Não se considera um designer de raiz. Antes, um inventor que aspira à liberdade dos cantautores, de que falará várias vezes ao longo desta conversa. É, por isso, que encara cada nova coleção como um álbum de inéditos, cujo êxito depende da capacidade de seduzir os outros. Davide Groppi esteve em Lisboa na semana passada, para a celebração do Dia do Design Italiano no mundo, que teve lugar na Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, num debate-conferência presidido pelo embaixador de Itália em Portugal, Carlo Formosa. Com um currículo impressionante, Groppi (Prémio Compasso d'oro ADI em 2014 e Prémio Compasso d"Oro Menzione d'Onore em 2016), trabalha para residências privadas, hotéis, restaurantes (entre os seus clientes tem chefs como Albert Adrià e Massimo Bottura), museus, mas também cria peças individuais, que podem ser adquiridas em lojas selecionadas. O seu grande objetivo é criar uma iluminação que faça sentido, mas que não se imponha. "Contribuo para construir o cenário mas não roubo a cena", diz-nos este apaixonado pelo chiaroscuro de Caravaggio e pelo espírito lúdico de surrealistas e dadaístas..Como começou a trabalhar a luz? Não sei bem porquê mas comecei muito cedo, talvez com 22 anos. Como acontece com muitas pessoas, sentia a necessidade de expressar o meu lado mais artístico e a luz afigurou-se-me uma boa maneira de contar histórias. Nessa altura eu conheci o trabalho do meu grande mestre, Ingo Maurer, e fiquei completamente fascinado..Quando estudou Design já era a luz que tinha em mente? Não estudei Design, andei, sim, em Matemática. Na verdade, não me considero um designer, considero-me, antes, um inventor, por um lado, e, por outro, um cantautor, na medida em que produzo linguagem através da luz. Quando interrompi os meus estudos, fui trabalhar numa pequena fábrica de lâmpadas, o que, para mim, funcionou como uma escola já que estava num pequeno laboratório onde se faziam lâmpadas que iam para todo o mundo. No cinema e no teatro, a luz chama-se Fotografia, o que significa escrever com a luz. No meu caso, tenho sempre muito presente a ideia de que o meu trabalho não é uma ciência exata. E depois, encaro as lâmpadas como letras de um alfabeto com as quais escrevo anagramas, palavras e mesmo frases. É por isso que introduzir uma nova lâmpada ou candeeiro no nosso catálogo é algo de sagrado para mim..Trabalha para espaços privados e públicos. Como é que um criador lida com as ideias dos seus clientes? Boa parte do nosso trabalho destina-se a residências particulares, mas também restaurantes, lojas, hoteis. Trabalhar para a casa de alguém é sempre muito delicado porque, por um lado, temos de respeitar o cliente, mas, por outro, não quero trair a minha ideia. Por isso, temos de negociar, de encontrar um compromisso, o que nem sempre é fácil..Também trabalha para museus... Vivemos hoje uma época em que a ideia de museu mudou muito. O museu clássico, quase oitocentista, foi cedendo lugar a espaços que têm uma conceção diferente do papel que pode desempenhar a luz. Se se trata de iluminar uma obra antiga, do século XVII por exemplo, tenho em conta que aqueles quadros não foram pintados para serem vistos à luz artificial, que não existia. Importa, então, fazer um trabalho filologicamente correto, respeitando a componente expressiva da obra. Em geral, penso que a luz tem dois tipos de alma: a feminina, que é uma luz direta, e a masculina, que é pura invenção semântica. Nesse sentido, há que desenvolver um método, no meu caso muito subsidiário da luz de Caravaggio, em que temos de equilibrar a luz direta e indireta. Por outro lado, não podemos perder de vista a ideia de que, nos espaços museológicos a luz é uma forma de narrativa, que serve para contar o que se expõe...Como no teatro? Exatamente. Serve também para nos mostrar para onde devemos olhar..A luz também é uma personagem? É, na medida em que tem um caráter. Para mim é fundamental iluminar primeiro o coração de quem observa e só depois as coisas. A parte emocional é muito importante..Considera o seu trabalho minimal, a iluminação não se impõe aos outros objetos? É verdade. Embora esta não seja uma ciência exata, penso que a luz deve sempre representar uma função e corresponder à satisfação de uma necessidade. Mas procuro sempre contar uma história. Com o meu pai, aprendi muito a usar o ready made, reutilizando materiais e peças que já tinham sido usados. Nesse sentido, procuro que a nossa produção seja sustentável. Reutilizamos objetos como canas de pesca, por exemplo. Gosto de criar emoções, momentos de ironia e até de brincar com o que faço..Há um lado lúdico? Sim, até porque sou um apaixonado por movimentos como o dadaísmo ou o surrealismo. A luz não pode ser um banal instrumento, para mim, os candeeiros são canções. A cada nova coleção sinto que estamos a lançar um álbum de inéditos..Como define a sua nova coleção? É uma coleção muito importante para mim porque cada vez mais procuro que se ultrapasse uma função decorativa, para que tudo surja investido de sentido. Eu não sou muito tecnológico o mas gosto de pensar que a tecnologia me ajuda a apresentar algo novo. Nesta coleção estamos a trabalhar há quatro anos e apresentamos essencialmente candeeiros que têm algo mágico dentro. Uma surpresa, se quisermos. Para mim, é importante que nos questionemos sempre sobre o sentido de continuarmos a produzir candeeiros em 2023 porque, na verdade, se levássemos à letra as recomendações ambientais não fabricaríamos nem mais um objeto. Mas isto não pode acontecer porque todos precisamos de trabalhar. A minha resposta a esta contradição é criar peças que despertem um sorriso ou que contem uma história..dnot@dn.pt