semedo, no médio ofensivo francês Mathieu Valbuena e no avançado marroquino El-Arabi. O Pedro Martins apresentou um futebol diferente, de que os adeptos gostaram, que foi considerado o melhor futebol praticado por uma equipa grega na época passada", frisou o repórter.."Deve ser difícil para um português aceitar que um treinador grego de uma equipa medíocre vá orientar um clube grande como FC Porto, Benfica ou Sporting, mas é habitual para um grego ver um treinador de um Moreirense, de um Rio Ave ou de um V. Guimarães orientar um grande clube grego", acrescenta Tempelis. Olhando para os treinadores dos candidatos ao título, constata-se que no futebol português Pedro Martins tem no currículo passagens por U. Lamas, Lusitânia de Lourosa, Sp. Espinho, Marítimo (equipa principal e bês), Rio Ave e V. Guimarães; Abel pelas equipas B de Sporting e Sp. Braga e pela formação principal dos bracarenses; e Miguel Cardoso pelo Rio Ave, embora na época passada tivesse orientado os franceses do Nantes e os espanhóis do Celta de Vigo. Zeca sublinha que "a pressão na Grécia existe sempre, sobretudo nos clubes que querem ganhar e necessitam de resultados imediatos". Mas salienta que "o povo grego é muito acolhedor e as pessoas dão todas as condições para se trabalhar".A suportar esta ideia está o facto de não haver um treinador grego a sagrar-se campeão na Grécia tendo feito a época completa desde... 2000-01, quando Takis Lemonis levou o Olympiacos à glória. Nas duas últimas épocas, por exemplo, couberam ao romeno Razvan Lucescu e ao espanhol Manolo Jiménez devolver PAOK e AEK aos títulos 34 e 25 anos depois, respetivamente. Em 2016-17, os gregos Vasilis Vouzas e Takis Lemonis estiveram à frente da equipa durante alguns períodos, mas foi Paulo Bento a fazer grande parte da temporada (23 das 30 jornadas)..Arbitragem liderada por um português.Não são apenas os treinadores portugueses que são admirados na Grécia, mas também jogadores e dirigentes. Que o diga Vítor Pereira, que há dois anos é o presidente do Conselho de Arbitragem da Federação de Futebol da Grécia, depois de ter liderado o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol e de ter sido árbitro internacional.. Em maio do ano passado, tomou a decisão arrojada de nomear um árbitro espanhol, David Fernández Borbalán, para a final da Taça da Grécia entre AEK e PAOK, na sequência das constantes polémicas relacionadas com arbitragem no país. Desde 1975 que o jogo decisivo da competição não era dirigido por um estrangeiro. O PAOK acabou por ganhar a taça e um ano depois o AEK quis que Vítor Pereira abandonasse o cargo, mas o português foi reconduzido por mais um ano por imposição da FIFA.