David Justino: "Aprender dá trabalho, exige disciplina"

Foi ministro da Educação de Durão Barroso, assessor do Presidente Cavaco Silva. O PS afastou-o do Conselho Nacional de Educação, mas admite que ainda pode ajudar muito nesta área
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O CNE acaba por ser uma quase "mini assembleia" que agrega todas as vertentes da educação, dos pais, aos professores, aos vários interesses políticos e ideológicos até...

Exatamente. Tem duas dimensões. Uma dimensão de representação, que é algo que está consagrado e a que eu apenas introduzi algumas modificações na lei orgânica, precisamente porque havia situações que eram injustas. Por exemplo, o ensino especial, não tinha uma representação direta, o mesmo acontecia com o desporto, que hoje está representada pelo comité olímpico. Portanto, essa é uma forma de poder chegar a instituições que não são as tradicionais. Aliás, toda a composição do CNE tem essa perspetiva de juntar parceiros e tentei ir um pouco além ao juntar os parceiros tradicionais, mais outros parceiros que possam vir valorizar o papel do CNE.

A segunda dimensão, eu diria que é uma dimensão de expertise. Ou seja, é uma dimensão técnica, de avaliação do sistema de ensino, consagrado em lei. E aquilo que eu tentei fazer foi também modificar um bocadinho a forma como se produz conhecimento. Ou seja, não é só o conhecimento baseado na opinião dos vários experts, mas é um conhecimento baseado em investigação e em uma abordagem mais técnica dos problemas da educação.

A propósito dos estudos e das parcerias, acaba por deixar no CNE este atlas da educação, o Hércules. Este estudo evidencia de alguma formas as assimetrias ainda existentes. O que ainda falta às escolas, de uma forma geral, para serem mais eficazes a contrariar as condicionantes de contexto como a interioridade, a condição socioeconómica, as habilitações dos pais, nomeadamente as das mães que normalmente são um fator decisivo?

Há muita gente que utiliza uma frase que me deixa profundamente irritado, porque acho que é uma frase ignorante, que é "nós temos uma escola do século XIX, com professores do século XX e alunos do século XXI". Este é o argumento para dizer que a escola tem de mudar, mas esquecem-se que a escola desde o século XIX até à atualidade mudou. A escola está em constante renovação. Por isso é que não há uma escola nova, que é um ideal mítico da escola do futuro, mas há uma escola renovada, que todos os dias vai avançando um bocadinho. É um trabalho de formiguinha, modifica-se pouco a pouco, e é um trabalho que não é igual em todas as escolas, há escolas que têm maiores dinâmicas e escolas que têm dinâmicas mais limitadas. Nesse sentido, quando me pergunta o que é que falta, falta uma coisa que são os dados estruturais que vão influenciar os resultados. Ou seja, nós vamos ter mais população escolarizada ainda, a percentagem de mães com ensino superior vai ser mais no futuro.

Existe uma correlação direta entre o nível académico dos pais e as aspirações dos estudantes. Podemos dar-nos ao luxo de esperar mais 10 ou 15 anos até que as habilitações dos pais sejam suficientes para que os filhos queiram estudar?

Não, não podemos esperar. Sou defensor de que devemos ter standards elevados, isso às vezes confunde-se com o problema da exigência. Não é necessariamente exigência, porque os miúdos têm uma capacidade enorme de se adaptar aos contextos em que estão. Se os colocamos em contextos pouco motivadores, eles pouco se motivam. Se criamos contextos altamente motivadores, exigentes e acima de tudo ambiciosos, eles adaptam-se também. Ou seja, o mesmo miúdo que desenvolve a sua aprendizagem em dois contextos diferentes, vai ter resultados diferentes. O que é que isto quer dizer? Quer dizer que nós não podemos transmitir a ideia de que aprender é fácil ou de que aprender é uma coisa natural, não é. Aprender dá trabalho, exige esforço, disciplina, hábitos de trabalho e não é fácil. A ideia de que se pode aprender a brincar e quase de forma natural é uma ideia que não tem sentido. Isso era um retrocesso enorme relativamente aquilo que tem sido feito. Mas não se pode levar essa exigência a níveis incomportáveis, no sentido de sacrificar aquilo que é a dimensão mais lúdica, recreativa ou mais socializadora do que é a aprendizagem, sacrificando tudo em função de uma aprendizagem exclusiva sobre o conhecimento.

