O suíço que se apaixonou pelo elétrico 28
Amadeo conduz o elétrico 28 pelas ruas sinuosas de Lisboa. Amadeo é um romântico. Por isso, enquanto vai dos Prazeres (Campo de Ourique) ao Martim Moniz, ele gosta de dar "uma mãozinha a muitos apaixonados tímidos". Uma travagem aqui, uma curva mais apertada ali, em cada manobra há corpos que se tocam, abraços inesperados e, quem sabe, uns beijos trocados.
Amadeo é o protagonista de Elétrico 28, o livro do escritor Davide Cali e da ilustradora Magali le Huche que acaba de ser editado em Portugal pela Nuvem de Letras.
Tudo começou quando o escritor suíço-italiano Davide Cali visitou Lisboa em 2015 para participar num colóquio na Fundação Calouste Gulbenkian: "Fiquei só alguns dias na cidade, porque vim dar umas conferências, mas tive tempo por passear e gostei muito da cidade e da comida. Não sei dizer do que gostei mais. Queria, e ainda quero, mais", conta ao DN, confessando que é provável que no próximo ano venha passar umas semanas a trabalhar na capital portuguesa. Andar de elétrico em Lisboa foi uma experiência "muito divertida", diz.
E foi precisamente essa paixão pela cidade que quis passar para o livro. Toda a história é ambientada em Lisboa, há panorâmicas da cidade e do rio, algumas referências a azulejos e à arquitetura, roupa estendida nas janelas, há um músico de rua a tocar guitarra portuguesa, e há cafés, onde se bebe uma bica com um pastel de nata. É possível ver bem como o elétrico se move pelas colinas da cidade, em subidas íngremes, e até há quiosques e calçada que são perfeitamente identificáveis. Será que esta história só poderia acontecer em Lisboa? Davide Cali não sabe dizer: "Há elétricos noutras cidades, como, por exemplo, em São Francisco. Mas não tenho a certeza se o ambiente seria o mesmo..."
Esta foi a primeira vez que Cali trabalhou com a ilustradora Magali le Huche: "Há muito tempo que queria fazer um livro com ela e lembrei-me de que ela já conhecia a cidade", conta. Assim, tudo se tornou mais fácil. Elétrico 28 foi originalmente editado em França pela ABC Melody Éditions, uma editora que é conhecida sobretudo pelos seus livros de viagens, e só agora chega a Portugal.
Quem não aparece no livro são os turistas. Nem um. O que não deixa de ser curioso tendo em conta que o elétrico 28, uma carreira que existe há mais de cem anos e que atravessa a principal zona histórica da cidade, é hoje em dia sobretudo utilizado por turistas (o que tem até causado algumas polémicas). Davide Cali não tem explicação para isso. "Talvez deva perguntar à Magali. De qualquer forma, é frequente os livros para crianças passarem-se num outro tempo", adianta. Cali reconhece ainda que a sua obra é marcada por um sentido de humor desafiador e pelo que é politicamente incorreto: "Acho que aprendi com Roald Dahl."
Quanto ao nome do protagonista - que na edição original se chama Amadeu, com "u" -, o autor explica que tem no computador um arquivo de nomes de vários países a que recorre sempre que precisa: "Amadeu pareceu-me um bom nome... um nome clássico", explica.
Davide Cali, nascido na Suíça, em 1972, é escritor, ilustrador e autor de banda desenhada. Apesar de ter publicado também para adultos, grande parte da obra é identificada para crianças. "Eu escrevo histórias para mim, depois para o público, que é enorme e não está limitado pela idade. Se, na teoria, os meus livros são destinados às crianças, as histórias são para todos", explicou o autor numa entrevista à Lusa. São dele livros como Eu espero, com Serge Bloch , A Rainha das Rãs não Pode Molhar os Pés, com Marco Somà, A Casa Que Voou, com a ilustradora portuguesa Catarina Sobral (todos pela Bruaá Editora), Um Dia, Um Guarda-Chuva, com Valerio Vidali (Planeta Tangerina), Não Fiz os Trabalhos de Casa porque... e Cheguei Atrasado à Escola porque..., ambos ilustrados por Benjamin Chaud (e editados pela Orfeu Negro). Ao mesmo tempo que Elétrico 28, chega às livrarias portuguesas mais um livro desta dupla: As Minhas Incríveis Férias de Verão.