Da ria de Aveiro às ruas de Alvalade, como ocupar o tempo livre dos miúdos

A pandemia criou constrangimentos aos clássicos centros de ATL, mas fez despontar muitas atividades ao ar livre. Percorrer a ria de Aveiro, aprender a fazer pão no Fundão, brincar nas ruas de Leiria ou (re)descobrir Lisboa através da música são opções para quem não sabe como ocupar os miúdos a partir de agora.
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Sónia Godinho nunca tinha pensado muito a sério no assunto até ser mãe, mesmo trabalhando há anos com crianças, enquanto monitora de ioga ou de surf. Mas nessa altura encarava aquele desafio de ocupar os miúdos no verão com outra ligeireza. Foi o pequeno Gabriel, agora com cinco anos, que a fez pesquisar e descobrir atividades para fazer com ele, ou facultar-lhe essa experiência de sair da rotina e abraçar o verão. De modo que este ano viu-se numa busca que é comum a milhares de pais, por esta altura, num ano atípico em que as aulas terminaram mais tarde para o primeiro ciclo do ensino básico, no segundo ano de uma pandemia que atirou as crianças (ainda mais) para dentro de casa.

Foi precisamente a pandemia que fez nascer em Aveiro "Os Piratas da Ria Kids". Um grupo de mães (e pais) com profissões liberais começou a revezar-se para ficar com os filhos de uns e outros, primeiro numa altura em que os Centros de ATL (Atividades de Tempos Livres) estavam fechados, e depois os preços eram pouco compatíveis com a carteira de quem tinha perdido rendimentos.

Gabriela Silva, mentora deste projeto, conhecia Ivo Pratas - ambos eram professores de AEC"s (atividades extra curriculares) - professor de teatro, e juntos puseram mãos à obra. "Juntámos as 8 criancinhas que tínhamos e surgiu este projeto-piloto". No ano passado, os primeiros "piratas" tinham 8 e 9 anos. Este ano o grupo já conta com um membro de 12 anos, sendo que o mínimo é 8.

A partir de segunda-feira, uma dúzia de crianças vai integrar a primeira semana desta temporada, como contou ao DN Gisela Silva. Para a segunda semana ainda estavam abertas as inscrições, ao final desta semana.

Desta vez os Piratas da Ria vão contar com o apoio da Ciclaveiro, uma associação que promove o uso da bicicleta como meio de deslocação. De resto, é uma companheira que nenhum pirata dispensa. "Os pais deixam-nos as crianças às 9 da manhã e vêm buscá-las às 5 da tarde, e nós andamos com elas de bicicleta para todo o lado", revela Gisela. Mas a semana obedece a um programa, mesmo que a ideia seja potenciar a brincadeira e o ar livre. Na segunda-feira, por exemplo, o grupo começa a semana num encontro com a ciclopatrulha da PSP, que há de passar-lhes regras básicas da circulação rodoviária. Mas a partir daí a cidade será deles, sempre à distância de um guiador. Visitas a museus, caminhadas, idas à praia ou passeios de barco são atividades programadas, com piqueniques pelo meio. "Paramos nem que seja no meio do monte para eles comerem alguma coisa, sendo que a experiência nos diz que eles querem é brincar...e o caminho também faz parte da atividade", considera Gisela.

Os Piratas da Ria podem ser crianças de Aveiro, mas também de qualquer outra zona do país. Entretanto, Gisela e Ivo acreditam que nos próximos anos será possível levar o projeto para outras regiões do país. "Podemos ir à Nazaré, ao Algarve, seja onde for. Conforme os miúdos vão crescendo, nós vamos levando os piratas pelo país fora".

Quando olha para o caminho já percorrido nestes dois anos, Gisela não pode deixar de sorrir e pensar que "em boa hora este grupo de pais avançou para uma alternativa aos ATL caríssimos e com oferta muito reduzida", mesmo quando pensa nas quintas pedagógicas onde algumas crianças ficam uma semana inteira, mas "muito limitados ao nível das skills e do que ganham". "Nós queremos é que eles conheçam coisas novas todos os dias, e parem para ver o passarinho, para tirar a fotografia". No ano passado, a originalidade do projeto valeu-lhes uma reportagem da RTP2, que envolveu um dia de filmagens com todas as crianças. "Os pais já sabem que isso é uma coisa que pode acontecer, e estão despertos para essa visibilidade".