O problema é como encontrar esse meio-termo. Isso é o que tem gerado o debate há 20 anos.

Podemos dar o exemplo dos exames, posso ser muito crítico em relação aos exames, mas ainda não existem instrumentos melhores que permitam mobilizar os alunos para a prestação de provas e acima de tudo para mobilizar aprendizagens. Podemos dizer que fazer exames não é aprender. Pois não, não é, mas não se consegue fazer bons exames se não se aprender. Portanto, estas dicotomias às vezes são ilusórias, são falsas dicotomias. Para além do facto de que o exame é um instrumento de avaliação entre vários. Se subjugamos os vários instrumentos de avaliação ao exame, isso aí está mau. O exame não pode valer mais de 30%, portanto nós temos 70% da avaliação que deve resultar de outros instrumentos de avaliação, que possam abarcar não só conhecimento, mas também atitudes, valores, competências.

Algum extremismo ideológico tem prejudicado a educação em Portugal também nesse sentido? Ou seja, tendência para quem chega romper com as ideias base de quem vinha de trás.

Sabe que isso é uma ideia recente, não só deste governo, porque no governo anterior também se notou isso.

Refiro-me ao período de duas ou três legislativas.

A qualidade da decisão política pressupõe duas ou três coisas que são básicas: em primeiro lugar, que haja um diagnóstico rigoroso e sério do problema. Portanto, a primeira que se põe é saber qual é o problema, como é que ele está formulado e qual é o diagnóstico que fazemos. Com base nisso vamos tentar adequar em função das características e do diagnóstico que se fazem desse problema. O segundo ponto é que, eventualmente, os problemas da educação não são resolúveis numa legislatura. Quando se desencadeia um processo de mudança nós temos de ter em atenção que, eventualmente, daqui a quatro anos está lá outro partido. Para que esse processo de mudança não seja interrompido tem de haver da parte de quem decide a coragem de dizer "meus senhores, vamos lá chegar aqui a um acordo, tem de haver um compromisso de forma a não andarmos sempre no para, arranca". O que tem acontecido é precisamente um "para, arranca", em grande parte condicionada por uma acrimónia ideológica de esquerda, direita, etc., sobre isto. A terceira ideia é de que, independentemente das ideologias e do acordo, uma reforma tem de ser feita com tempo, tem de ser negociada, consensualizada, de forma a eliminar resistências que em alguns casos são perfeitamente artificiais. Há muita resistência e muita crítica dentro do sistema que só existe porque as pessoas não foram ouvidas.

Enquanto esteve à frente do CNE, já teve de assinar pareceres com os quais não concordava?

Sim, vários. Não totalmente, como é natural. Pontualmente, tive. Por exemplo, o último parecer que emitimos sobre o perfil do aluno... tenho sérias reservas conceptuais relativamente ao parecer novo. O parecer novo foi equilibrado, mas aqui sou capaz de não ter uma posição equilibrada.

Se calhar ia um pouco contra a sua ideologia...

Não é só um problema de ideologia. Aquilo que considero é que existe um conjunto de princípios fundacionais dos sistemas educativos que estão presentes em todos os sistemas nacionais de ensino no mundo ocidental, e mesmo fora do mundo ocidental. Por exemplo, a escola aparece como um requisito da liberdade. O valor, o princípio fundamental, é criar cidadãos livres, autónomos e em que a liberdade é um dos pontos fundamentais. Na primeira versão do perfil, que levou uns pequenos ajustes, este valor da liberdade foi praticamente secundarizado, se não mesmo desvalorizado.

Mas em que é que o perfil do aluno diverge dessa visão?

