No que diz respeito à saúde e ao bem-estar de cada pessoa, apenas 20% é alcançável com os cuidados de saúde. Os restantes 80% incluem as condições de vida, de trabalho e socioeconómicas. "Isto implica um esforço global de toda a sociedade e de várias gerações", afirma André Biscaia. No entanto, o médico de família na USF Marginal e presidente da Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar acredita que "este não é um problema deste Governo, do anterior ou dos últimos cinco, é um problema que exige um planeamento que já deveria ter acontecido e já estar ativo há muitos anos"..Mas, sendo uma questão de planeamento e de organização, significa que, afinal, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem recursos suficientes? Podia ter, mas não tem. "Até existem os recursos necessários e até se conseguiu, em termos dos médicos de família, formar mais médicos para este efeito", revela André Biscaia. Anualmente são formados entre 400 e 500 médicos de família, o que seria um bom número se todos ficassem dentro do SNS. Para o co-autor da tese "Mudanças adaptativas de proximidade", que desenvolveu em parceria com Eunice Carrapiço, especialista em Medicina Geral e Familiar e diretora executiva do Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Norte, no âmbito do projeto "Transformar o SNS", a que o Diário de Notícias se associou, "a questão é que não se dá as condições de atração e retenção para que eles escolham o SNS. Essas são as soluções necessárias e, neste momento, há 1700 médicos no privado que poderiam optar pelo SNS se lhes dessem essas condições"..Eunice Carrapiço recorda, contudo, que esta carência de médicos, e de médicos de família em particular, não é um problema de agora. "Foi criado na década de 80 quando houve uma redução significativa dos números de entradas para as faculdades isso repercute-se agora nos médicos entre os 40 e os 60 anos na especialidade de medicina geral e familiar, assim como noutras especialidades". Durante os próximos cinco a sete anos, devido às reformas, o problema tenderá a agravar-se ainda mais, alerta a especialista que defende, para os cuidados de saúde primários, o alargamento do modelo retributivo com base no desempenho. "É algo que já existe e tem retido vários profissionais no SNS. Mas é preciso fazer mais, e alargar esta forma de pagamento diferenciado". Eunice Carrapiço dá o exemplo do concurso para médicos de família da região de Lisboa - a mais carenciada do país. Quem escolher estas vagas tem um suplemento remuneratório de 700 euros como forma de atrair e de vincular. "Mão será suficiente, pois é uma medida pontual", reforça..No entanto, para a responsável do Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Norte, ter um médico de família para todos os portugueses não chega e não resolve todos os problemas. "Mais do que o médico de família precisamos de equipas profissionais, próximas, dedicadas com médico, enfermeiro de família, secretário clínico e com um conjunto integrado de outras profissões", explica..O objetivo é que qualquer utente possa ligar e conseguir consulta no próprio dia para uma doença aguda, conseguir em poucos dias uma consulta de vigilância, ou conseguir ligar para a sua unidade de saúde e ser atendido. "Estas equipas, além de serem acessíveis e disponíveis, têm de trabalhar integradas com todas as profissões e também com os hospitais, com a rede de cuidados continuados integrados, com os parceiros da comunidade, com as IPSS e com a Segurança Social", acrescenta Eunice Carrapiço que reconhece também que, além da falta de profissionais no SNS, o outro ponto mais frágil é a ligação entre tudo isto. "Esta falta de ligação entre todos estes serviços e unidades, que colaboram para um mesmo objetivo - a prestação de cuidados de saúde -, necessita de ser desenvolvida para que as pessoas se sintam verdadeiramente acompanhadas"..Para seguir o debate na íntegra veja o vídeo em cima ou ouça o podcast: