Tempos telúricos os que se viveram no início do século XX, opondo republicanos a realistas no pós-5 de Outubro de 1910, uns querendo cimentar o inteiramente novo, outros dando o peito às balas por vezes de forma quase quixotesca e romântica. O conde de Mangualde e o seu indefetível companheiro de armas Paiva Couceiro protagonizaram dois anos de resistência pró-monárquica digna dos mais novelescos relatos. Capitularam finalmente a 8 de julho de 1912 em Chaves, perante um improvisado grupo civil - os Defensores ou Heróis de Chaves - num gesto que veio a criar a data definitiva do derrube da monarquia em Portugal e que ainda se celebra na cidade. Pouco ou nada teve de sangrento confronto, mas deixou lavrada extensa memória na toponímia de várias localidades, como é o caso de Lisboa..As estórias da história abrem-nos as portas da fantasia livre e inocente, permitindo-nos imaginar os agastados e depauperados microexércitos dum lado e doutro a rapar com a mão o fundo dos seus alforges e a desejar que os dedos dessem com um... pastel de Chaves. Na altura da revolta tinham já os pastéis em que hoje nos detemos 60 anos..Cirandava então por Chaves uma vendedora com uma cesta cheia de pastéis e que pouco ou nada durava, tal a bondade do sabor, consistência e textura que apresentavam. A receita passou de mãos e a oferta aumentou a ponto de se transformar em caso nacional..O formato de meia lua do pastel de Chaves, finamente folhado e recheado com um preparado à base de carne de vitela estufada picada, prende-nos ainda hoje o coração e as papilas gustativas. Quando é bem feito, arrefece bem e continua gostoso mesmo depois de frio, e com um pouco de arroz e salada é uma refeição completa..Jorge Santos é, aos 47 anos, um homem realizado. Detém a técnica e a receita dos mais verazes e sápidos pastéis de Chaves que conhecemos. A sua ventura comercial e industrial dá pelo nome de Prazeres da Terra, com sede e fábrica em Chaves, onde está a maior parte do tempo. Produz nada menos que 12 mil pastéis de Chaves por dia, a que há que acrescentar cerca de 18 mil mais, de pequeno formato, que faz em exclusivo para a restauração. Nada a ver com os tempos épicos de venda porta a porta de 1862. Jorge Santos diz de resto que eram muito diferentes dos que conhecemos hoje, o que por razões evidentes é de muito difícil senão impossível demonstração. O pessoal técnico que diariamente labora na fábrica, esse sim, é de grande gabarito e é essa a base fundamental de apoio à empresa governada por Jorge Santos..A carne que se processa é proveniente das partes da vitela mais entremeadas de gordura, as mesmas que normalmente se leva a estufar, com mais sabor e colagénio. A cozedura lenta a temperaturas brandas garante a libertação lenta e a recombinação de sabores, concentrando em vez de desvirtuar, por força da água que se vai libertando dos tecidos, sem quebra das fibras que compõem a carne..Todos esses fatores contribuem para a glorificação e fusão dos sabores que sentimos quando provamos um Chaves da Prazeres da Terra. Sente-se o detalhe da carne picada e está bem presente também a impressão do estufado tradicional português, copioso na cebola. O recheio é montado com pão muito selecionado, escolhido a dedo pelo mestre Santos A massa folhada é, como sabemos, assunto pasteleiro, e há aqui um trabalho primoroso que é feito até se chegar à estrutura de mil-folhas muito fina, ao mesmo tempo robusta para conter o pastel fechado e inteiro. É mesmo um grande prazer..O tempo e a inexorável natureza humana nem sempre trataram do pastel de Chaves com o maior cuidado, e por isso os que encontramos pelas pastelarias do país têm a forma mas não o conteúdo, sendo quase todos dececionantes. Muitos utilizam mesmo chouriço e outros enchidos, o que é um aviltamento condenável. A receita original e a área geográfica de produção estão hoje governadas pela certificação IGP - Indicação Geográfica Protegida - e é isso que devemos procurar se queremos provar o autêntico pastel de Chaves..A loja de Lisboa fica na Estefânia, curiosamente perto da Avenida Defensores de Chaves, pelo que basta encomendar e passar a buscar. Cada pastel custa 1,20 euros e o prazer é garantido..Onde encontrar O Melhor de Miranda - Prazeres da Terra Largo Dona Estefânia, 6 1000-126 Lisboa Tel.: 213 542 208 lojalisboa@prazeresdaterra.pt 09.30-19.00 Fecha: sábado e domingo