Diverge, diverge, porque em muitos casos... vou dar-lhe um segundo exemplo. Se percorrer todo o documento, a palavra disciplina, um princípio estruturante do sistema de ensino e de aprendizagem, não existe.

O seu receio é que isso possa conduzir a um certo laxismo, um certo experimentalismo na educação?

Experimentalismo já existe. Aquilo que há é uma subversão dos princípios fundadores. Se fossem novos princípios que pudessem facilmente ser substitutos dos princípios fundadores, podíamos ter novos princípios fundadores. Agora, há a questão como liberdade, autonomia, disciplina, que estão... a autonomia não, essa está presente no documento. Mas por exemplo, o princípio da liberdade está secundarizado. O conceito de disciplina não existe e eu pergunto se um sistema de ensino pode prescindir desses valores. Acima de tudo, há um modelo teórico que está subjacente àquele documento que é preconizado pela OCDE e que é marcadamente neoliberal. A preocupação da OCDE ao definir estes modelos é de produzir mão-de-obra para o mercado do trabalho e depois um bocadinho de produzir cidadania. Toda a parte da conceção personalista que estava presente na Lei de Bases - ou seja antes de formarmos cidadãos e profissionais, temos de formar pessoas - está esquecido no modelo da OCDE. O que aconteceu? O Ministério adotou uma posição de adoção do modelo da OCDE e de aplicação ao caso português.

Pergunta de banda larga: como caracteriza a ação do anterior ministro da Educação Nuno Crato e a do atual ministro?

Sou suspeito nisso, porque o Nuno Crato era meu amigo. Quer queiramos quer não, temos uma relação afetiva sempre. Eu tento distanciar-me. O atual ministro, praticamente não tenho relações em termos pessoais e mesmo institucional. Houve um distanciamento muito grande e não tenho o direito de, em situações tão diferentes, de estar a criticar um ou a anunciar o outro. Erros todos fazem e também há aspetos positivos. Mas são estilos completamente diferentes. Nuno Crato conhecia muito bem o sistema de ensino. Pode ter opiniões com as quais posso discordar, mas conhece bem o sistema de ensino e sabia o que queria fazer. Acho que até foi além do que deveria fazer. Este ministro parte de um patamar relativamente diferente. Não conhecia nada do sistema de ensino português e é uma espécie de formação em exercício.

No sentido de que não é ele que define as políticas?

Não sei se é ele que define as políticas ou não, ele é o ministro, ele é o responsável pelas políticas. Acho é que ele está mais preocupado com a dimensão política da educação do que propriamente com a educação.

O fim das provas do 4º. e 6º. anos não foi propriamente uma medida com a qual tenha concordado.

Sim, manifestamente. Mesmo o parecer que eu assinei foi o parecer possível porque defendo provas no final de cada ciclo. Até posso condescender e dizer "vamos eliminar as de 4º. ano", que era aliás a posição inicial do PS. O 4º. ano vá, o 6º. ano está a meio do percurso. Há aqui uma deturpação do próprio programa do governo e do PS. Depois, o BE, a proposta que tinha era apenas da eliminação dos exames do 4º. ano. Quem defendia a supressão de todos os exames era o PCP. Até aceitaria que a posição de eliminação ou por exemplo substituição das provas do 4º. ano, desde que pudessem ser substituídas por provas de aferição feitas a sério no final do ciclo. É isso que o parecer do CNE aponta, ou seja, substituir as provas do 4º. ano por provas de aferição. É como o médico que perante o paciente manda o termómetro embora. Ou seja, dispensa os meios de diagnóstico.

Mas o que tem dito o secretário de Estado João Costa, para pegar na sua analogia, é que pegava-se no termómetro quando o paciente já estava doente. E que agora, com esta abordagem das provas de aferição no meio do ciclo, é possível atuar no sentido de curar.

