No último dia do congresso anual do Partido Conservador britânico a hora era para Theresa May brilhar (ou falhar, como no ano passado). Mas antes do inesperado momento proporcionado pela líder conservadora, ao menear-se enquanto entrava em palco ao som do clássico popDancing Queen dos ABBA, o procurador-geral inflamou as hostes com um discurso tão breve quanto dramático..Geoffrey Cox, mão direita apoiada no púlpito, voz grave e pausada anuncia, para gáudio dos correligionários: "Às 23.00 do dia 29 de março de 2019 nós vamos sair da União Europeia.".Já com o público no bolso, prosseguiu: "E logo depois num momento extraordinário da nossa história as instituições europeias não mais vão ter o direito de fazer leis para o nosso país. Esse poder vai pertencer em exclusivo ao Parlamento soberano da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte.".Após ter citado o tema dos Rolling Stones You Can't Always Get What You Want (nem sempre se tem o que se quer), afirmou que é chegada à altura de os conservadores porem de lado as diferenças e unirem-se "atrás da primeira-ministra para garantir que a decisão" do referendo não dê em nada por aqueles que querem permanecer no Reino Unido"..Isto porque "a premissa e o princípio do brexit é a esperança e não o medo. Nada temos a temer. Não devemos temer o autogoverno. Nós acreditamos que uma nação como o Reino Unido em breve vai conseguir juntar as suas forças (...) e apresentar-se como um parceiro livre, independente e soberano para as outras democracias". Terminou a citar John Milton, ao instar o país a pegar no "prémio precioso" do brexit..Apesar de ser o procurador-geral desde julho, Cox era ainda uma figura pouco conhecida do público. Enquanto deputado manteve a atividade profissional, advogado, o que o transformou num "deputado milionário", como os jornais britânicos escrevem..O Mirror descreveu o procurador como "Tory Gandalf", em referência à voz do ator Ian McKellen n'O Senhor dos Anéis. Já o Telegraph comparou-o a Boris Johnson: "Deixa passar, Boris Johnson - os conservadores têm um novo campeão do brexit.".Trancar o país pela porta dos fundos.O ministro do brexit, Dominic Raab, tal como Theresa May, apelou à unidade do partido. E também deixou no ar a inexistência de acordo com Bruxelas. Se a União Europeia insistir em tentar "trancar pela porta dos fundos" da união alfandegária e do mercado único, alegou, "o Reino Unido pode ficar sem outra escolha que não sair sem um acordo"..Avisou que a "totalidade da máquina do governo está ocupada a preparar-se para não haver acordo". Não por ser essa a intenção dos ministros, afirmou, mas "porque isso pode acontecer"..Rejeitou as "previsões lúgubres dos profetas da desgraça" sobre as consequências de uma saída sem acordo e aproveitou para criticar os líderes europeus pela reação às propostas de Theresa May na cimeira do mês passado em Salzburgo.."A nossa primeira-ministra foi construtiva e respeitosa. Em troca, ouvimos zombarias dos líderes e vimos uma abordagem unilateral à negociação.".Antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Jeremy Hunt, relembrou uma visita que fez à Letónia e o papel que o Reino Unido teve na transição do país báltico do comunismo para uma democracia para depois comparar a UE à União Soviética ao acusar os outros 27 de tentarem punir o Reino Unido para "manterem o clube junto".."A UE foi criada para proteger a liberdade. Era a União Soviética que impedia as pessoas de saírem", disse..Hunt criou um incidente diplomático com estas declarações. O eurodeputado Guy Verhofstadt, por exemplo, considerou-as "ofensivas e ultrajantes"..A porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, disse que "seria bom para todos, e em particular para os ministros dos Negócios Estrangeiros, abrir um livro de História de vez em quando"..E o comissário europeu da Saúde, o lituano Vytenis Andriukaitis, relembrou a sua história. "Nasci num gulag soviético e fui preso algumas vezes pelo KGB. Disponível para informá-lo sobre as maiores diferenças entre a UE e a União Sovitética. E porque fugimos da URSS", respondeu a Jeremy Hunt..Apelo à demissão.Minutos antes do discurso de May, o deputado James Duddridge entregou uma carta ao secretário do grupo parlamentar conservador para que seja votada uma moção de censura à liderança da dirigente. Duddridge explicou que May "falhou" e que o partido "precisa de um líder forte". E quem é esse líder? Boris Johnson. "Foi inspirador, motivador e reuniu as tropas e os políticos (...) Precisamos de um líder, e não de um administrador executivo, precisamos de uma visão para seguir em frente.".E foi perante uma assistência rendida que a figura mais grada da oposição interna a Theresa May exigiu que a proposta da primeira-ministra seja descartada: "Este é o momento para atirarem Chequers fora" (usando a aliteração "chuck Chequers"). Foi em Chequers, casa de campo da primeira-ministra, que May apresentou o seu plano do brexit aos restantes membros do governo. Foi nesse momento que o então ministro dos Negócios Estrangeiros entrou em rota de colisão com a chefe do governo.."Se falharmos agora no brexit as pessoas não nos vão perdoar. Se enganarmos as pessoas - e Chequers é um engano - vamos aumentar o sentimento de desconfiança", afirmou..No entanto, ao contrário do que alguns opositores de May esperariam, Boris Johnson apelou para que os membros do partido se unam em volta da líder..Três ministros pró-referendo.Do outro lado da barricada falaram pessoas como Phillip Lee. O deputado, que se demitiu de secretário de Estado da Justiça por discordar da estratégia de Theresa May para o brexit, afirmou que "todo e qualquer mal que ocorra de ora em diante e até às próximas eleições vai ser assacado ao brexit dos tories"..Confidenciou que há pelo menos três ministros que em privado apoiam um novo referendo e apelou para que outros deputados falassem sobre o assunto em público..Já Anna Soubry defendeu a ideia de um novo referendo caso a proposta de Theresa May seja derrotada no Parlamento. "No caso de o Parlamento não ser capaz de chegar a um entendimento, então devia haver um referendo porque umas eleições gerais não iriam resolver coisa alguma", argumentou a deputada tory.