Ainda antes de começar o verão, Gisela Silva continuou o seu trabalho nas AEC"s de uma escola de Aveiro. "Este ano andei a ensinar os miúdos a brincar, o que no século XXI até parece uma coisa estranha", afirma ao DN. E por isso não tem dúvidas da importância em agarrar o verão e permitir aos miúdos que experimentem o ar livre. Também Sónia Godinho reforça esta ideia, ela que também dá AEC"s, mas em Pombal. Especialista em desenvolvimento pessoal e emoções, acabou por ser monitora de uma atividade que se chama "educar para a felicidade/gestão de emoções". Antes, quando apenas se concentrava nas aulas de ioga para crianças, já se apercebera da importância de "quebrar a rotina e o ritmo". "Infelizmente nem todos os pais têm disponibilidade financeira para colocar os filhos uma semana (pelo menos) num outro ambiente, propiciando outras experiências. Porque o que acontece na maioria dos ATL de verão organizados pelas autarquias, por exemplo, é que os miúdos ficam no mesmo espaço onde até ontem tiveram aulas, com as mesmas pessoas. E isso não é bom para nenhuma das partes", sublinha Sónia.

Recuando às emoções, lembra que nada substitui uma experiência que as novas gerações - nascidas e criadas nas cidades - já nem sempre têm ao alcance: as férias no campo, em casa dos avós.

Foi a pensar na preservação das tradições e do mundo rural que a Santa Casa da Misericórdia do Fundão criou a Quinta Pedagógica, um espaço com três hectares onde cabem atividades o ano inteiro, mas que nesta altura de férias escolares é bem mais procurada. Ricardo Marques, um dos responsáveis, contou ao DN que a pandemia afastou os grandes grupos que ali chegavam de todo o país, mas trouxe "sobretudo famílias, que nos procuram para fazer atividades às vezes só num dia, ou workshops". De resto, a quinta é tão diversa e oferece tanta possibilidade que o difícil é escolher, mesmo para os centros de ATL que a escolhem. Ali amassa-se e coze-se pão, há ateliers para aprender a fazer a doçaria tradicional da região, jogos tradicionais, experiências num campo equestre, tudo dividido em pacotes. Mas também é possível proporcionar aos mais novos participar dos processos de sementeira, plantação e colheitas, até da apanha de chá e legumes.

"Normalmente as atividades são pensadas para os miúdos desde muito novos, a partir dos 3 ou 4 anos. Depois temos algumas que são mais adequadas para os mais velhos, como atividades de escalada, ou tiro ao alvo, com arco e flecha", conta Ricardo Marques.

Para quem vive na cidade, o desafio do ar livre passa também por ensinar a brincar. É isso que o programa Brincar de Rua anda a fazer há alguns anos, com projetos vários que já correm o país. Mas neste verão está concentrado em proporcionar aos mais novos três semanas a brincar na natureza. A ideia é "as crianças aproveitarem o verão ao ar livre, em segurança e com muitas brincadeiras", conta Francisco Lontro, mentor do Brincar de Rua e responsável pela organização. Numa mensagem dirigida aos pais, o sublinha o que lhe parece mais importante: "os teus filhos voltarão a aproveitar o sol, ao ar livre, num ambiente seguro, com atividades que lhes permitirão explorar, aprender, conviver e brincar de forma livre e sem tecnologias". É esse o grande desafio, para crianças dos 6 aos 10 anos.

Na Escola de Artes em Movimento, em Lisboa, começa-se mais cedo, ainda com as crianças em idade pré-escolar.

Margarida Moser e Alexandra Costa (ambas com formação musical) são o corpo e alma da escola. Conheceram-se num colégio em que trabalhavam e desenharam este projeto em 2017, numa altura em que perceberam que queriam "explorar mais as atividades com os miúdos, vê-los a crescer e crescer com eles", como conta ao DN. Mas o espartilho das atividades curriculares e extra-curriculares não permitia, e isso foi o mote para fundarem a sua própria escola e fazer tudo de acordo com o modelo em que acreditam. A partir de Alvalade, a música está sempre presente em tudo o que fazem com as crianças. "A música serve-nos como ponte para chegar a outras áreas, não apenas na componente artística (como a plástica, a dramática e a dança), mas também outras como a matemática, ou o português - porque trabalhamos com eles a construção de histórias, sejam pintadas ou musicadas. Mas por vezes conseguimos explorar outra temática, dependendo do tema da história. Houve um ano em que a história se desenrolava no mar, e trabalhámos tudo à volta disso", revela a professora.