Com muito apreço que tenho pelo professor João Costa, que é meu colega, acho que há um erro aí. Quando se faz uma prova de aferição no 2º. ano, não vai ter influência absolutamente nenhuma no sucesso dos alunos do 2º. ano. A classificação já está dada. Se lhe chamar prova de diagnóstico, aí já admito. Sim, senhor, faz-se prova de diagnóstico no 2º. ano. A prova de diagnóstico tem uma lógica completamente diferente: identificar lacunas, pontos fortes ou pontos fracos. Agora, se eu quero fazer uma prova de aferição, devo fazê-las no final de cada ciclo porque a duração dos ciclos tem em grande parte a ver com o problema da consolidação das aprendizagens. Só posso fazer uma prova de aferição quando o padrão está estabilizado.

Mas diagnosticar é assim tão diferente?

É, porque diagnosticar é identificar. O aferir trabalha com classificações. O grande problema destas provas é que faz uma avaliação sem fazer uma classificação e aponta através de métodos descritivos, os pontos fortes e os pontos fracos, mas não diz em que medida. É uma rejeição da medida, porque têm medo dos rankings. O eterno problema: fazer coisas com medo do que vem nos rankings. Isto é perfeitamente patológico, não tem sentido absolutamente nenhum. Eu continuo a pensar que as provas de aferição podem ter sentido, no final de um ciclo. Mas as escolas já fazem testes de diagnóstico. Porque preciso de fazer um teste nacional de diagnóstico? E mais, até posso fazer uma coisa: posso lançar um teste de diagnóstico para as escolas e de certa forma ajudar as escolas a melhorar os testes de diagnósticos que fazem.

Mas os decisores políticos precisam de ter uma ferramenta, não é? A partir do momento em que se decidiu acabar...

No final do ciclo, tem uma ferramenta que se está a ver o que deu. Os resultados das provas, do 2º. e dos outros anos, são resultados muito abaixo do que seria expectável. Não é porque os miúdos saibam mais ou menos: é porque a capacidade de mobilização de um exame é sempre muito maior do que a capacidade de mobilização de uma prova destas.

Apesar de assumidamente estar mais perto de Nuno Crato, foi muito crítico na questão da retenção. Ele tinha um discurso assente na exigência e há quem diga que pode ter contribuído para o aumento da retenção. O senhor insistiu muito na necessidade de se combater a retenção e na inutilidade da retenção. Mantém essa opinião?

Completamente. Ele dizia-me que 'é necessário combater a retenção, mas só passa quem sabe'. E eu disse: 'O problema não está no passar, é porque é que não sabe'. Porque não aprendeu? Esta é a questão. Não tenho problemas de dizer que só passa quem sabe, o que tenho de perceber é porque é que não sabe. Quem não passa é porque não sabe. Esse é o ponto principal, porque isso remete-me para a qualidade da aprendizagem e não para o problema do exame que se fez.

Faz-se um diagnóstico inicial e a partir daí já está mais ou menos definido o percurso.

Exatamente. Não pode ser assim. Isso é um determinismo, porque, muitas vezes, quando o aluno começa a fraquejar, quando precisa de mais apoio, é deixado de lado. A ideia já vinda da campanha "No Child Left Behind" aplica-se aqui: são precisamente aqueles que têm mais dificuldades que têm de ser mais apoiados. A retenção não resolve nenhum problema.

Nesse ponto concreto, o discurso do atual ministro tem vantagens em relação ao anterior?

Concordo e se calhar estou mais próximo desta posição. O problema é que não há soluções mágicas e as culturas, as maneiras de pensar, de sentir estes problemas, mudam muito lentamente. Por isso é que digo que isto não vai ser uma corrida de 100 metros, vai ser uma maratona.

A formação dos professores que está agora a ser apresentada pelo Ministério poderá ser uma solução nesse sentido?

Não, porque é um processo relativamente lento. O fundamental é assegurar a regularidade da formação de professores. O problema é que andamos sempre aos altos e baixos. Gasta-se dinheiro na formação, seja ela a que for, depois não há dinheiro não há formação... As escolas devem ter os seus próprios planos de formação e não é o ministério que o vai definir por que as necessidades são muito díspares. Não tenho a ideia que são os professores que estão mal na situação. Se há alguém que está mal no meio disto tudo são políticas contraditórias que se vão sucedendo, são contextos socioeconómicos, sociais que são adversos e para os quais precisamos de arranjar respostas. Não tenho grande problema em reconhecer que há escolas onde praticamente a retenção é zero. Nós falamos sempre na escola do professor Calado, em Carcavelos, que é um ícone, mas há muitas escolas onde o nível de retenção é básico.

O ensino assenta ainda na ideia antiga de que a transição é um troféu, como no tempo do antigo diploma da quarta classe? Não se pensa ainda que temos de trabalhar o aluno para que este mais tarde decida o seu rumo?

O que é importante é o diploma, não é o aluno. É isso que está na base de uma tradição seletiva de que a educação não é para todos. Esse é o ponto fulcral. Como eu estava a dizer, há pequenas coisas que podemos fazer. Este medo de que falava, de que podemos chumbar a três ou quatro cadeiras. Vai ter de trabalhar mais. Aquilo de que eu falo é de uma transição condicionada.

O miúdo passa, mas vai ter um plano de recuperação daquilo que não aprendeu. Eles sabem que se por acaso chumbarem, vão ter mais trabalho do que o que tiveram. Os professores também estão lá para isso, tem de haver recursos. Não temos aquele problema, porque repete as quatro [em que chumbou], mas não repete as oito em que teve sucesso. Nós podemos ritualizar isto: assumir um compromisso de honra, quase como uma declaração escrita, em que os pais do aluno se vão responsabilizar pela recuperação do aluno. Não pode ser só o professor ou a escola. O aluno também vai ter de assumir essa responsabilidade. Eu sei que isto é simbólico, mas os símbolos têm efeito.

É também uma segunda oportunidade para ter esse efeito.

Exatamente. E temos uma outra coisa. Aquilo que a Lei de Base diz, e bem, é que esta é uma lógica de ciclo, mas a maior parte dos alunos não chumba no final do ciclo, chumba a meio do ciclo. Isto quer dizer que não há uma lógica de ciclo, que a lei não está a ser cumprida. Há um processo de anualização.

As próprias provas de avaliação são de final de ciclo, avaliam o conhecimento adquirido no ciclo, não no ano letivo.

Em princípio, a haver retenção, deveria existir só na passagem do ciclo. Deveria ser reduzida a zero nos outros anos.

Para fechar o tema educação: admitiria voltar a ocupar o cargo de ministro da Educação?

Não estou traumatizado pela primeira experiência. Mas acho que há outras pessoas que têm outra idade e acima de tudo outro elã e disponibilidade para fazer isso. Sinto-me muito bem na minha função de professor universitário, porque esta é a minha profissão, e se eu poder ajudar qualquer ministro que seja, de que partido for, a encontrar boas soluções, acho que estou a contribuir para que a educação seja melhor. Acho que o faço melhor como professor do que propriamente como decisor. Mas quer dizer, nestas coisas nunca digas nunca. Mas seria inédito que um ministro se repetisse. Era capaz de sair de lá com o rótulo de masoquista...

"Cair nesta luta de biografias é péssimo para o PSD"

Vai coordenar a moção de Rui Rio ao congresso do PSD. O que é que o motivou a aceitar o convite?

Como fiquei liberto do Conselho Nacional, recebi o pedido do Dr. Rui Rio, que é meu amigo já há muitos anos, e disse que sim porque vi logo que ia ter disponibilidade para isso. E acima de tudo acho que aquilo que o PSD está a passar implica que quem tem responsabilidades e quem quer exercer o seu direito de cidadania não pode ficar em casa. Afastei-me das lides partidárias enquanto estive no Conselho Nacional de Educação porque entendia que devia separar as águas, mas nunca suspendi a minha qualidade de militante. Agora entendo que devo exercer os meus direitos e acima de tudo os meus deveres, para com o PSD e para com a sociedade.