Nesta altura, disponibilizam pacotes semanais. E apesar da informação para o exterior balizar as inscrições entre os cinco e os 15 anos, "todos os anos abrimos exceções. E este ano, por causa da alteração no calendário letivo, estamos a trabalhar já com grupos do 3º ciclo e do secundário". A pandemia não foi um entrave. "Correu muito bem, neste dois anos", afirma Margarida, pronta para mais uma semana desta temporada de verão. O que nota de diferente em relação ao ano passado (já em pandemia)? "As pessoas percebem que temos que aprender a viver com isto. Este ano já não pedem atividades individuais para os filhos, como aconteceu em 2020. Sinto que toda a gente está a tentar fazer a vida o mais normal possível, nestas condições". E isso implica viver o verão, e dar atividades aos mais novos.

A cidade em Bicicleta. O projeto Piratas da Ria Kids desenvolve-se em Aveiro mas está aberto a crianças de qualquer zona do país. Uma semana custa 94 euros, com um dia de alimentação incluído. Nos restantes, promove-se a lancheira e o piquenique. Dos 8 aos 12 anos.

A vida no campo. A Quinta Pedagógica do Fundão funciona o ano inteiro, mas é no verão que mais miúdos e graúdos a procuram. Existe a possibilidade de fazer apenas um workshop de doçaria, pão, ou um pacote de várias atividades ligadas às tradições e ao mundo rural. Os preços dependem do número de elementos dos grupos. A partir dos 4 anos.

Brincar de Rua. Tem sede em Leiria o programa que já se estendeu a várias cidades do país, mas é na cidade do Lis (e nos parques à volta) que decorrem as "Férias a Brincar de Rua", com a semana dos exploradores e criadores (13 a 16 de julho), cientistas da floresta (20 a 23 de julho) e tribo d"água (27 a 30 de julho). Custam 64 euros com seguro e lanches incluídos.Dos 6 aos 10 anos.

Música em Lisboa. Na Escola de Artes em Movimento o mês de Julho promete ser cheio de criatividade, com a música sempre

aliada a outras Artes. Tocar, ouvir, dançar e construir são algumas das atividades que as crianças irão realizar em conjunto. Uma semana custa 135 euros (dia inteiro) ou 70 euros (meio dia, sem alimentação.

Para vegetarianos. Na Quinta do Vale da Mó, na Serra, Tomar, entre junho e agosto os pais podem escolher uma semana (ou mais), com possibilidade de alojamento. A alimentação é exclusivamente bio-vegetariana, as tendas são em algodão natural, e as atividades passam por brincar e aprender em contacto direto com a natureza. Informações de preço em picapaunafloresta@gmail.com

Arborismo no Rabaçal. Em julho, a Comunidade de Aprendizagem das Cerejeiras abre as suas portas ao Programa de Verão 2021, com atividades educativas para crianças dos 3 aos 14 anos.

Teatro, Música, Oficinas práticas, Arborismo, Artes Plásticas, Vídeo e Fotografia, Culinária, Escrita Criativa, Contadores de Histórias, Desporto, Escola na Floresta, Laboratório de Ciências, Xadrez, Jogos de Cooperação, Jogos de Tabuleiro, entre muitas brincadeiras guiadas fazem parte do programa de verão desta comunidade educativa alternativa.

Naturalismo no Algarve. A Associação Rotinas Selvagens promove este ano, pela primeira vez, a partir do sotavento algarvio (Mata da Conceição, Tavira), um programa de férias de inspiração naturalista. O tema centra-se nos "Exploradores da Natureza", e do rol de atividades fazem parte trilhos, desafios relacionados com a fauna, a flora, a exploração do meio envolvente, e o recurso a materiais de origem natural para fazer coroas, mandalas, hoteis de insectos, comedouros de aves, entre outros. Uma semana custa 65 euros com lanche e seguro. Para crianças dos 6 aos 10 anos.

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