Rui Rio tem frisado a necessidade de recuperar a matriz social-democrata do partido. É em torno dessa ideia base que esta moção será construída?

Vamos lá ver uma coisa, a matriz social-democrata está dentro do PSD, mas coexiste com variantes, umas mais liberais, outras mais conservadoras. Quando se tenta fazer uma confinação a uma linha social-democrata, esquecendo ou desvalorizando as outras, o partido não se une.

Porque dentro do PSD ainda há um leque alargado...

Sim, o PSD é um partido interclassista e abrange um leque relativamente alargado que vai do centro-direita ao centro-esquerda. Eu posso-me situar mais de um lado ou mais do outro desse leque, mas aquilo que define o PSD, na sua cultura política, não é o liberalismo, nem o conservadorismo, nem a própria social-democracia, mas sim a sua dimensão reformista. Ou seja, o PSD tradicionalmente assume a responsabilidade de fazer as grandes reformas. E é necessário entender as reformas, não como aquele pacote-legislação, mas como coisas que se vão fazendo e que se vão mudando, é o processo de mudança e de qualificação do próprio sistema. Portanto, querer acentuar ou querer silenciar as diferentes sensibilidades em proveito de uma só, é mau, porque era isso que estava a acontecer antes.

Nesse sentido, não seria tanto reformar em relação ao que era o discurso e algumas práticas da anterior liderança do PSD, mas reformar mais no sentido da intervenção na sociedade?

Eu acho que o fundamental ou o grande desafio que se coloca nestas eleições para se saber quem vai ser o líder é saber qual é aquele que pode ter melhor acolhimento na sociedade. E não é acolhimento pela sua simpatia ou pela antipatia, ou seja o que for, tem de ser acolhimento em retorno das suas ideias e das propostas que apresenta. Cair nesta luta de biografias, eu acho que é péssimo para o PSD. As pessoas, mesmo os cidadãos que não são simpatizantes do PSD que olham para o PSD para saber o que é que vai sair dali, e eu espero na verdade que o debate que possa ser feito não vá frustrar aqueles que querem ver, porque mesmo que não votem no PSD, têm interesse em saber o que é que se passa.

Mas o próprio Dr. Rui Rio de alguma forma tentou marcar uma posição, ao definir o partido como sendo de centro-esquerda, por exemplo, ou ao falar nesta questão da matriz social-democrata, aquilo que disse que se deve evitar.

Aquilo que o Dr. Rui Rio disse é o partido é um partido de centro, que vai desde o centro-direita ao centro-esquerda. Tão simples quanto isso. Sem excluir nada. Portanto, não vamos agora fazer mimetismos com as propostas do PS. Mas também não vamos dizer que o PSD é um partido de direita, de pendor marcadamente liberar, porque isso é de certa forma deturpar a matriz que sempre esteve presente ao longo da história do PSD.

Em todo o caso, segundo me disse na resposta anterior, de facto, tomaram-se algumas posições muito dentro de uma determinada linha com a anterior liderança. Em que é que o PSD precisa de mudar drasticamente, na sua opinião?

A grande luta dentro do PSD é voltar a ganhar a confiança dos portugueses. Essa é a grande luta. E como é que se ganha confiança? É só pela cara das pessoas? Não, tem de ser com propostas concretas, com ideias concretas, que digam alguma coisa às pessoas. Se for uma mera guerra de líderes eu acho que as pessoas vão ficar claramente desiludidas. Se for uma guerra de opções, de ideias e de estratégias, eu acho que as pessoas vão perceber isso. Se depois votam mais cedo ou mais tarde no PSD, isso é outra coisa. Mas, quer dizer, é a sociedade que tem de ser o centro de debate. E se o PSD transforma esta eleição numa guerra interna, as pessoas não vão devolver a confiança de certeza absoluta.

O CDS se calhar está a ganhar terreno nessa questão das propostas.

Temos muito tempo. O CDS está a fazer um bom trabalho, é reconhecido que já temos tradição de entendimento. Agora, o PSD tem de fazer o seu caminho.

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